A PASSAGEM DO RIO PARAÍBA DO SUL

O rio caudaloso na época das chuvas, e mais seco e portanto mais estreito, na época da estiagem, ora dificultava, ora permitia a passagem dos viajantes e tropeiros que do porto da Estrela buscavam a Paraíba, ou de Minas que demandavam aquele movimentado porto.

No começo, essa travessia era feita por meio de barcas movidas a remo por exímios remadores e também por meio de pranchas. As dificuldades apresentadas com remadores livres e um cativo, acrescidas com as canoas, como a grande que precisava de reparos, e também as duas outras que necessitavam de consertos. Por isso precisava-se de madeira o que se arrasta até 1837 e sente-se dificuldade de se consegui-la “na vizinhança da Paraíba”. O ilustre historiador José Antonio Soares de Sousa, assim nos falou em trabalho publicado na Revista do IHGB:1 “a passagem fazia-se então por uma velha barca ou uma grande balsa que comportava 15 mulas carregadas”, e isso baseado em Gardner e nos Relatórios de Koeler.

Essa passagem era muito freqüentada por tropas com animais carregados e, como exemplo, destacamos o mês de fevereiro de 1838 que apresentou um movimento de 3.509 animais carregados para o porto da Estrela e, para a Província de Minas, 3.272 muares. No Relatório de Koeler, de 1835 e dirigido ao Presidente da Província, há uma referência à estrada da Estrela que é a “mais freqüentada da Província de maneira que nela só transitam mais viandantes que nas outras todas do centro reunidas”.

Ainda utilizando o Relatório de Koeler do ano de 1838, vemos um interessante episódio: “aconteceu que carregando o Patrão a canoa grande com os efeitos do tropeiro Cordeiro, este exigiu que a enchesse com as cargas de 3 lotes de animais. O Patrão fez-lhe observações a que o tropeiro não atendeu e o resultado foi submergir-se a canoa no meio da correnteza e perderem-se as cargas e quase a canoa, que arrebatada pelas águas, desapareceu em um momento. Aí o administrador da obra da ponte prometeu 10$000 de gratificação a 2 particulares se salvassem a canoa e a gente embarcada na barca submergida. Marcelino Idálicio Cordeiro e Prodêncio J. de Camargo, não só salvaram primeiramente 7 pessoas que tinham caído no rio e, depois, com risco de suas vidas, foram buscar a canoa encalhada nas cachoeiras e conseguiram salvá-la e maior parte das cargas”.

Datado da Vila da Paraíba do Sul, em 3 de julho de 1837, Koeler enviou um ofício ao Vice-Presidente da Província, José Inácio Vaz Vieira, traçando considerações sobre o rio Paraíba do Sul e em geral todos os rios de serra acima, cheios pelas chuvas constantes. Já fora estabelecido o que ganhariam os remadores da barca e seu Patrão com forte gratificação, enquanto o rio não baixasse. O ilustre engenheiro diz que, proponho o seguinte:

“Art. I – A gratificação diária de 280rs. que vencem o Patrão e mais remadores da Barca da Paraíba do Sul, em tempo de enchentes não lhe será mais apontada nos meses de maio até outubro, inclusivamente, ainda que haja enchentes.

Art. II – Se o rio neste tempo encher e a passagem ficar mais difícil, será esta dificuldade sanada por meio de maior número de empregados do que o estado ordinário, que o Patrão da Barca poderá imediatamente alugar.

Art. III – Estes remadores extraordinários não poderão vencer maior jornal do que o dos ordinários e serão demitidos assim que se tornará desnecessário”.

Nessa ocasião já se cuidava da construção da ponte que fora pedida e sugerida antes e disseram que ainda que não houvesse o motivo que se levou a pensar em ponte, pela grande freqüência desta passagem, e a ponte teria 23 palmos de abertura, a altura que for justa, sendo feita de madeira e o orçamento é de 40:000$000. Julio Frederico Koeler falou ao Presidente sobre a despesa de 200$000 mensais ou 2:400$000 anuais, além de apresentar muito pouco cômodo e daí o pensamento de se construir a ponte.

Koeler chamou os trabalhadores açorianos para ajudá-lo, mas teve preocupações pois um ou outro se embriagava e era preciso afastá-lo, e principalmente os desobedientes, e um castigo que daria certo era afastar o viciado de um canto a outro da seção, por maior ou menor tempo, mas esse castigo só alcançava os casados, porque os solteiros não o sentiam. Pede ainda Koeler que o Presidente da Província não faça opinião desfavorável ao resto dos ilhéus da Paraíba que se comportam bem e alguns otimamente. Continua Koeler “o meu fim é o único de alcançar os meios de torná-los bons quando maus e de conservá-los bons quando bons”.

