Francisco José Ribeiro de Vasconcellos

PAULO BARBOSA DA SILVA, QUE TANTO FEZ PELA FUNDAÇÃO DE PETRÓPOPOLIS

  Parece incrível que Silvio Julio, o mais anti-áulico, o mais anti-cortesão de que se teve notícia ao longo deste século em terras fluminenses, tivesse concebido o título que encima este artigo. Mais incrível ainda o próprio texto de sua lavra, que infelizmente não passa de um fragmento, de um esboço que merece transcrição na íntegra já que discrepa totalmente da linha mestra que norteou a vasta obra silviojuliana. “Natural de Minas Gerais, pois nasceu em Sabará a 25 de janeiro de 1774, Paulo Barbosa da Silva era filho do Coronel de milícias Antonio Barbosa da Silva e Ana Maria de Jesus, filha de Antonio Ribeiro Pinto. Aos 14 anos entrava para o exército português no Brasil na categoria de cadete, em que se viu efetivado em 1808. sua promoção a alferes deu-se durante 1810. Matriculou-se na Academia Militar em 1818. No ano de 1819 ascendia ao posto de tenente e em 1822 ao de capitão. Nesta graduação passou para o Imperial Corpo de Engenheiros. Destinado para estudos, em 1825 realizou uma viagem à Europa, onde de novo se encontrou em 1829, não como militar, mas partícipe do problema complicado que acabou sendo o segundo casamento de D. Pedro I. Caindo o extraordinário José Bonifácio de Andrada e Silva, exerceu Paulo Barbosa da Silva o cargo de mordomo da Casa Imperial. Dom Pedro II em 1840, confirmou-o nesta posição, quando transpusera ele em 1837 o posto de major e, em 1839, o de tenente coronel. Então deputado pela província de Minas Gerais, Paulo Barbosa da Silva achava-se profundamente empenhado nas intrigas partidárias da monarquia. O povo atribuía-lhe desmedida capacidade de remexer as águas turvas da política, e, à sua residência denominada anonimamente o Clube da Joana, acorriam os amantes dos fuxicos no começo do reinado de Dom Pedro II, imperador jovem ainda e inexperiente quiçá. Em 1843, Paulo Barbosa da Silva, no auge de sua carreira na corte, é promovido a coronel e um ano depois reformado como brigadeiro. É a época em que, por iniciativa do major Julio Frederico Koeler, que se manifestara antigo defensor da colonização germânica da Serra da Estrela, adere à causa do incansável fundador de Petrópolis, com o qual assina um contrato em sua qualidade de mordomo da Casa Imperial – não conforme engano de impressão do mesmo em folhetinho – como decreto. Seria isto se houvesse sofrido debates e emendas no Parlamento, para depois […] Read More

NOVENTA ANOS DA REVOLTA DA CHIBATA (OS)

OS NOVENTA ANOS DA REVOLTA DA CHIBATA Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima 1910 foi o ano do inferno astral na política brasileira, fluminense e petropolitana. No plano nacional, a ascensão da figura caricata do Marechal Hermes da Fonseca à suprema magistratura do país, depois de um processo sucessório traumático, iria marcar o início da fase decadentista da República Velha ou melhor da Primeira República. Na esfera estadual, a diplomação do candidato niilista Oliveira Botelho numa trama cheia de fraudes que alijou do poder o presidente eleito Edwiges de Queiroz, ia inaugurar na terra fluminense um período de desenfreado caciquismo com seu clímax desastroso já nos anos vinte, no triste episódio da deposiçao de Raul Fernandes e da subida de Feliciano Sodré pela mão nefasta de Artur Bernardes. Em Petrópolis, 1910 marcou o fim da era Hermogênio Silva, que foi das mais esplendorosas que esta urbe já viveu, embalada por um grupo político forte, sério e que fez enormemente pela cidade. A queda do hermogenismo abriu o caminho para a grande crise que provocaria a intervenção no município, ao arrepio dos mais sagrados postulados do ideário e da legislação republicanos, com a imposição da Prefeitura em 1916. Feita essa tomada de ordem geral, para marcar com letras de fogo o ano fatídico de 1910, ocupemo-nos de um lamentável episódio ocorrido em plena baía da Guanabara, nas barbas do poder central, no mês de novembro daquele ano. O Marechal Hermes acabara de tomar posse de seu cargo a 15 de novembro. Oito dias depois, na noite de 23 para 24, marinheiros a bordo dos principais navios de guerra brasileiros, sob o comando de um certo João Cândido, iniciaram uma rebelião que passou à História com o nome de Revolta da Chibata. Em síntese, o movimento reivindicava melhores soldos e abolição por completo dos castigos corporais. Tais os motivos propalados, as causas aparentes do motim. Talvez não fosse prudente descartar outras motivações de ordem política, tanto mais que o governo que se iniciava estava viciado na sua origem por treitas, manobras solertes, fraudes, intrigas e de toda a sorte de baixarias. Seria ocioso, neste momento em que se pretende rememorar e até repensar a Revolta da Chibata, repetir tudo quanto disseram os jornais da época e publicaram aqueles que se ocuparam do assunto em nível nacional, inclusive os que […] Read More

