Em 12 de novembro de 1891, naquele período crítico da República recém nascida, que mediou entre o golpe desfechado por Deodoro da Fonseca contra o Congresso e a renúncia desse prócer republicano ao cargo de Presidente do Brasil, aqui em Petrópolis, Antonio Augusto de Souza Leite perguntava ao então Conselho de Intendência Municipal, chefiado por Ildefonso Carlos de Azevedo Dutra, se o mesmo havia permitido a canalização e desvio do curso natural das águas que corriam pelo vale existente no lugar denominado Costa Gama.

Por certo a turbulência política, a revolução que pôs termo ao governo Portela, em princípios de dezembro de 1891 e que varreria do cenário petropolitano a Intendência supra citada, impediram que ficasse registrada nos anais a resposta à consulta em boa hora levantada e que dava a entender que mãos clandestinas e criminosas haviam, a revelia do poder público, desviado as águas naturais que corriam pelo vale em apreço e, o que é pior, canalizando-as.

Esse tipo de infração já estava previsto no Código de Posturas da Vila da Estrela, aprovado provisoriamente pelo Presidente Aureliano Coutinho em 1º de fevereiro de 1847.

Dizia o artigo 52 desse diploma legal:

“Fica proibido fazer escavações nas margens dos rios, nos aterros e valas, fazer cortes de madeiras e tirar barro para olarias, ou para qualquer obra de forma que cause estagnações das águas; assim como estreitar os mesmos rios e valas com cercados, ou tapumes, fazer cortes nos rios ou mudar o curso de suas águas: o infrator será condenado em trinta mil reis de multa” . ( grifo meu )

É de se observar que Petrópolis, antes de ter o seu próprio código de posturas municipais, o que somente aconteceu em 1893, guiou-se pelo estatuto da Estrela, vila a qual pertenceu até 1857, quando a 29 de setembro deu-se a emancipação destes chãos serranos, criando-se o município e a cidade.

E mesmo depois desse grande evento, o Código de Posturas da mais tarde extinta vila da Estrela seguiu produzindo aqui seus devidos e legais efeitos, mesmo a despeito de serem votadas umas que outras posturas durante os trinta anos derradeiros da monarquia brasileira.

Também o Código de Posturas de Itaboraí, que veio a furo em 28 de janeiro de 1882, determinava no artigo 88:

“Estreitar, tapar, entulhar, ou desviar em todo ou em parte, valas públicas, rios, córregos, fontes de serventia pública, ou fazer sobre elas qualquer obra ou despejo que obste o livre curso, ou turve a pureza da água que for potável. Pena de 30$000 de multa”.

E o Código de Posturas de São João da Barra, de 28 de maio de 1881, estabelecia no artigo 114:

“Fazerem os possuidores das partes superiores dos córregos e ribeiros, que percorram terrenos de outros donos, com que se desviem de seu leito natural, sem que dentro de seus terrenos, os restituam ao mesmo leito, a fim de não prejudicar as servidões e obras dos moradores de baixo. Pena de 20$000 de multa e de restituir o córrego ao antigo leito, além do dano causado”.

Se outros códigos congêneres dos demais municípios fluminenses daquele época forem compulsados, por certo o leitor encontrará neles a mesma postura, variando tão somente o valor ou o tipo da pena.

Não obstante, as transgressões existiam e seguem existindo com mais intensidade e pouca coerção, porque incontestavelmente já fomos muito menos tolerantes no passado do que hoje e muitíssimo mais civilizados.

Outro crime ambiental que se praticava em toda parte e especialmente aqui era a matança de peixe a partir do uso do timbó ou do tinguí, mesmo apesar das expressas proibições constantes dos códigos de posturas dos municípios baianos, mineiros e fluminenses.

O timbó e o tinguí são plantas paulínias, cóculos e afins, cujo sumo posto na água misturado com um pouco de argila tem a propriedade de embebedar e matar peixes que o ingerem, sendo certo que o pescado não se torna imprestável ao consumo humano.

Em síntese: o sumo do timbó ou do tinguí é nocivo ao peixe, mas não faz mal ao homem.

Então perguntar-se-á, por que a proibição do uso de tais substâncias nas pescarias, já em meados do século XIX nos vários códigos de posturas compulsados ?

É incontestável que tanto o timbó, como o tinguí, que ao fim e ao cabo são quase sinônimos, como também a pita, foram largamente empregados pelos indígenas, máxime na área amazônica, onde o assunto já foi suficientemente estudado.

Mas essas substâncias são conhecidas em todo o Brasil, haja vista que em Santa Catarina há uma cidade chamada Timbó e o Rio de Janeiro conhece um rio que atende por Faria Timbó.

Na Bahia, houve uma estação ferroviária denominada Timbó, sabendo-se também que o Império do Brasil teve um titular chamado Barão do Timbó.