Os ilhéus foram engajados pelo Governo que lhe pagou a passagem e, em poucos meses, amortizaram essa dívida com exceção de dois que fugiram e de alguns, cuja dívida fora muito grande em conseqüência da grande família que traziam.

Koeler destacou o trabalho dos de ofício e, quanto aos serventes, diz que eram relaxados e desobedientes e isso “vem da facilidade que têm estes de trocar a foice ou a enxada com o balcão ou de entrar de feitor a um sítio aonde com maior comodidade sua, vivem enquanto os outros não têm recurso melhor no lugar nem mais lucrativo do que seu ofício”. Foi por ele apontado o “escandaloso procedimento de um ilhéu chamado Antonio da Silva que provocou, desde o princípio, as desordens que surgiram ali. Deixou a obra e foi pedir esmolas dizendo que era para pagar a dívida para com a Província, mas embriaga-se com o que recebe. “Uma interessante observação de Koeler é quando diz “Vossa Excelência não ignora que não é difícil é recorrer aos meios judiciários em uma Vila como da Paraíba, onde formigam gente mal intencionada, rábulas e maus conselheiros”.

O irmão do ilhéu desobediente é Manoel Raposo e outros que são canteiros dos mais hábeis e muitos zelosos e bem comportados, e largaram a obra por não aturarem as desordens dele. É preciso remover o desordeiro para a obra da Estrela porque lá não acham tanto quem os apóie em suas desordens.

No Relatório de 1837 aparece uma tabela demonstrativa das despesas com empregados, canteiros, ferreiros, cavouqueiros, serventes, aluguel de casas, condução de materiais, compra de carvão, mantimentos, curativos nos ilhéus doentes.

Os Relatórios do Major Koeler se sucedem e, em junho de 1838, ele diz que o “trabalho acumulou porque em maio ele foi ajudar ao Coronel Conrado Jacob Niemeyer na Comissão de levantar a planta e organizar o orçamento de uma ponte sobre o Paraíba, no porto de Sapucaia”.

A ponte da Paraíba tem “uma comissão de 3 membros formada pelo Capitão Hilário Joaquim de Andrade, os Majores Antonio Barroso Pereira e João Gomes Ribeiro de Avelar que eram incumbidos de receber consignações e pagá-las”. Destacou-se o Capitão Hilário que não tem poupado sacrifício algum para sustentar o crédito pecuniário da obra.

Nos fins de fevereiro de 1841 a obra da ponte foi suspensa e a guarda dos seus pertences foi confiada ao mestre pedreiro da obra, e depois ao escrivão, com gratificação de 25$000 por mês. Em janeiro e fevereiro já se tinha aprontado 24 pedras de cantaria do valor cúbico de 715 palmos e tinha sido concluído a 7ª fiada do 1º pilar e quase a 8ª e outros serviços acessórios, e a despesa foi de 2:587$100. No final do ano Koeler recebeu ordem para apresentar com urgência o orçamento da despesa a fazer com a construção total da obra. Acreditava ele que ficaria em 90:725$667.

Voltando aos trabalhadores portugueses, lembramos a chegada ao Brasil da Barca Hamburguesa “Therese”, em abril de 1845, que trouxe os colonos que ficaram em Niterói acomodados no barracão da obra da Matriz que se estava construindo. O engenheiro Damaso da Fonseca Lima, engenheiro administrador, da obras do 4º Distrito, os recebeu. Na mesma data, Francisco José do Reis Alpoim, chefe do 4º Distrito, dirigiu ao Presidente da Província um ofício, o qual disse que achavam-se diversos casais de colonos engajados pela Província, a 9 de dezembro de 1844, no barracão da Matriz e que seriam empregados nos trabalhos de Obras Públicas, mas como não era possível empregá-los nas obras desse citado Distrito, por terem ofício, e não seria conveniente ao serviço que “homens livres se empreguem como serventes de operários, pela maior parte escravos, mandava o mesmo para as obras da serra da Estrela.” Assim iriam reforçar contingente de açorianos que, desde 1838, trabalhavam com Koeler na obra da ponte de Paraíba do Sul.

No relatório de 1841 preparado por Koeler para o Presidente Honório Hermeto Carneiro Leão, e para ser publicado na sua apresentação à Assembléia no ano de 1842, ainda se fala “nas extraordinárias enchentes de fim de janeiro deste ano prejudicaram sumamente as passagens da Paraíba do Sul e do comércio”. Na Paraíba do Sul rebentou a corrente, e ficando presa sobre a ponte entrelaçada com paus e árvores que a enchente trazia, destruiu essa ponte cuja sólida construção lhe tinha resistido 3 a 4 dias. Pelo administrador da obra da ponte Antonio Gonçalves Duarte, e pelos auxílios do cidadão Hilario Joaquim de Andrade, se restaurou brevemente essa passagem.

