SURUÍ, A FAMÍLIA PROENÇA E PETRÓPOLIS

Jeronymo Ferreira Alves Netto, Associado Titular, Cadeira n.º 15 – Patrono Frei Estanislau Schaette

A região serrana, onde se situa hoje a cidade de Petrópolis, começou a ser povoada a partir do século XVIII, em conseqüência da necessidade de se estabelecer uma ligação direta, entre Rio de Janeiro e Minas Gerais.

Neste sentido, a abertura da Variante ou Atalho do Caminho Novo foi o ponto de partida para a concessão de inúmeras sesmarias na região, as quais não tardaram a se fragmentar em prósperas fazendas, espalhadas pelo território que constitui o atual Município de Petrópolis.

Cumpre ressaltar que quem pretender reconstituir os primórdios de nossa história regional terá, necessariamente, que recorrer às pesquisas realizadas por Frei Estanislau Schaette na Baixada Fluminense, de Caxias até Magé. Sacerdote exemplar, pregador e conferencista de grandes méritos, missionário, educador e historiador, Frei Estanislau era natural de Elberfeld, Renânia do Norte, Alemanha, tendo chegado a Petrópolis em 1897, onde concluiu seus estudos no recém-instalado Convento do Sagrado Coração de Jesus.

Ordenado sacerdote a 23 de dezembro de 1902 foi logo nomeado professor da Escola Gratuita São José, imprimindo uma sólida orientação pedagógica à mesma.

Em 1907, foi enviado ao sul do país, onde exerceu os cargos de Mestre dos Noviços, em Rodeio (SC), Definidor da Província e Diretor de uma Escola Normal para professores católicos em Blumenau, retornando a Petrópolis em 1930, onde continuou a dedicar-se ao magistério, desenvolvendo paralelamente intensa atividade pastoral nas paróquias da Baixada Fluminense.

Possuidor de memória prodigiosa, grande pesquisador de arquivos, colecionador de documentos, era um historiador nato.

Assim, desbravando arquivos, fonte única da verdadeira ciência-histórica, à procura de documentos, que ele soube explorar, comentar e divulgar, imprimiu, é justo que se reconheça, novos rumos à pesquisa histórica em Petrópolis.

Em suas longas caminhadas pela Baixada Fluminense, no exercício de seu múnus sacerdotal, conseguiu reunir documentos que comprovam a presença de inúmeras famílias procedentes da Baixada Fluminense, sobretudo de Suruí, na ocupação do solo petropolitano, nos primórdios de sua história.

Um dos primeiros sesmeiros do Suruí, segundo nos informa Frei Estanislau, foi Nicolau Baldim que construiu na colina de Goia a primeira Capela de São Nicolau, provisionada, isto é, autorizada pela autoridade eclesiástica para celebração do culto público e dos sacramentos, em 1628.

Em 1695, Felix Magalhães de Proença, levantou na colina da atual matriz, a nova igreja, a qual foi elevada a paróquia, em 11 de janeiro de 1755.

Felix de Magalhães Proença, natural da Freguesia de São Pedro no bispado da Guarda, em Portugal, era casado com D. Águeda Gomes de Perada, nascida em Macacu, na província do Rio de Janeiro.

O casal adquiriu a fazenda dos herdeiros do falecido Nicolau Baldim, vindo a residir no Suruí.

Felix e Águeda tiveram dez filhos. O mais velho Bernardo Soares de Proença, o segundo Nicolau Viegas de Proença, e uma de suas filhas Águeda Gomes, casada com o capitão Francisco Fagundes do Amaral, figuram entre os primeiros ocupantes do solo petropolitano.

Bernardo Soares de Proença, nascido na Freguesia de São Pedro, no bispado da Guarda, em Portugal, residiu durante algum tempo no Rio de Janeiro, onde constituiu família, casando-se com D. Isabel de Azevedo Coutinho, com quem teve três filhos: Inácio e Antônio de Proença Coutinho e uma filha Maria de Azevedo Coutinho.
Bernardo escolheu a carreira militar, servindo por mais de vinte e dois anos nos postos de sargento, capitão, sargento-mór e tenente coronel, “sendo promovido a coronel de um dos Regimentos de Infantaria Auxiliar, composto de dez Companhias no distrito do Recôncavo” (1).

(1) Carta Régia de 9 de junho de 1734.

A intensificação do trânsito no Caminho Novo, aberto pelo intrépido Garcia Rodrigues Pais, segundo informa Henrique José Rabaço, “reclamava um roteiro mais seguro e cômodo a fim de evitar as escarpas íngremes e a travessia dos rios, impraticáveis em tempos chuvosos e onde ocorriam freqüentes perdas de animais tropeiros” (2).