SEGUNDA EXPOSIÇÃO DE ARTES PLÁSTICAS NO CLUBE PETRÓPOLIS (A)

A SEGUNDA EXPOSIÇÃO DE ARTES PLÁSTICAS NO CLUBE PETRÓPOLIS Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima Verão de 1905. A República brasileira vivia os seus momentos cintilantes. Na Presidência do país, Francisco de Paula Rodrigues Alves; na direção da terra fluminense, Nilo Peçanha; à frente dos destinos do município de Petrópolis, o Dr. Arthur de Sá Earp. Máquina azeitada em todos os níveis. Aqui, esplendia a “saison” com mil atrações para entreter a sociedade adventícia em vilegiatura estival nestas serras. Dois clubes disputavam a preferências das famílias abastadas, com prestígio social e político: o dos Diários e o Petrópolis, este com sede à então Av. XV de Novembro nº 134. Pela segunda vez esta agremiação organizava mostra de pintura, reunindo na ocasião cerca de 150 obras, algumas delas de artistas renomados como Antonio Parreiras, Ângelo Agostini, Baptista da Costa, Henrique Bernardelli, Rodolfo Amoedo e outros. A inauguração deu-se a 12 de março de 1905. No dia 11, a Tribuna de Petrópolis, abria espaço para esta notícia: “O Clube Petrópolis que a par dos gozos menores proporciona também aos seus sócios gozos de alta intelectualidade, inaugura amanhã uma brilhante exposição de pintura. Vão pois regorgitar de gente os salões do elegante clube, tão querido de nossa melhor sociedade.” Apesar dessa propaganda e dos nomes envolvidos no evento, artistas na chamada crista da onda, os críticos de arte desta urbe, quiçá pouco afeitos ao “metier”, acabaram por prender-se a questões menores, dentro daquele universo de 150 obras expostas. Nesse tempo, colaborava na Tribuna o professor João de Deus Filho, que vivera meteoricamente, pois havia nascido aqui em 1882 e morrido aos 19 de outubro de 1918, vítima do flagelo da gripe espanhola. Docente do Colégio São Vicente de Paulo, escritor e jornalista, poeta e sobretudo cultor da língua, foi fundador de “O Cruzeiro” e redator d’ “A Cidade de Petrópolis”, do “Correio de Petrópolis” e do “Diário da Manhã”. Foi também João de Deus Filho bibliotecário da nossa Biblioteca Municipal. Meteu-se, entretanto, a crítico de arte e foi uma catástrofe. Abusando da subjetividade, confundindo o verbo criticar, no sentido universal e elevado dele, com rebaixar, denegrir, apequenar, reduzir à expressão mais simples, falto dos condicionamentos técnicos indispensáveis à apreciação das obras que se expunham ao público naquele verão da Petrópolis belepoqueana, o jornalista acabou por produzir matéria bastante infeliz, quando […] Read More

