Peca pela base quem pretende por ufanismo provinciano fazer história insulada, como se o seu burgosinho fosse o centro do mundo.

Nada se passa isoladamente na face da terra. Napoleão foi um grande benfeitor do Brasil, pois em última análise propiciou a nossa independência da tacanha metrópole portuguesa.

Estudar a história de Petrópolis, sem inseri-la no contexto fluminense e mesmo nacional, é erro de palmatória, do mesmo modo que a verdadeira história do Brasil somente será totalmente desvendada depois que as várias histórias regionais e locais forem esmiuçadas. É dessa integração que o Brasil surgirá num autêntico retrato de corpo inteiro.

Vejamos, por exemplo, como deveria ser analisada a mudança ainda que por pouco tempo, da capital fluminense de Niterói para Petrópolis.

As cidades portuguesas da América, foram em geral criadas ao longo da costa e sem intenções urbanísticas. Ao contrário, o colonizador espanhol interiorizou-se valendo-se de estritas normas de planificação urbana segundo as chamadas Leis de Índias.

A idéia de uma capital brasileira no coração do país é anterior à chegada da Família Real a esta banda do Atlântico. Os ingleses já a haviam imaginado.

José Bonifácio cantou a pedra no alvorecer da independência, mas durante todo o período monárquico o assunto dormiu o sono dos inocentes.

A Constituição Federal de 1891, trouxe de novo o tema à luz do dia e, apesar de algumas investidas no rumo do planalto central e dos trabalhos iniciais do levantamento de uma área para a nova sede do governo brasileiro, levados a efeito por Luiz Cruls, ainda nos anos noventa do século passado, nada de concreto se efetivou.

Mas a idéia empolgaria alguns arraiais progressistas, notadamente da ex província fluminense. Ainda no governo Portela, houve uma grande articulação para que a capital do novo Estado se interiorizasse e fosse construída à régua e compasso.

Na raiz desse movimento estava a empolgação americanista vinda com a República e com ela o interesse por tudo que dissesse respeito aos nossos vizinhos hispano-americanos e mesmo aos norte americanos.

Aqui mesmo em Petrópolis, a imprensa vivia a divulgar fatos da história e da cultura das jovens nações da América, fazendo, a Gazeta de Petrópolis, uma série de artigos sobre a capital do Peru, do Chile, da Argentina, da Colômbia, etc.

Ao completar seis meses a frente dos destinos fluminenses, enquanto a República dava seus primeiros e incertos passos, o governador Francisco Portela, de olho nos chãos de Teresópolis, para alí instalar a futura capital do Estado, deu, pelo decreto estadual de 19 de maio de 1890, ao Comendador Domingos Moitinho e ao Barão de Mesquita, a concessão, pelo prazo de 70 anos, do uso e gozo de uma estrada de ferro, ligando Niterói a Porto Marinho, no município de Cantagalo, passando por Teresópolis e para a edificação dos prédios públicos da nova capital.

A 6 de junho do mesmo ano, Portela criava o município e a cidade de Teresópolis. A 16, firmava-se o contrato entre os concessionários e o Governo estadual. A 5 de julho, o Banco Sul-americano incorporava a empresa, criada pelo Comendador e pelo Barão.

A 26 de setembro de 1890, o contrato de 16 de junho foi transferido à nova firma então incorporada, que tinha entre suas prioridades, atacar desde logo a construção da ferrovia, única forma de fazer a comunicação da futura capital fluminense com Niterói e daí com o Rio de Janeiro. Estava também nas cogitações urgentes dos empresários, a compra das terras da antiga sesmaria March, depois Fazenda dos Órgãos, para nelas ser implantado o plano piloto da moderna capital do Estado do Rio de Janeiro.

Por decreto de 6 de outubro do mesmo ano de 1890, Francisco Portela, simbolicamente, transferia para Teresópolis a sede do seu governo.

Tudo parecia correr sob os auspícios de uma varinha de condão.

Nada tinha realmente consistência, já que ainda não havia nem transporte, nem infra estrutura na nova urbe e principalmente a própria cidade onde haveriam de funcionar os poderes do Estado e toda a sua máquina burocrática. Aliás, esse clima de fantasia, tomara conta da nascente República como um todo. Empresas sem nenhum lastro nasciam da noite para o dia, enquanto o teórico Ruy Barbosa comandava o grande desastre financeiro do país. Tempos do ensilhamento, tão bem caricaturados pela pena erudita e mordaz de Alfredo d’Escragnole Taunay.