(2) RABAÇO, Henrique José. História de Petrópolis. Petrópolis, Instituto Histórico de Petrópolis, 1985, p. 3.

Bernardo Soares de Proença ofereceu-se para traçar e abrir o Atalho do Caminho Novo a sua custa, sacrificando nesta obra parte de sua fortuna e a saúde pessoal para o resto da vida.

O Atalho do Caminho Novo, concluído em 1725, encurtou consideravelmente a viagem Rio-Minas e foi, sem dúvida, o principal fator do desenvolvimento de nossa região serrana.

Bernardo Soares de Proença requereu ao governo, a 11 de novembro de 1721, uma sesmaria de terras devolutas, fazendo testada com a serra do Frade, correndo também na largura a testada para a serra da Taucaia Grande. O requerimento “foi deferido em Lisboa a 30 de julho de 1723 e recebeu o cumpra-se a 25 de março de 1725, no Rio de Janeiro” (3).

(3) Arquivo Público Nacional, Livro de Ordens Régias, nº 1, fl. 138.

Mais ou menos na mesma época, a 18 de maio de 1725, requereu outra sesmaria na Baixada, entre Suruí, Inhomerim e Pacopaíba, e a legou a seu filho Inácio, fazendo seu filho mais velho, Antônio, herdeiro do futuro solo petropolitano, no Itamarati.

Bernardo Soares de Proença faleceu, aos 10 dias do mês de julho de 1735, e foi sepultado na Freguesia de São Nicolau do Suruí, com todos os sacramentos, repousando seus restos mortais no interior da Igreja, segundo informa o Padre Custódio Leite, então vigário de Suruí, no termo de óbito.

Nicolau Viegas de Proença, irmão de Bernardo, figura também como um dos primeiros ocupantes do solo petropolitano, na região denominada Fagundes e o Capitão Francisco Fagundes do Amaral, casado com Águeda Gomes, irmã de Bernardo, a 02 de maio de 1723, requereu e obteve a concessão de uma légua de terras em quadra, na região que lhe tomou o nome – Fagundes, entre as terras do Secretário e de Cebolas.

A fazenda do Itamarati foi deixada em testamento por Bernardo Soares de Proença a seu filho mais velho, Antônio de Proença Coutinho Bittencourt.

Em novembro de 1747, Antônio contraiu matrimônio com D. Isabel de Azevedo Coutinho, na Matriz do Suruí, sendo os noivos, segundo nos informa Schaete, “dispensados do impedimento em 2º grau de consangüinidade por Breve Apostólico. O casamento foi celebrado por Frei Francisco de Santa Maria Quintanilha, primo dos noivos, membro de destaque da Ordem do Monte Carmelo, doutor em Teologia, e por três vezes eleito Provincial dos Carmelitas” (4).

(4) SCHAETTE, Estanislau Frei. Pré-História de Petrópolis. Petrópolis, 1953.

Antônio de Proença dirigiu os destinos da fazenda de 1735 a 1752, e defendeu a obra do pai com grande energia, fato que é comprovado quando os moradores do antigo Caminho de Minas, fizeram um requerimento, solicitando que fosse fechado o Atalho do Caminho Novo, ficando unicamente legalizado o caminho por Pilar e Pati do Alferes.

Na oportunidade, Antônio de Proença elaborou uma cuidadosa e esclarecedora réplica, apoiada por numerosos tropeiros mineiros e fluminenses, encerrando aquela pretensão e construindo, em favor dos tropeiros, “uma vivenda… com um paiol e árvores, num dos extremos de sua propriedade” (5).

(5) SCHAETTE, Estanislau Frei. Pré-História de Petrópolis. Petrópolis, 1953.

Foi também Antônio de Proença quem aconselhou ao Capitão Francisco Moniz de Albuquerque, proprietário da Fazenda de São Tiago, na Baixada, a requerer a sesmaria limítrofe ao Itamarati, onde surgiu a Fazenda da Samambaia.

A 24 de julho de 1752, Antônio de Proença fez o seu testamento, nomeando seu filho Antônio, herdeiro, e sua mãe, tutora, e veio a falecer no dia 25 de novembro do mesmo ano, sendo sepultado na igreja paroquial de São Nicolau do Suruí, conforme consta do Livro de Óbitos e Testamentos de Suruí, fl. 68.

