A PONTE DA SERRARIA

Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima

No começo era o caos. A travessia dos rios fazia-se em canoas, em pinguelas que nem de longe lembravam as pontes, depois nas famosas barcas de passagem.

Exceções havia, é lógico: em Pernambuco, mais especificamente no Recife, as pontes chegaram com os holandeses; em São João del Rei, Minas Gerais, tais obras de arte, em pedra e cobrindo o estreito curso d’água chamado Lenheiro, vieram com o esplendor da mineração no século XVIII, a centúria mineira por excelência.

Depois do verdadeiro descobrimento do Brasil, isto é, da chegada da Família Real ao Rio de Janeiro, onde permaneceu por treze anos, teve início o ciclo das pontes com superestrutura e soalho de madeira, que em breve tempo começaram a sofrer o assédio daquelas com superestruturas metálicas, que se firmaram e se disseminaram já no fim do século XIX, e, princípios deste que está por findar-se, até que reinasse o tempo das pontes e viadutos de concreto, cada vez mais sofisticados.

Tal a resenha histórica das nossas pontes, tão úteis na travessia dos incontáveis cursos d’água que cruzam nas mais diversas direções essa interminável vastidão brasileira.

Bem elucidativo é o decreto de 20 de fevereiro de 1818, que tratando de uma das principais vias de comunicação da capital do Brasil – Reino com a Província de Minas Gerais e adjacências, consignou nas consideranda:

“Constando na minha real presença os incômodos que sofrem os viajantes na passagem dos rios Paraíba e Paraibuna, sendo esta feita em barcas ou canoas, principalmente no tempo das cheias destes rios, e querendo facilitar e promover as recíprocas comunicações dos meus vassalos para bem do comércio e agricultura, que não podem prosperar no interior deste vasto Reino sem que se ponham em bom estado as estradas e se construam pontes nos rios que as separam…”

Era o governo de D. João VI sensível aos problemas que afligiam o Caminho das Minas Gerais pelos futuros chãos de Petrópolis, então pertencentes às freguesias de Inhomirim e de São José da Serra (depois do Rio Preto). E dessa preocupação, mormente no que concernia ao cruzamento dos rios Paraíba e Paraibuna, nasceu o decreto em epígrafe, que determinava:

“Sou servido ordenar que o produto do imposto que até agora se tem cobrado para a obra da Serra da Estrela, oferecido pelos que, da Capitania de Minas Gerais têm de vir a esta Província, do Rio de Janeiro, seja aplicado para a despesa da construção das pontes nos rios Paraíba e Paraibuna e para o melhoramento da estrada que pela Serra da Estrela se dirige aos ditos rios em toda a extensão do distrito desta Província do Rio de Janeiro, até se comunicar a nova estrada que for necessário fazer com a antiga, ainda que esse encontro se efetue no distrito de Capitania de Minas Gerais”.

Estavam, portanto, nesse decreto de 20 de fevereiro de 1818, as origens da Estrada União e Indústria, de que a Normal da Estrela era parte integrante e das pontes sobre os rios Paraíba e Paraibuna.

Em 5 de junho de 1818, baixaram sob o nº 13 as instruções para a execução das obras mencionadas no decreto de 20 de fevereiro daquele ano.

No concernente às pontes projetadas, observavam tais instruções que elas deveriam ter pilares de pedra, para que ficassem seguras e cômodas para a passagem de transeuntes e cargas.

No que tange à ponte sobre o rio Paraíba, sabe-se que aquilo foi uma verdadeira obra de igreja, projetada para ser de madeira, optando-se depois pela superestrutura metálica. Levou muitos anos para se tornar realidade e quando veio a furo, já havia perdido a sua função precípua que era a de servir à Estrada União e Indústria, cujo curso, sofre violenta guinada, deixando o rumo de Fagundes, Cebolas, Encruzilhada e Paraíba do Sul, para transpor o Taquaril, cruzando o rio Paraíba nas Três Barras, hoje cidade de Três Rios.

Já a ponte sobre o Paraibuna, construída de madeira, teve melhor sorte, pela materialização mais rápida do projeto. Mas sofreria enormemente durante a revolução liberal de 1842, quando foi queimada. Mais tarde, a Companhia União e Indústria recomporia satisfatoriamente esse quadro.

E a mesma Companhia haveria de construir também sobre o Paraibuna, no lugar chamado Serraria (hoje sede do município fluminense de Levy Gasparian), ponte de madeira de caráter interprovincial, para facilitar a comunicação da nova estrada com o rico distrito cafeeiro da zona da Mata mineira, através da Ericeira, de Santana do Deserto, São Pedro do Pequiri, Mar de Espanha, Santo Antônio do Aventureiro e Angostura.