Em 1841, Manoel José de Sousa França “atendendo ao que me representou o Sargento Mor Julio Frederico Koeler, Chefe da 2º Seção das Obras Públicas e Membro da Diretoria respectiva, Hei por bem exonerá-lo dos respectivos Empregos e transferir para a vaga, que assim fica, o Sargento Mor Galdino Justiniano da Silva Pimentel, Chefe da 4ª. Seção membro da sobredita Diretoria, cujo Presidente assim o tenha entendido e faça executar na parte que lhe respeita. Niterói, 16 de março de 1841.”

De Jerônimo Francisco Coelho, ao Presidente da Província do Rio de Janeiro: “Hesitando ao Major de Engenheiros Júlio Frederico Koeler, a quem o respectivo comandante oficiou para se recolher ao Corpo por ter sido desligado do serviço desta Província como se me participou em ofício de 21 de maio p.p. se deve ou não deixar sem que se apresente sucessor a administração a seu cargo, da obra sobre o Rio Paraíba; cumpre que V. Exa. providencie a respeito da dúvida em que se acha aquele oficial, comunicando-me o que deliberar para se dar os esclarecimentos que pede o Comandante do Corpo. Deus Guarde a V. Exa., Palácio do Rio de Janeiro, em 15 de junho de 1844”.

O Presidente da Província Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, a 16 de Abril de 1846 diz: “O presidente da Província do Rio de Janeiro, atendendo ao que em ofício de 10 de Fevereiro do corrente ano, representamos os engenheiros Tte. Cel. Galdino José da Silva Pimentel e Major Frederico Koeler, o 1º encarregado das obras da Estrada Normal da Estrela e o 2º como Diretor da Colônia de Petrópolis e tendo mais em consideração o que expôs aquele Tte. Coronel em Ofício de 5 do corrente à cerca das ditas obras e colônia;

Resolve: Art. 1º – Ficam a cargo do dito Major Diretor da Colônia, obras daquela estrada compreendida no espaço que conta as sesmarias do Córrego Seco e do Itamarati.

Art. 2º – Todas as demais obras da mesma estrada, inclusive a ponte sobre o Paraíba continuam sob a direção do Tte. Coronel Galdino José da Silva Pimentel.

Art. 3º – Os ditos 2 engenheiros formarão um Conselho Diretor dessas obras e da Colônia, tendo cada um a seu cargo a parte deliberativa e executiva e executiva na sua e voto consultivo na outra seção devendo sempre estar de fato de todas as ocorrências e medidas e substituir-se um ao outro nos seus impedimentos temporários.

Art. 4º – O referido Tte. Coronel residirá em Petrópolis e continuará as obras desde o ponto em que acaba a seção daquele Major para o porto da Estrela, e encontrar a parte da serra arrematada a Carlos Riviére, empregando neles os colonos solteiros, ou casados que de acordo com o Diretor da Colônia puderem sem inconvenientes, ser distraídos desde já de outra seção.

Art. 5º – O dito Coronel poderá empregar nos consertos da estrada em toda a sua extensão e na obra nova a seu cargo, até 80 braços escravos, quando absolutamente não os tenha livres.

Art. 6º – O Conselho Diretor regulará as obras de ambas as seções inclusive a ponte do Paraíba, de maneira tal que com eles se não gaste mais do que a quantia mensal de 16 contos, ficando cada um responsável pelo que na sua seção gastar mensalmente de mais daquilo que em conselho marcarem para cada uma de tais obras devendo submeter à aprovação do Governo Provincial qualquer deliberação que a tal respeito tomarem.

Palácio do Governo da Província do Rio de janeiro, 16 de 1bril de 1846. Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho”.

No ano seguinte Koeler apresentou ao Presidente “justas razões” no que foi atendido: “Artigo Único – Fica marcada ao mencionado Diretor a contar de 1º de janeiro de 1847, a gratificação anual de um conto e duzentos mil reis que será pago pela quantia dada para a sobredita Colônia.
Palácio da Província do Rio de Janeiro, 11 de dezembro de 1846”.

Justamente naquele anno de 1847, o Major Koeler faleceu no mês de Novembro em um acidente na sua Chácara da Presidência, em Petrópolis.

Em julho o Tte. Coronel Galdino foi encarregado do conserto e calafate geral na barca de passagem.