Outra importante família residente no Suruí foi a de Manoel da Costa Bravo, amigo de Luiz Peixoto da Silva, proprietário no Rio da Cidade e de Bernardo Soares de Proença, o que explica sua presença, por diversas vezes nas propriedades pertencentes aos dois, entrando assim em relação com os habitantes de “serra acima”.

Manoel da Costa Bravo era natural de Mamede da Monção, arcebispado de Braga, em Portugal. Emigrou para o Brasil e veio a residir no Suruí onde se casou com D. Tereza de Jesus, filha de André Dias e Maria da Silva, ambos moradores da mesma localidade.

A família teve numerosa prole, nove filhos, entre os quais D. Catarina Josefa, batizada a 22 de dezembro de 1742, que mais tarde se tornaria proprietária da Fazenda do Córrego Seco, em território petropolitano, após a morte de seu marido Manoel Vieira Afonso.

Manoel Vieira Afonso, era natural a ilha de São Miguel, Portugal e, emigrando para o Brasil, adquiriu uma propriedade na sede da paróquia do Inhomirim, onde se dedicou à agricultura e ao comércio, casando-se a 19 de junho de 1756, com D. Catarina Josefa, na igreja paroquial do Suruí. Nesta mesma igreja foi batizado o primeiro filho do casal, Felizardo, tendo os avós maternos como padrinhos.

Em 1759, o casal comprou uma fazenda no Sardoal, no atual 4º distrito de Petrópolis, a qual ficou conhecida como Fazenda dos Vieiras, adquirindo alguns anos mais tarde a Fazenda do Córrego Seco, que correspondia a ¼ da sesmaria de Bernardo Soares de Proença.

A família continuou residindo no Sardoal, mas a propriedade do Córrego Seco, segundo nos informa Schaette, “não ficou abandonada, pois nela funcionava um negócio e havia ranchos em favor dos tropeiros” (6).

(6) SCHAETTE, Estanislau Frei. Pré-História de Petrópolis. Petrópolis, 1953.

Anos mais tarde, o casal criou uma bela vivenda de descanso no Córrego Seco e, a 07 de abril de 1806, inaugurou a Capela de Sant’Ana, para comemorar suas bodas de ouro.

D. Catarina Josefa faleceu a 25 de junho de 1825, deixando a Fazenda do Córrego Seco a seus sete filhos.

As terras da fazenda eram “frias, úmidas e improdutivas…”, por isto foi comprada aos herdeiros por um dos irmãos, o Sargento-Mór José Vieira Afonso, abastado fazendeiro nas vizinhanças de Areal e Bemposta, por 200 mil réis.

A 06 de fevereiro de 1830, José Vieira Afonso vendeu a referida fazenda ao Imperador D. Pedro I, pela quantia de 20 contos de réis. D. Pedro I pensava construir nela uma Palácio de Verão, o que acabou não acontecendo, devido aos acontecimentos políticos que culminaram com a abdicação do imperador, em 1831.

Com a morte de D. Pedro I, em Portugal, em 1834, a fazenda coube por herança a seu filho D. Pedro de Alcântara, futuro imperador, mas foi incluída numa série de propriedades a serem vendidas para pagar as dívidas pessoais de D. Pedro I.

Os protestos do Marquês de Itanhaen, tutor de D. Pedro de Alcântara, levaram o Marquês de Paraná, Honório Hermeto Carneiro Leão a propor uma emenda no orçamento do Império, pela qual o governo cobria com 14 contos de réis a hipoteca da fazenda, continuando esta a ser propriedade do príncipe D. Pedro.

Em 16 de março de 1843, o Imperador D. Pedro II e o Major Júlio Frederico Koeler celebraram um ajuste para o levantamento de uma povoação na Fazenda do Córrego Seco, onde deveria também ser edificado um Palácio Imperial de Veraneio. Petrópolis, a nova povoação, tomou rápido impulso com a chegada, a partir de 29 de junho de 1845, de colonos alemães.

Petrópolis progrediu tão rapidamente como povoação que, a 29 de setembro de 1857, foi elevada à categoria de cidade, desmembrada da Vila da Estrela passando a possuir sua Câmara Municipal, Fórum, enfim todos os privilégios concedidos aos municípios, depois de 17 de junho de 1859.

Concluindo, formulamos os mais ardentes votos para que Suruí e Petrópolis sigam os seus caminhos de grandeza, trilhando a senda do progresso, sempre sob as bênçãos de São Nicolau e S. Pedro de Alcântara, seus padroeiros, que hão de sempre velar pelos seus destinos.