O ano de 1891 foi de grande turbulência quer a nível nacional, quer nesta velha província. Culminou com o golpe de estado de Deodoro, fechando o Congresso. A 23 de novembro, premido pelas circunstâncias, o velho Marechal renunciava e já em princípios de dezembro, Portela no epicentro de uma revolução resignava o governo fluminense, retirando-se da cena política por algum tempo.

O assunto da mudança da capital ficou na entrelinha, não só por causa da crise política, mas também em conseqüência da derrocada da empresa do Comendador Moitinho e do Barão de Mesquita e das dificuldades enfrentadas pelo Banco Sul-americano.

Superado o trauma, depois de uma rápida transição em que esteve à frente do governo fluminense o Contra Almirante Balthazar da Silveira, o Estado constitucionalizou-se, elegendo-se Presidente dele o Dr. José Thomaz da Porciuncula.

Com base no artigo 18 das Disposições Transitórias da Constituição estadual de 9 de abril de 1892, a Assembléia, na sessão de 25 de janeiro de 1893, depois de acalorada discussão, por 27 votos contra 13, ratificou o decreto de 6 de outubro de 1890, que havia mudado a capital de Niterói para Teresópolis.

Choveu no molhado a Assembléia. Mas a idéia, pelos debates que suscitou e pela insistência dos senhores deputados em factibiliza-la, parecia ter-se tornando irreversível, embora entre a teoria e a prática houvesse um verdadeiro abismo.

A lei da transferência, de nº 43, foi sancionada por Porciuncula a 31 de janeiro de 1893. Havia nela entretanto imprecisões que poderiam levá-la ao malogro. É a velha história da lei que não pega.

E não pegou mesmo.

O artigo 1º, por exemplo, falava em transferência “no mais breve prazo possível”. Ora, ninguém ignora que breve não é prazo. Além disso, ainda exigia que a mudança se operasse “a juízo do Presidente”, ou seja se ele assim achasse por bem e quando o achasse.

Esse binômio, convenhamos, era verdadeira ducha de água fria na fervura. Tudo perfeitamente aleatório, pontas soltas para obstar a realização de um projeto que dentro desse contexto hipócrita, teria sido melhor que nunca tivesse existido.

Enquanto o Estado debatia-se nesse não querer, querendo, nessa ambigüidade bem brasileira, nessa nossa eterna tendência para a carnavalização das coisas e das atitudes, a capital seguia firme em Niterói. Porém, a política nacional azedava e as crises se sucediam, marcando a era florianista, de triste memória.

A 6 de setembro de 1893, estourava a revolta de parte da Armada em plena baia de Guanabara. Em breve, Niterói, por sua posição geográfica, tornar-se-ia o lugar menos indicado para sediar uma capital.

Com nível de segurança zero a antiga Vila Real da Praia Grande, já não tinha condições de resistir aos ataques da esquadra revoltada.

Não passando Teresópolis ainda de um projeto, cogitou o governo de alojar o caput do Estado num lugar abrigado da sanha revolucionária e que tivesse condições de receber toda a máquina burocrática dele. Não foi preciso muito esforço para que a opção fosse Petrópolis.

Em dezembro de 1893, já o legislativo estadual subia a serra. Em 30 de janeiro de 1894, ele votava a transferência provisória da capital para esta urbe, dando-se a instalação solene dela a 20 de fevereiro daquele ano, pouco antes do fim das hostilidades na Guanabara.

Ora, se o motivo da mudança fora a revolta da Armada e se esta havia terminado, não havia nenhum impecilho para que a capital fluminense voltasse para Niterói, aguardando a oportunidade de transferir-se para Teresópolis, desde que as condições assim o permitissem.

Ao contrário do que revela este raciocínio simples e direto, Petrópolis seguiu sediando a cabeça do Estado, ao arrepio do velho brocado de que cessando a causa, cessaria também o efeito.

E o mais estranho é que em outubro de 1894, sete meses depois do término da revolta, a Assembléia estadual transferia definitivamente a capital de Niterói para estas serras. E ela aqui permaneceu por quase dez anos.

E Teresópolis ?

Bem, a filha dileta de Francisco Portela teria se transformado numa cidade medíocre e ignota, como tantas outras, não fosse a excelência do seu clima, que cedo faria dela uma boa opção de veraneio e lazer para nacionais e estrangeiros.