Tal ponte apresentava-se em péssimo estado de conservação, ameaçando completa ruína, quando o Governo do Estado do Rio de Janeiro, sob a presidência de Alberto Torres, com a promessa da ajuda do governo de Minas Gerais, resolveu tomar a peito a substituição daquela obra de arte decadente, por uma outra de superestrutura metálica.

Hermogênio Pereira da Silva, Secretário das Obras Públicas de Alberto Torres, no seu relatório de 1898, falava sobre o assunto.

Informava ele que a lei nº 356 de 15 de dezembro de 1897, autorizava o Governo do Estado a por-se de acordo com o de Minas, para a construção da ponte da Serraria, com superestrutura metálica, tendo sido aberto o crédito necessário.

Em 28 de maio de 1898 foi apresentado o orçamento da obra no valor de 37:169$000 (cerca de trinta e sete contos de reis), estando incluídos neste preço, o assentamento da superestrutura e o das colunas de apoio, somando-se mais 24:511$000 para a aquisição dos quatro cavaletes indispensáveis.

Enfim, o custo total da ponte ficou orçado em 130 contos de reis.

A execução dessa obra de arte sobre o Paraibuna fazia parte de um projeto de largo espectro encetado pelo Estado do Rio de Janeiro, nos anos 90 do século passado, para a substituição paulatina das pesadas e pouco duráveis pontes de madeira, por similares metálicas, importadas da Bélgica, do sistema desmontável americano, o que facilitava o transporte pelos difíceis caminhos do Estado e adjacências.

Cogitava o Secretário de Obras de colocar um aparelho de dilatação em um dos encontros da ponte e nos cavaletes, além de uma chapa de amarração na outra margem, para cada treliça, para que a obra suportasse as variações térmicas e igrométricas tão presentes em nosso território flu-mineiro.

E arrematava Hermogênio Pereira da Silva no seu mencionado Relatório:
“Já estão dadas as providências para a execução das obras necessárias, e, dentro de poucos meses, surgirá dos velhos encontros da ponte de madeira da Serraria, uma elegante superestrutura de aço, a sustentar um estrado de concreto de 3,60m de largura, livre, para uso e gozo dos povos dos dois Estados limítrofes”.

Com efeito, as obras andaram céleres e, no dia 12 de fevereiro de 1899, portanto há cem anos, a nova ponte foi entregue ao trânsito público, bem ao estilo de Hermogênio Pereira da Silva, avesso a inaugurações retumbantes, pois achava e com razão, que entregar obras não era mais que obrigação do administrador.

A Gazeta de Petrópolis, à qual nada escapava, registrou o fato da entrega da ponte da Serraria, em sua edição de 21 de fevereiro de 1899. Vale a matéria pelas especificações técnicas que ela contém.

“A ponte tinha vãos parciais com o comprimento máximo de 21 metros entre os pontos de apoio.”

As treliças formadas de triângulos de 3,00m de base ligados dois a dois, invertidamente, permitiam a formação de lanços iguais mediante a amarração das mesas dos TT, por meio de chapas de junção atracadas e de parafusos de porcas e contraporcas.

O estrado da ponte constava de uma camada contínua de concreto sobre chapas de aço onduladas e galvanizadas de 4mm de espessura, ligadas por meio de parafusos ao quadro das longarinas e dormentes de amarração das duas treliças.

A peça mais pesada do travejamento não excedia 214 kgs o que facilitava imensamente o transporte, ainda que fosse pelos caminhos mais deficientes.

Sólidos encontros de alvenaria suportavam os extremos da superestrutura, cujo comprimento, incluindo as peças de cabeceira, era de 94,20m.

As colunas foram cravadas a 3 metros de profundidade, ficando os cavaletes com cerca de 14 metros, inclusive a parte superior ao álveo do rio.

A superestrutura pesava cerca de 70 toneladas e os cavaletes 30.

Toda a ferragem era de aço doce, Martin Siemens, de primeira qualidade, tendo sido fabricada pela Societé Anonyme des Atéliers de Constructions, Forges et Aciéries de Bruges, na Bélgica, representada no Brasil pelo engenheiro J. de Jaegher.

O serviço do assentamento das ferragens e da execução das obras auxiliares foi feito pelo engenheiro Domingos Rodrigues Cordeiro Junior, sob a fiscalização do engenheiro Aurélio Lopes Domingues, tudo supervisionado pela seção técnica da Secretaria de Obras do Estado do Rio de Janeiro.”