A preocupação dos códigos de posturas era, na verdade, com o caráter predatório desse tipo de pesca, pois, se o sistema facilitava a apanha de peixes grandes passíveis de serem consumidos pela população, também provocava a morte de peixes miúdos e dos filhotes daqueles comestíveis na época da reprodução.

Fica pois claro que os vários municípios brasileiros durante a monarquia, máxime nas províncias onde pude fulcrar minhas pesquisas, tinham uma preocupação ecológica e cuidavam da preservação da natureza respeitando tanto a fauna como a flora.

Na Bahia, usava-se o termo tinguí, nos códigos de posturas.

O artigo 63 da resolução de 7 de junho de 1870, que aprovou as posturas da então vila baiana de Santo Antonio da Barra, rezava o seguinte:

“Toda a pessoa que lançar tinguí ou qualquer veneno semelhante em rio corrente, fontes, lagoas, tanques, que infeccionando as águas, mate o peixe e prejudique outros animais, pagará 30$000 de condenação e 8 dias de prisão e o duplo, na reincidência, além de satisfazer o dano causado”.

No mesmo sentido elaborou a resolução de 11 de abril de 1877, quando apreciou as posturas da à época vila de Remanso do Pilão Arcado; uma outra de 28 de janeiro de 1882, sobre posturas da Câmara Municipal da Vila de Nossa Senhora da Conceição do Riachão do Jacuipe; outra mais de 10 de julho de 1883, sobre posturas da edilidade de Valença; outra ainda de 11 de agosto do mesmo ano, envolvendo o mesmo tema na Vila de Serrinha.

Na ex-província de Minas Gerais, os códigos de posturas dos municípios de Caldas, Itajubá, Mariana, Ouro Preto, Serro, Januária, etc., determinavam aí pelos artigos 75 a 82:

“É proibido: matar peixe com veneno”.

Onde está escrito veneno, leiam-se: timbó, tinguí, pita, até tabaco.

Numa demonstração eloqüente do lado saudável do unitarismo da monarquia brasileira, também os códigos de posturas dos municípios fluminenses condenavam o uso do “veneno” na apanha dos peixes encontradiços nos cursos d’água, fontes e tanques, empregando-se em tais casos o termo timbó.

Vamos a alguns exemplos:

A postura nº 63 do código de São João da Barra, de 28 de maio de 1881, determinava:

“Empregar na pesca dinamite, pita, timbó, ou qualquer outra substância explosiva ou venenosa. – Pena de 30$000 de multa e oito dias de prisão, elevados ao dobro na reincidência. Sendo escravo sofrerá ele a prisão e o dono a multa”.

O artigo 62 do Código de Posturas de Itaboraí, datado de 28 de janeiro de 1882, era taxativo:

“Pescar em qualquer rio ou lagoa com timbó, pita ou outra substância venenosa. – Pena de oito dias de prisão e 20$000 de multa”.

E o projeto de posturas da extinta Vila da Estrela, cuja execução provisória foi autorizada por Aureliano Coutinho em 1º de fevereiro de 1847, fixava no artigo 6º:

“Na pena do artigo antecedente ( dez mil réis de multa ), incorrerá aquele que para matar peixe botar timbó nos rios, córregos e riachos e mesmo em lagoas que com eles comunicam”.

Como esse código vigorou aqui em Petrópolis durante largo período, tem-se que a proibição do uso do timbó e outras substâncias tóxicas que matassem os peixes também tinha que produzir aqui seus devidos e legais efeitos.

Entretanto, sabe-se por notícias diversas e por depoimentos insuspeitos que, apesar das determinações legais, sempre se empregou nos cursos d’água serranos a rotenona, que é o princípio ativo do timbó e seus afins.

Fosse somente essa a transgressão a uma norma tão defendida Brasil afora, ainda quem sabe seria tolerável, aos olhos dos viventes de hoje, tão agredidos pela barbárie em que nos metemos. Porém, desgraças maiores haveriam de se abater sobre os rios petropolitanos, sempre ao arrepio de todas as legislações passadas e presentes.

Como nunca tivemos, nem na monarquia nem na república, não obstante tantos projetos e esforços, um serviço de esgoto tecnicamente implantado, o Piabanha como seus tributários, viraram desaguadouros de águas servidas e matérias fecais, advindo desse descalabro a morte lenta e paulatina não só do nosso sistema hidrográfico, mas também da fauna nele existente. Ao esgoto, soma-se o lixo e a ambos as descargas industriais, sem qualquer tratamento.

Vira e mexe e aquele líquido pegajoso e fedorento que corre nas calhas acanalhadas do Quitandinha, do Palatino, do Piabanha, do Itamarati, aparece tisnado de azul, encarnado, lilás, elementos químicos que escapam das fábricas na vã tentativa de colorir as águas mortas, poluindo-as sempre e cada vez mais.

Antes o timbó, o tinguí, a pita, o tabaco, tantas vezes condenados pela legislação municipal do Império. Apesar dos pesares e de todas as transgressões eram menos nocivos ao meio ambiente que os dejetos humanos, que o chorume, que os resíduos industriais.