HÁ CEM ANOS NO AREAL

Um século não é nada e é muito. Em termos cósmicos, cem anos passam num átimo; para nós que afinal vivemos muito pouco, dez décadas valem uma eternidade. Em 1897 Areal era um longínquo distrito de Paraíba do Sul, porque Três Rios, que então se chamava Entre Rios, ainda não havia alcançado sua autonomia. E quando tal aconteceu, Areal deixou de ser paraibano para ser trirriense, chegando nos últimos anos à condição de cidade, com direito à Câmara Municipal, Prefeitura e brasão de armas. E tudo isso aconteceu em um século. Para os arealenses foi um sonho de mil anos. Mas voltemos ao pacato burgo sulparaibano em 1897. Às 12h30 do dia 11 de setembro, um trem da falecida Estrada de Ferro Grão Pará entrou resfolegando na estação do Areal. Não era uma viagem comum. O comboio trazia a cúpula da administração do Estado, que à época tinha Petrópolis como sua capital. Ali estavam o Presidente Joaquim Maurício de Abreu e os Drs. Cypriano José de Carvalho, Annibal de Carvalho e Sebastão Lacerda, respectivamente secretários de Obras Públicas, das Finanças e do Interior e Justiça. Ali também se encontravam os deputados Barros Franco e Soares de Gouvêa, o Conde Van den Steen, Ministro da Bélgica, os Srs. Max, Herbert e José de Iaegher, representantes da Societé Anonyme des Ateliers de Constructions, Forges et Aciéries de Bruges, engenheiros, empreiteiros e pessoas gradas. O povo, que havia embandeirado festivamente a povoação, aclamou os visitantes em meio ao espoucar de foguetes. Tudo era festa naquela tarde de primavera nesse simpático recanto da serra fluminense. Após pequeno descanso, o Presidente e sua comitiva tomaram a direção da ponte de aço lançada sobre o rio Preto, próximo à sua embocadura no Piabanha, para com toda a pompa inaugura-la. Ela ia substituir uma outra de madeira, tornando mais segura a jornada pela estrada do Areal a Bemposta. O empreiteiro da obra, fez entrega dela ao engenheiro chefe da segunda seção técnica, Dr. José Augusto Devoto, que em breve discurso, rendeu suas homenagens ao Presidente Maurício da Abreu, ao secretário da Obras Cypriano da Carvalho, ao empreiteiro Domingos Rodrigues Cordeiro Junior, ao Ministro da Bélgica e aos representantes da empresa fornecedora do material. Mas, por um dever de justiça, não se esqueceu de mencionar os nomes do Dr. José Thomaz da Porciuncula e de Miguel da Carvalho, os quais foram responsáveis pela elaboração do projeto de lei […] Read More

ASPECTOS GERAIS E CONJUNTURAIS DA MUDANÇA DA CAPITAL DE NITERÓI PARA PETRÓPOLIS

  Peca pela base quem pretende por ufanismo provinciano fazer história insulada, como se o seu burgosinho fosse o centro do mundo. Nada se passa isoladamente na face da terra. Napoleão foi um grande benfeitor do Brasil, pois em última análise propiciou a nossa independência da tacanha metrópole portuguesa. Estudar a história de Petrópolis, sem inseri-la no contexto fluminense e mesmo nacional, é erro de palmatória, do mesmo modo que a verdadeira história do Brasil somente será totalmente desvendada depois que as várias histórias regionais e locais forem esmiuçadas. É dessa integração que o Brasil surgirá num autêntico retrato de corpo inteiro. Vejamos, por exemplo, como deveria ser analisada a mudança ainda que por pouco tempo, da capital fluminense de Niterói para Petrópolis. As cidades portuguesas da América, foram em geral criadas ao longo da costa e sem intenções urbanísticas. Ao contrário, o colonizador espanhol interiorizou-se valendo-se de estritas normas de planificação urbana segundo as chamadas Leis de Índias. A idéia de uma capital brasileira no coração do país é anterior à chegada da Família Real a esta banda do Atlântico. Os ingleses já a haviam imaginado. José Bonifácio cantou a pedra no alvorecer da independência, mas durante todo o período monárquico o assunto dormiu o sono dos inocentes. A Constituição Federal de 1891, trouxe de novo o tema à luz do dia e, apesar de algumas investidas no rumo do planalto central e dos trabalhos iniciais do levantamento de uma área para a nova sede do governo brasileiro, levados a efeito por Luiz Cruls, ainda nos anos noventa do século passado, nada de concreto se efetivou. Mas a idéia empolgaria alguns arraiais progressistas, notadamente da ex província fluminense. Ainda no governo Portela, houve uma grande articulação para que a capital do novo Estado se interiorizasse e fosse construída à régua e compasso. Na raiz desse movimento estava a empolgação americanista vinda com a República e com ela o interesse por tudo que dissesse respeito aos nossos vizinhos hispano-americanos e mesmo aos norte americanos. Aqui mesmo em Petrópolis, a imprensa vivia a divulgar fatos da história e da cultura das jovens nações da América, fazendo, a Gazeta de Petrópolis, uma série de artigos sobre a capital do Peru, do Chile, da Argentina, da Colômbia, etc. Ao completar seis meses a frente dos destinos fluminenses, enquanto a República dava seus primeiros e incertos passos, o governador Francisco Portela, de olho nos […] Read More

