Parece incrível que Silvio Julio, o mais anti-áulico, o mais anti-cortesão de que se teve notícia ao longo deste século em terras fluminenses, tivesse concebido o título que encima este artigo. Mais incrível ainda o próprio texto de sua lavra, que infelizmente não passa de um fragmento, de um esboço que merece transcrição na íntegra já que discrepa totalmente da linha mestra que norteou a vasta obra silviojuliana.

“Natural de Minas Gerais, pois nasceu em Sabará a 25 de janeiro de 1774, Paulo Barbosa da Silva era filho do Coronel de milícias Antonio Barbosa da Silva e Ana Maria de Jesus, filha de Antonio Ribeiro Pinto. Aos 14 anos entrava para o exército português no Brasil na categoria de cadete, em que se viu efetivado em 1808. sua promoção a alferes deu-se durante 1810.

Matriculou-se na Academia Militar em 1818. No ano de 1819 ascendia ao posto de tenente e em 1822 ao de capitão. Nesta graduação passou para o Imperial Corpo de Engenheiros.

Destinado para estudos, em 1825 realizou uma viagem à Europa, onde de novo se encontrou em 1829, não como militar, mas partícipe do problema complicado que acabou sendo o segundo casamento de D. Pedro I.

Caindo o extraordinário José Bonifácio de Andrada e Silva, exerceu Paulo Barbosa da Silva o cargo de mordomo da Casa Imperial. Dom Pedro II em 1840, confirmou-o nesta posição, quando transpusera ele em 1837 o posto de major e, em 1839, o de tenente coronel.

Então deputado pela província de Minas Gerais, Paulo Barbosa da Silva achava-se profundamente empenhado nas intrigas partidárias da monarquia. O povo atribuía-lhe desmedida capacidade de remexer as águas turvas da política, e, à sua residência denominada anonimamente o Clube da Joana, acorriam os amantes dos fuxicos no começo do reinado de Dom Pedro II, imperador jovem ainda e inexperiente quiçá.

Em 1843, Paulo Barbosa da Silva, no auge de sua carreira na corte, é promovido a coronel e um ano depois reformado como brigadeiro. É a época em que, por iniciativa do major Julio Frederico Koeler, que se manifestara antigo defensor da colonização germânica da Serra da Estrela, adere à causa do incansável fundador de Petrópolis, com o qual assina um contrato em sua qualidade de mordomo da Casa Imperial – não conforme engano de impressão do mesmo em folhetinho – como decreto.

Seria isto se houvesse sofrido debates e emendas no Parlamento, para depois de sua aprovação ir à firma de S.M. D. Pedro II, Imperador do Brasil. Instrumento particular, nele o mordomo da Casa Imperial Paulo Barbosa da Silva, aluga ao major Julio Frederico Koeler, sob condições claras e determinadas, a fazenda que adquirira Dom Pedro I chamada Córrego Seco, em cujo interior ninguém jamais pensara erguer cidade nenhuma, até que o ilustre e decidido colonizador alemão o fizesse.

Ameaçado de morte e odiado por certos políticos do segundo reinado, Paulo Barbosa da Silva vê-se meio forçado pelos amigos, a exercer cargo na diplomacia. Esteve na Rússia, Alemanha, Áustria e, muito enfermo, França, onde lhe caiu a demissão da função em 1851.

Regressou ao Brasil no ano de 1854, para voltar à mordomia – agora sem a autonomia e a importância do passado – e morrer a 28 de janeiro de 1868.

Embora não lhe compita o título de o fundador de Petrópolis, não há dúvida que ele se apaixonara pelo ideal de Júlio Frederico Koeler e lhe consagrou todo o seu prestígio, por sinal nada pequeno, ao dar-se o primeiro avanço no projeto de levantar-se aqui uma cidade privilegiada.”

Estas notas que me foram confiadas por Silvio Julio, com a autorização de publicá-las quando fosse oportuno, revelam a índole koelerista do autor e um certo sectarismo na abordagem do tema.

Mas embora de forma discreta, quase velada, Silvio Julio, fugindo aos seus princípios sempre orientados por vigorosas correntes doutrinárias, prestou elegante homenagem à memória de Paulo Barbosa, especialmente com incentivador do projeto Petrópolis.

Seja lá como for, o certo é que Paulo Barbosa da Silva, não só entre os petropolitanos, mas também no âmbito dos estudiosos dá política durante o período monárquico, sempre despertou interesse e nunca deixou de ser objeto de polêmica.

Aqui, Guilherme Auler foi um crítico implacável do Mordomo da Casa Imperial.

Numa outra vertente, Alberto Rangel no seu ” No Rolar do Tempo”, vol. 6 da Coleção Documentos Brasileiros, ocupa-se de Paulo Barbosa da Silva, valendo-se das impressões de diplomatas franceses que estiveram no Rio de Janeiro dos anos 40 e 50 do século XIX e que acompanharam o desempenho do Mordomo da Casa Imperial da urdidura da trama política no alvorecer do Segundo Reinado.

