Lendo o artigo Yes! Não temos memória? do prof. Oazinguito Ferreira, publicado domingo 15 de abril último, não pude deixar de mais uma vez voltar a um assunto que tem sido objeto de minhas preocupações e também de luta – a defesa do patrimônio cultural da nossa cidade, especialmente o seu patrimônio documental. Para citar São Paulo, em 1987, a técnica da Fundação do Desenvolvimento Administrativo do Estado de São Paulo, Rose Marie Inojosa, no seu artigo Um plano de mudanças para a área de administração documental já nos falava que “na área de administração documental é necessário ter toda a paciência de quem compreende o ritmo dos movimentos culturais e não deixar de lançar as sementes”.

O patrimônio cultural envolve questões bem complexas e nos leva a refletir sobre alguns conceitos como memória, cidadania, informação, modernidade, preservação e tantos outros.

A criação de museus, de arquivos, de centros culturais é importante, mas para que isso dê realmente resultados é necessário que a ação não se restrinja apenas a guarda ou apropriação destes acervos, mas sim contribuir para dar sustentação às diversas atividades e manifestações culturais da cidade sem interferir na sua dinâmica, oferecendo assessoramento técnico necessário à preservação de suas próprias referências culturais. Senão estaremos enfrentando as dificuldades de sempre como a convivência entre o “antigo” e o “novo”. As idéias de progresso e modernidade têm levado a uma sistemática destruição das marcas do passado. “No antigo reside uma importante parcela da memória social e da identidade cultural dos habitantes da cidade, mas desconsiderar a questão do patrimônio histórico-ambiental urbano é exilar o cidadão, alijá-lo do seu próprio meio”.

O Brasil possui, em nível constitucional, legislação específica de proteção de bens culturais desde 1937 e a cidade possui instituições municipais de preservação. Mas isto não basta, nenhuma mudança se efetiva apenas por decreto, embora o instrumento legal seja um meio para a sua viabilização, como é o caso do nosso ARQUIVO PÚBLICO criado pelo decreto nº 198, de 7 de janeiro de 1977. O PRIMEIRO do Estado do Rio de Janeiro.

Nos últimos anos, um pequeno grupo de profissionais tem falado do valor deste acervo tanto para a história como para o desenvolvimento sócio-cultural da cidade, mas infelizmente não se conseguiu até agora despertar o interesse do governo municipal. Os documentos são fundamentais tanto para as comunicações administrativas, como para a memória do poder público, espelho, afinal, do que ele fez ou deixou de fazer pela cidade.

Será que o desinteresse dos administradores se dá pela desinformação ou justamente por reconhecerem o poder da informação? Ora, a fragmentação ou mesmo a inexistência de informações acessíveis priva os cidadãos não só de comprovarem seus direitos, mas de formularem uma visão crítica em relação aos governantes.

A democratização da informação é uma exigência e uma necessidade. É direito do cidadão ter acesso às ações do poder público e é dever desse poder garantir a toda sociedade o acesso às informações relativas a sua administração, de modo a se construir uma interação dinâmica entre governantes e governados.

Mas para não parecer utopia, gostaria de lembrar que algumas instituições têm-se preocupado em resgatar conjuntos documentais que foram armazenados por militantes ou grupos e movimentos no passado, como é o caso do Arquivo Edgard Leuenroth – UNICAMP, originário de um acervo deste tipo, passou a recolher documentos em diferentes suportes relacionados, sobretudo, à história do movimento operário no Brasil, até constituir-se em um dos mais importantes arquivos sobre o tema na América Latina.

Isto me leva a alguns questionamentos: O que se tem do movimento operário petropolitano? E a nossa documentação cartorária? E a documentação do Arquivo da 67ª Delegacia de Petrópolis? Apenas desta última tenho notícias. Em 1983, o Museu Imperial acolheu o acervo oferecido pelo delegado da época, reconhecendo com isto a sua importância histórica e a necessidade de sua preservação. O Museu Imperial, em 1985, contratou uma equipe que fez um trabalho de higienização mecânica e de identificação geral dos documentos. Tratando-se de um acervo bastante volumoso e contando com uma equipe bastante reduzida e com a escassez de verba, o Museu Imperial ainda não pode organizar sistematicamente este fundo, mas já tem feito algumas tentativas de buscar parceiros para esta iniciativa.

Mas, voltando ao Arquivo Público, espero que neste novo milênio possamos vê-lo ocupando o seu verdadeiro status na Administração Pública, estabelecendo a ligação direta entre o chamado “Arquivo Histórico” (subordinado à Secretaria de Educação) e o “Arquivo Administrativo” (subordinado à Secretaria de Administração). A historiógrafa Viviane Tessitore, em seu artigo Novas conquistas, velhos problemas: um panorama dos Arquivos Públicos Brasileiros nos lembra “que Arquivo não é coincidente com memória, não é seu sinônimo; fornece, isso sim, subsídios para a sua construção e reconstrução nos vários tempos da vida social. O arquivo registra as ações no momento em que ocorreram, registro marcado, evidentemente, pelo contexto que foi produzido; a memória reelabora continuamente o passado a partir das experiências presentes”.