TREZENTOS ANOS DE PEDÁGIO ENTRE RIO E MINAS

TREZENTOS ANOS DE PEDÁGIO ENTRE RIO E MINAS Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima O Brasil nasceu, cresceu e se desenvolveu no salve-se quem puder, na improvisação, no engatilhamento, dando nó em pingo de éter. Vem da colônia o descaso do poder público pelo quotidiano e pelas necessidades do povo brasileiro. Somos o que somos graças à iniciativa privada, ao espírito aventureiro e sempre otimista de quantos se lançaram à incerteza das lavouras, dos garimpos, das tropas, das boiadas, das indústrias, numa terra de escravos, de mão de obra desqualificada, de precária ou mesmo inexistente comunicação interna, de baixo nível de consumo e de sanguessugas oficiais. À Metrópole só interessavam as vantagens que lhe podiam advir do fechado e monopolizador sistema colonial. Dos ônus, nem queria ouvir falar, muito menos de investimentos nos seus vastos domínios nesta banda do Atlântico. A doença ficou e tornou-se crônica, chegando com toda a força aos nosso dias. Até a Independência, vivíamos a remeter à Lisbôa o produto do nosso esforço, para sustentar o ócio e o parasitarismo de uma nobreza já decadente e a glutonice da raposa Albion. Durante o antigo regime, cada vez que se criava um município, a lei que o erigia como tal, obrigava a população da nova comuna a construir à sua custa as casas da Câmara e da Cadeia. E já agora, em pleno regime republicano, as prefeituras, como a de Petrópolis, por exemplo, não põe um tijolo em qualquer loteamento que se pretenda fazer, mas não deixam depois de comparecer para arrecadar o IPTU, sobre um investimento no que concerne à implantação do projeto, de que não participaram. Assim, voltando aos tempos coloniais, nenhum caminho, nenhuma ponte, nenhum canal veio a furo no Brasil, que não fosse através do sacrifício e do desgaste financeiro de particulares. Quando, na virada do século XVII .para o XVIII, Garcia Rodrigues Paes tornou possível a ligação do Rio de Janeiro com as minas dos cataguás, pelos vales do Paraíba e do Paraibuna, não havia naquele cometimento um tostão despendido pela coroa. Tudo que alí fora feito saíra do bolso do filho de Fernão Dias, inclusive no concernente à mão de obra escrava e livre. Num documento oficial saido das mãos do Governador do Rio de Janeiro, Artur de Sá Menezes, datado de 6 de outubro de 1699, lê-se que […] Read More

REVELAÇÃO DE UM PATRIMÔNIO CULTURAL (A)

A REVELAÇÃO DE UM PATRIMÔNIO CULTURAL Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima Há certas incoerências e alguns paradoxos brasileiros, que longe de merecerem a crítica, a sátira ou a reprovação dos que os detectam, precisam ser valorizados como provas incontestáveis de nossa índole ecumênica, de nossa alma aberta aos povos, às crenças, às doutrinas e aos movimentos mais variados. As radicalizações, as xenofobias, os sectarismos e jacobinismos, foram sempre entre nós elementos circunstanciais e efêmeros, provocados por exaltações momentâneas conforme a maré e os ventos da política e dos costumes, quer no plano interno, quer no que concerne à conjuntura internacional. Não aprendemos a cavar fossos, abismos, precipícios, por questões de ordem étnica, racial, religiosa, social, ideológica. Edgar Hans Brunner, com a sua extraordinária visão do mundo, afirma que o Brasil é talvez o país mais tolerante que ele conhece. D. Pedro II, num momento de exaltação e de nervos à flor da pele, foi banido do país em 1889, mas vinte e um anos depois, aqui em Petrópolis, era homenageado em praça pública, quando da inauguração do monumento a ele dedicado. E o mesmo pano que protegeu a estátua do Marechal Floriano, antes de ser ela exposta aos olhos do povo, serviu para cobrir o velho Imperador, à véspera de sua entronização em bronze na cidade que carrega o seu nome. Mas Petrópolis registra outras curiosidades, que confirmam essa nossa tendência a misturar alhos com bugalhos: A rua Marechal Deodoro, desemboca na rua do Imperador; a rua Nilo Peçanha (republicano roxo) começa na Praça D. Pedro e termina na rua Barão de Tefé; e o Palácio Amarelo, símbolo do poder na República, está diante do antigo Palácio Imperial, hoje Museu. E para arrematar, Petrópolis é a única cidade do Brasil e das Américas a receber da República o título de Imperial. O Recife, tradicional baluarte republicano brasileiro, com suas memoráveis revoluções de 1817, 1824 e com a famosa Praieira, nunca admitiu que banissem de seus logradouros os nomes que lembram a monarquia, mantendo até hoje o Palácio das Princesas e o Testro Santa Isabel, como símbolos do antigo regime. E a republicaníssima cidade paulista de Itú, montou o Museu Republicano Convenção de Itú, em plena rua Barão de Itaim. Cheguei finalmente ao motivo desta matéria. Poucas comunas brasileiras retratam ao longo de sua história a nossa […] Read More