O Conde Ney, por exemplo, em nota de 24 de março de 1844 ao governo de França, comentava que Paulo Barbosa havia se tornado procurador do Príncipe de Joinville e que era um dos homens mais influentes da corte. Disse que o Clube da Joana era sinônimo de poder e que ele funcionava na casa de campo de Paulo Barbosa da Silva, em São Cristovão. Era difícil avaliar-se até onde o Mordomo se ocupava dos temas políticos; mas era incontestável que na altura ele estava muito ligado ao Ministro do Exterior, a quem dava conselhos. Segundo o parecer de Ney, Barbosa era um homem prudente que não se comprometeria com facilidade e que apesar de seus freqüentes encontros com o Imperador, mantinha-se sempre reservado na presença deste. Era o que se poderia chamar um songa-monga, o patriarca do tipo clássico do político mineiro. Quem sai aos seus não degenera.

A 4 de abril voltava o Conde Ney, sempre se ocupando do mesmo tema:

“M. Paulo Barbosa começa a se tornar um homem muito importante, pelo que eu o faço conhecer a V. Excia. Ele é de Minas, onde seu pai era coronel: ingressando ainda jovem no serviço militar, serviu na cavalaria e depois na engenharia e veio para o Rio de Janeiro como tenente nesta arma. Ele se aliou a inúmeros republicanos célebres da época e redigiu com eles um jornal denominado A Verdade. Ele estaria muito feliz nos dias que correm se jamais tivesse escrito para tal periódico, já que ali maltratara fortemente o primeiro imperador. Não se sabe como ele obteve anteriormente permissão para viajar a Paris com uma dezena de jovens oficiais brasileiros, que aí foram se aperfeiçoar nos estudos de engenharia e artilharia. Ele foi encarregado a seguir de exercer algumas missões diplomáticas em Paris e Viena e finalmente voltou à pátria antes do 7 de abril; tomou parte então numa revolução conduzida pelo senhor Aureliano, ao qual estava ligado e que o nomeou Mordomo. Suas funções fizeram-no aproximar-se sobremodo do Imperador, menino ainda quando da partida de seu pai. Tal contato fez com que Paulo Barbosa exercesse certa influência sobre o espírito do jovem monarca, sobre o meio palaciano e sobretudo sobre o tutor do pequeno imperador, o senhor de Itanhaem, homem fraco e desprovido de meios: – a administração das terras imperiais tornou-se mais regular, cresceram as rendas e desse ponto de vista, nada mais resta que aplaudir a maneira com que o senhor Barbosa cumpria suas funções. Ele tornou-se então capitão de engenheiros; mas levando-se em conta que o Imperador tão jovem ainda, havia já aprendido a conduzir-se conforme seu pai, o coração de S. Majestade tornou-se inacessível à amizade e assim o senhor Barbosa teve seus passos de certo modo bloqueados, tendo que fazer alguns malabarismos para manter-se no cargo. Teve entre os poderosos e influentes de então muitos invejosos que ele soube neutralizar, deixando manhosamente de se envolver nos negócios públicos, limitando-se apenas às suas ocupações no âmbito da economia. O tempo que ele passou na França e a educação que ai recebeu, deixaram-lhe uma boa lembrança do nosso país, o que o impedia de ocultar sua simpatia pela Legação da França. Na oportunidade da primeira viagem do Príncipe de Joinville ao Brasil, o sr. Barbosa não poupou esforços para receber condignamente o filho do Rei dos franceses, que havia dado asilo, segundo ele, ao pai de seu Imperador! Durante toda a estada do Príncipe no Brasil, Paulo Barbosa desdobrou-se em zelo e atenção e eu creio que S. Alteza Real, tomou-se de amizade por ele. Desde essa época, o sr. Barbosa sonhou com o casamento de S. Alteza Real com a Princesa Francisca e este desejo, que o preocupava, fez ainda mais aumentar suas relações com o sr. Barão Rouen. O casamento realizou-se e o Príncipe, reconhecido aos bons serviços que lhe foram prestados pelo Sr. Barbosa, nomeou-o seu procurador, com poderes para cuidar de seus interesses e remeter suas rendas à França. Entretanto, o sr. Barbosa tornou-se Coronel de Engenheiros acumulando inúmeras outras funções. Ele acabou por ser promovido a General, aposentando-se com uma pensão conveniente”.

O depoimento insuspeito do representante diplomático da França no Rio de Janeiro de 1844, dá bem a dimensão do perfil psicológico de Paulo Barbosa da Silva.

Contemporâneo do alvorecer do projeto Petrópolis, o Conde Ney si quer tangencia o tema, o que leva a crer que à época, o assunto não despertava o mínimo interesse nas altas esferas do poder.

O tema Petrópolis, deveria estar circunscrito à epígrafe administração dos próprios imperiais, em cuja função, segundo o Conde Ney, Paulo Barbosa da Silva, no cargo de Mordomo, dera provas de incontestável talento, já que aumentara sobremodo as rendas de S. Majestade.

Tal o mote que ensejará as necessárias glosas na abertura da matéria que se seguirá a esta.