(Narrando um triste, porém típico, acontecimento do princípio da República, e considerações de Rui Barbosa e de Monteiro Lobato sobre D. Pedro II, a Monarquia e a República)

Nada mais certo! Foi o que ocorreu com os governantes republicanos, depois que o navio Alagoas conduzindo D. Pedro II e a Família Imperial perdeu-se nas brumas do Atlântico, em direção à Europa. Diz Monteiro Lobato que eles teriam tido um alívio: “enfim sós”. Agora podem espoliar, à vontade, o povo brasileiro, sem que ninguém os fiscalize.

O caderninho preto e o lápis fatídico, que anotavam os nomes daqueles, que por atitudes indignas, não deveriam mais pertencer a cargos de governo, este caderninho também seguira para a Europa no bolso do Imperador. Podiam se lambuzar com o melado da corrupção e do estelionato, das riquezas fáceis e ilícitas, sem que houvesse alguém a chamar-lhes a atenção.

Monteiro Lobato nos escreve: “D. Pedro II” era a luz do baile, muita harmonia, respeito às damas, polidez de maneiras, jóias d’arte sobre os consoles, dando o conjunto uma impressão genérica de apuradíssima cultura social. Extingue-se a luz.

As senhoras sentem-se logo apalpadas, trocam-se tabefes, ouvem-se palavreados de tarimba, desaparecem as jóias”.

Ou seja, sem o freio natural da Coroa, eles mostram-se como eram realmente.

Lambuzam-se no melado sujo de lama. Escarafuncham-se no atoleiro, sem tábua de salvação. Perdem-se nos mares, sem o farol que os guiava; que os guiava e corrigia seus rumos; que corrigia seus rumos e os conduzia a porto seguro.

Rui Barbosa, o “águia de Haya”, que foi republicano durante o Império e monarquista ou simpatizante, depois dos primeiros desacertos e corrupções da República, certa vez, escreveu estas palavras, que tornaram-se acadêmicas (as quais, geralmente, só são publicadas até o fim do primeiro parágrafo):

“De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto. Essa foi a obra da República nos últimos anos. No outro regime (na Monarquia), o homem que tinha certa nódoa em sua vida era um homem perdido para todo o sempre, as carreiras políticas lhe estavam fechadas. Havia uma sentinela vigilante, de cuja severidade todos se temiam e que, acesa no alto (o Imperador, graças principalmente a deter o Poder Moderador), guardava a redondeza, como um farol que não se apaga, em proveito da honra, da justiça e da moralidade” (Observação: Os parênteses são nossos para melhor ilustrar).

Rui Barbosa ocupava o cargo de Ministro da Fazenda no Ministério do Governo Provisório (1889-1891), presidido por Deodoro da Fonseca. Este Ministério compunha-se de republicanos históricos, como, por exemplo, além dele mesmo, de Silveira Lobo como Ministro do Interior, de Campos Sales como Ministro da Justiça, Quintino Bocaiúva ocupando o Ministério do Exterior, Demétrio Ribeiro, na Agricultura e Comércio, Wandenkolk, na Marinha e Benjamim Constant na Guerra (Exército).

Rui Barbosa era, sem dúvida, grande jurista e diplomata, um sábio, um extraordinário orador… porém, péssimo economista. Assim, foi o causador do famoso “Encilhamento”, que trouxe a desmoralização das finanças brasileiras e uma terrível inflação. Qualquer Banco emitia papel moeda, e títulos falsos de falsas empresas eram vendidos em quantidade incrível, no lugar onde se encilhavam os cavalos, no centro do Rio de Janeiro.

Criticado por Benjamim Constant, em uma reunião do Ministério, os dois políticos quase se assassinaram, tendo Benjamim Constant desembainhado a espada e Rui sacado da garrucha. Não chegou a haver uma tragédia, porque o velho Marechal-Presidente, dando um murro na mesa, esbravejou: “Se os Senhores não se portarem, chamo o velho de volta!!!” (Referia-se naturalmente ao Imperador)

Assim foi o princípio da República. Desencontros, movidos por ambições descabidas, não mais fiscalizadas pelo Pai Supremo da Nação, o Imperador. Não estavam habituados a governarem sem serem antes governados. Foi um descalabro! Como escreveu Monteiro Lobato: “A mesma gente, o mesmo juiz, o mesmo político, o mesmo soldado, o mesmo funcionário, até 15 de Novembro honesto bem intencionado, bravo e cumpridor dos deveres, percebendo, na ausência do imperial freio, ordem de soltura, desaçamaram a alcatéia dos maus instintos mantidos em quarentena. Daí o contraste dia a dia mais frisante entre a vida nacional sob Pedro II e a vida nacional sob qualquer das boas intenções quadrienais que se revezam na curul republicana.

A moral pública uma das características dos homens políticos do Império, como que se diluía. Ainda é Rui que nos faz saber: “O Parlamento do Império era uma escola de estadistas, o Congresso da República transformou-se em uma praça de negócios.”

Um fato deve ser conhecido, embora prefiramos não dar “nome aos bois”, pois o político em questão pode ter descendentes ainda vivos.

A República proclamada, passados os dois anos de Governo Provisório, finalmente elabora-se a 1ª Constituição Republicana, de 1891 e é eleito Presidente o mesmo Marechal Deodoro e para Vice, Floriano Peixoto. Um certo político do Império, homem conhecido na vida pública por sua incontestável retidão de caráter e ilibada moral, é convidada pelo Governo da República a participar de um Ministério.

Considerando-se monarquista, recusa o convite. O Governo insiste. Ele resolve pedir a opinião e a autorização, caso a opinião fosse positiva, do Imperador, que nesta altura já se encontrava na França, pois fora para lá residir com sua filha, genro e netos, depois da morte da Imperatriz, em Portugal (na cidade do Porto).

A resposta do Imperador foi simples e como sempre patriótica: “Sirva ao Brasil”. Era o sinal verde. Ele aceitou o Ministério e iniciou a viver o cotidiano da vida política republicana. Eis que começa a perceber o que ocorria. Se olhasse para um lado, ou para o outro; se olhasse para cima ou para baixo, só o que via era desonestidade, era corrupção, eram aproveitamentos ilícitos, o bem público vilipendiado, os interesses particulares em primeiro lugar, o “Bonum Comune”, completamente esquecido, o lambuzamento em melado enlameado.

Infelizmente, este homem, que tinha sido, no Império, símbolo de honradez, de caráter, de virtudes… aderiu ao “bloco do samba republicano” e familiarizou-se com os vícios e pecados.

Por que isso aconteceu na República do nosso Brasil, e vem ainda acontecendo, ressalvadas, sem duvidas, especiais figuras da História Republicana, que continuaram a ilustrar a vida pública brasileira? Por que isso ocorreu? Monteiro Lobato estaria repleto de razão? É ainda Rui, que nos responde: “O mal grandíssimo e irremediável das instituições republicanas em deixar exposto à ilimitada concorrência das ambições menos dignas o primeiro lugar do Estado, e desta sorte, o condenar a ser ocupado, em regra, pela mediocridade”