TERTÚLIAS DE HUMBERTO DE CAMPOS E MANOEL BONFIM EM CORRÊAS

  Corrêas, janeiro de 1928. No Hotel D. Pedro, instalado no velho casarão do Padre Corrêa, dois grandes intelectuais brasileiros, estão alí hospedados em busca de tranqüilidade e refrigério. São eles, o maranhense Humberto de Campos, membro da Academia Brasileira de Letras, dono de enorme bagagem literária e o sergipano Manoel José Bonfim, historiador, pedagogo e sociólogo, com incursões pelo americanismo e pelas raízes nacionais. Corrêas dos anos vinte, não era o arrabalde pretencioso e acanalhado de hoje, onde pedestres e veículos de toda a espécie disputam a exiguidade dos logradouros e a única ponte que liga a povoação à estrada União Indústria. Em 1928, aquilo era um lugar de repouso e de cura, com suas chácaras aprazíveis, seu comércio modesto, sua população rarefeita, seu silêncio profundo, apenas cortado pelo ruido do trem do Norte, que ligava Petrópolis a Três Rios e a São José do Rio Preto. Antonio Machado, que fora comerciante de fumo no Rio de Janeiro, estabelecera na estrada setecentista do Padre Antonio Thomaz de Aquino Corrêa, o hotel D. Pedro, que depois transformar-se-ia em sanatório, dada a grande procura do clima de Corrêas pelos tuberculosos, sempre esperançosos de cura, numa época em que esta somente se operava por milagre. Pois foi justamente nesse hotel D. Pedro, que Humberto de Campos e Manoel Bonfim, trocaram figurinhas nos dias 16 e 17 de janeiro de 1928. Humberto Campos, nascido no Maranhão em 1886, era já autor consagrado, com vasta bibliografia dos contos humorísticos à crítica literária. Ademais, ele era dado a registrar suas memórias, genêro aliás que o haveria de consagrar post mortem, com a divulgação do seu “Diário Secreto”. Foi na primeira série de sua “Crítica”, livro de 1933, que encontrei o registro de sua tertúlia com Manuel Bonfim, na aprazibilidade coreense, num ensaio sob o título “Nossa Formação Étnica”. E Humberto Campos começa assim o seu discurso: “Consultando o meu diário inédito, relativo ao ano de 1928, encontro essas anotações: Segunda feira, 16 de janeiro – Entre os hóspedes do hotel ( Hotel D. Pedro em Corrêas), um há tão bisonho quanto eu, mas que toma a iniciativa de aproximar-se de mim. É Manuel Bonfim, sociólogo e historiador, autor d’América Latina, obra cuja documentação histórica me espantou, quando há vinte e dois anos, adolescente ainda, alí no interior do Ceará. Humberto de Campos passa então a descrever o pedagogo e historiador sergipano, nascido em Aracajú em […] Read More

MORTE DO SÍTIO (A)

