
Instituto Histórico de
Petrópolis
24/09/1938
www.ihp.org.br
31/07/2000
c786330E80022031
Digitação utilizada para inclusão no site:
26/07/2012
Tribuna de Petrópolis
30/07/2012
Texto revisto segundo
Princípios de Edição, considerado o Acordo Ortográfico da Língua
Portuguesa de 1990, promulgado pelo Decreto n.º 6.583/2008.
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Resgates
Petropolitanos
Francisco de Vasconcellos
Quem passa pela antiga Avenida 1º de
Março, hoje Roberto Silveira, não pode ficar alheio ao imenso edifício que
aglutina elementos neoclássicos e da chamada arquitetura do ferro, onde se
abriga desde as últimas décadas do século XIX a Escola Doméstica de Nossa
Senhora do Amparo, com relevantíssimos serviços prestados à sociedade
petropolitana, especialmente aos menos contemplados pela fortuna material.
Mas,
se o prédio e a obra social não escapam aos sentidos e à sensibilidade dos que
transitam por aquele logradouro, talvez a maioria destes e de tantos outros
moradores e frequentadores desta urbe não saiba que por detrás de tudo aquilo
estivesse a figura dinâmica, corajosa e humanitária de um sacerdote franzino e
doente, que morrera antes de ver completamente realizado o seu sonho.
Refiro-me
ao Padre Siqueira, nascido em Jacareí, no Vale do Paraíba paulista a 10 de julho
de 1837 do casal Miguel Nunes de Siqueira e Claudina Maria de Andrade.
Fora
ordenado em 1863 e ao iniciar-se a Guerra da Tríplice Aliança, partiu para o
teatro da luta, onde tornou-se capelão de 7º Batalhão de Voluntários da Pátria.
Sua débil constituição física não lhe permitira ficar por muito tempo no
desempenho de suas funções religiosas. Doente, já atacado pela tuberculose,
voltou à terra natal, vindo em seguida viver na Corte, sendo ai acolhido por D.
Ana Leocádia da Cunha Moreira Guimarães, que vivia gostosamente em sua chácara
nas Laranjeiras.
Essas preciosas informações são de Antonio Machado, que nos
anos trinta, sob o pseudônimo de João Fernandes, tantos serviços prestou à
historiografia petropolitana, publicando o resultado de suas pesquisas nesta
“Tribuna de Petrópolis”.
D. Leocádia era sobrinha do Padre Corrêa, filha de D. Archangela, tendo herdado da mãe a altivez, a energia e a alma caridosa e
fidalga. Consta ter sido ela a grande animadora do Padre Siqueira no rumo de
execução do projeto que se tornaria realidade em Petrópolis, com o nome de
Escola Doméstica de Nossa Senhora do Amparo. Preocupada coma saúde do sacerdote
D. Ana Leocádia ofereceu a este, a Fazenda da Olaria, mais tarde residência
oficial do Major, depois Coronel José Cândido Monteiro de Barros.
Numa época em
que a tuberculose era tratada com clima, cama e comida, a Olaria, hoje Castelo
de São Manoel, era o local próprio para prolongar a vida do padre, já que a cura
da doença era praticamente impossível.
Embora alquebrado o Padre Siqueira tomou
a peito o seu próprio projeto da Escola Doméstica, tendo encontrado na altura
dois excelentes colaboradores: Francisco Castilho Nunes e Manoel José Moreira
Guimarães, secretário da Câmara Municipal de Petrópolis, que engajado na obra
filantrópica, para ela carreou muitos donativos. O próspero cafeicultor José de
Souza Breves, latifundiário na região do extinto Município de São João do
Príncipe, ou São João Marcos, deixou em testamento polpudo legado à obra do
Padre Siqueira.
Escreveu Antonio Machado falando das reais intenções do
sacerdote: “Ele tinha o senso das realidades. Não desejava imprimir à sua casa a
simples feição de recolhimento destinado a não deixar à míngua as meninas que
lhe batessem à porta, compreendia a caridade sob mais elevada forma, queria
educar as desvalidas para uma profissão e para o lar, habilitando-as com o
preparo bastante para que no futuro pudessem viver honestamente de suas próprias
aptidões, preparando-as para professoras e as menos inteligentes para criadas de
servir, criando assim no Brasil o ensino doméstico e profissional feminino.”
Em
julho de 1868 o Padre Siqueira publicou o programa de sua obra, que foi
inaugurada em 1871 com o caráter de casa pia e de estabelecimento de ensino.
O
Padre João Francisco de Siqueira Andrade, corroído pela insidiosa “moléstia do
século”, pressentindo que não tardaria a deixar este mundo, testou aos 14 de
novembro de 1880. Lavrou o testamento Ricardo Narciso da Fonseca, que já mereceu
aqui um resgate. O testador voltara-se exclusivamente para a sua obra, rogando
ao seu testamenteiro que a não deixasse morrer, de modo que ela pudesse por
longos anos produzir os efeitos por ele sonhados. Era testamento de um
despojado, de uma alma condoreira, desapegada dos bens materiais, com os olhos
fitos na caridade e no sucesso e bem-estar dos menos favorecidos.
E o Padre
Siqueira morreu aos 44 anos, no início de 1881.
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