A MORTE DO SÍTIO Francisco de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima   De Petrópolis a Barbacena, somos todos tributários do Caminho Novo, elos dessa mesma corrente que há mais de duzentos anos nos une de maneira total e irreversível. Lamentavelmente, entretanto, essa linha mestra que nos aglutina a todos, não tem merecido, da parte dos pesquisadores e estudiosos, a atenção que merece. É pequena ainda a bibliografia referente a tão instigante tema. Não querem, os que pensam insuladamente, extrapolar os limites de seu quintal e consideram mesmo, desperdício de tempo e de espaço em jornais e livros, qualquer tipo de elaboração de caráter mais abrangente, abarcante, ecumênico. A cultura não é municipal, mas universal com cheiros, sabores, contornos, regionais. Faz parte – propus num dos números da revista do I.H.P. – o estudo integrado, sistemático e metódico das histórias de Petrópolis e de Juiz de Fora, tendo reiterado a proposta quando do Colóquio comemorativo do sesquicentenário da colonização germânica nestas serras, em junho/julho de 1995. Agora, um tema novo se nos apresenta, tema nacional, que tem origem em Santa Catarina, passa pelo Rio de Janeiro, para eclipsar-se nos arredores de Barbacena, o que poderia ter ocorrido em Corrêas, também reduto de tuberculosos, quando clima, cama e comida eram a base do tratamento. Mas Corrêas não tinha ainda um sanatório na verdadeira expressão do termo, quando se deram os fatos a serem aqui esmiuçados. O isolamento perfeito estava, então, numa das dobras da Mantiqueira, a cerca de 10kms de Barbacena, na direção da história Borda do Campo. E foi para lá que viajou em desespero de causa o poeta e escritor catarinense João da Cruz e Souza, das maiores expressões do simbolismo brasileiro, morto no Sítio, à época município de Barbacena, aos 19 de março de 1898. Tinha apenas 36 anos, já que completaria 37 anos aos 24 de novembro daquele ano. Seus biógrafos, ao tratarem do local de seu passamento, apenas mencionavam Sítio, sem entrar em maiores detalhes. Fustigado pelo vírus investigatório, vali-me do Dicionário Histórico – Geográfico de Minas Gerais de Mestre Waldemar de Almeida Barbosa e alí encontrei no verbete correspondente ao local em epígrafe: SÍTIO – Ver Antonio Carlos E foi o que fiz. ANTONIO CARLOS – “O povoado e estação do Sítio fazia parte do distrito de Bias Fortes, município de Barbacena. A capela do Sítio […] Read More

ALGUMAS COINCIDÊNCIAS

ALGUMAS COINCIDÊNCIAS Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima Quando Campos Sales encerrava seu quatriênio em fins de 1902, todos os que haviam exercido a suprema magistratura da República, na última década do século XIX, estavam mortos. Deodoro sucumbira roído de remorso e de ressentimentos, algum tempo depois daquele fatídico 23 de novembro de 1881, quando renunciara ao poder, depois do golpe de 3 daquele mês, em que fechara o Congresso, tornando-se ditador, a exemplo de tantos caudilhos hispano-americanos. O Marechal Floriano, morreu a 29 de junho de 1895, justo quando se comemorava o Jubileu de Ouro de Petrópolis, fato que a imprensa local ignorou entretida com os funerais do chamado consolidador da República, venerado na altura pelos próceres e defensores do novo regime, depois das radicalizações causadas pela Revolta da Armada e pela Revolução Federalista. Os que ocuparam a Presidência no quatriênio 1894/1898, morreram com diferença de dias, no final de 1902. Primeiro foi a vez do Vice, que esteve interinamente no poder quando o titular teve de afastar-se por motivos de saúde; em seguida foi este para o além, ambos sob o canto fúnebre da Tribuna de Petrópolis, mal saída dos cueiros. No dia 13 de novembro de 1902, dois dias antes de Campos Sales entregar o bastão a Rodrigues Alves, o periódico em tela abria espaço para chorar o Dr. Manoel Victorino Pereira, que dividira a presidência com Prudente de Moraes em meio às maiores turbulências e crises intestinas, tendo deixado inclusive má fama, quer pelo envolvimento num golpe que pretendia alijar o primeiro mandatário definitivamente do poder, quer por sua implicação no atentado que vitimara o Marechal Machado Bittencourt, logo depois do fim da Guerra de Canudos. Mas, como no Brasil todo morto vira santo, a folha citada, na indigitada edição, não fez por menos. E carpiu o defunto nesses termos: “Em pleno vigor da existência, a morte acaba de roubar à pátria e à República, um de seus mais proeminentes vultos: o ilustre baiano Dr. Manoel Victorino Pereira. Nestas curtas linhas, não nos ocuparemos em fazer a biografia do grande brasileiro; simplesmente, a Tribuna de Petrópolis, compartilhando da extraordinária dor, que acaba de ferir em pleno coração, a nação brasileira, vem, associando-se a todas as classes populares, que lamentam o triste acontecimento, derramar sobre o túmulo do grande apóstolo da ciência, do eminente […] Read More