EXPRESSO MAZOMBO-ABSTRATO

Julio Ambrozio, ex-Associado Titular, Cadeira n.º 30, Patrono – Monsenhor Francisco de Castro Abreu Bacelar

Edmundo Jorge, hoje, é o decano da cultura e das artes plásticas da cidade de Petrópolis. Edmundo não apenas continua sendo um grande artista, mas permanece também como um dos grandes quadros intelectuais que a cidade, mesmo sendo como ela é, conseguiu gerar. Precisamente, Edmundo Jorge é o mais idoso representante daquilo que de melhor se produziu e se produz na vida cultural da serrania petropolitana e brasileira. A cidade deveria se orgulhar. Bastava As Memórias da Rua Paulino Afonso, Machado Horta ed., RJ, 1985, e esse decano mereceria uma herma ou quiçá estudo crítico levado a cabo pelo Departamento de Letras da UCP – a Universidade que fixou cinqüenta e cinco anos de presença petropolitana. Acerca da UCP e da Universidade Pública, aliás, encontra-se neste sítio eletrônico um artigo de minha autoria. Edmundo, dizia, mereceria toda a honra da cidade por essa memorialística e, igualmente, pelos seus outros livros e pela sua obra plástica.

Como artista plástico, formou-se Edmundo no turbilhão modernizador dos anos cinqüenta no Brasil, fazendo parte das vanguardas urbanas que incorporaram o abstrato, se bem que já nessa década revelasse algum incômodo com o Concretismo. Sobre a A Arte de Edmundo Jorge, o leitor interessado também encontrará artigo assinado por mim neste sítio eletrônico.

Como artista plástico, ademais, foi Edmundo Jorge o direto responsável pela I Exposição Nacional de Arte Abstrata, sediada em Petrópolis, em fevereiro de 1953. Claro, na década de cinqüenta, a cidade guardava ainda o caráter de subúrbio elegante da elite brasileira, cariz que, sem dúvida, Jorge bem soube compreender. Mas, repare leitor, foi um provinciano e não um metropolitano o idealizador e organizador direto de marco histórico das artes no Brasil. Se a Semana de Arte Moderna de 1922 liga-se à cidade de São Paulo, essa primeira exposição do Abstracionismo, no Brasil, tem as montanhas petropolitanas como demarcação geográfico-cultural, não obstante a importância da 2ª Bienal paulistana, pois esta não foi exclusivamente Abstrata.

Diga-se a propósito, que não se trata aqui da condenação do Abstracionismo, embora não seja difícil observar que Juscelino Kubitschek viveria demasiadamente no inconsciente dos (artistas) abstratos, e talvez o Trabalhismo e Getúlio Vargas fornecessem algum antídoto contra o decorativo que tomou conta de mais de um deles. Quereria demonstrar, contudo, que o abstrato sistematicamente exposto na Plataforma Contemporânea, pertencente ao Museu Imperial – Instituição Pública Federal -, parece servir como instrumento de prestígio e arrogância do forâneo contra o autóctone. Uma antiga geografia e história petropolitana- brasileira.

Prestar-se-iam os dois primeiros parágrafos, pois, como fundamentos ao léu para uma precisa indagação: – O Museu Imperial, melhor, a Plataforma Contemporânea vive no mundo ou na região? Após a mostra Expresso Abstrato, FUNARTE / Museu Imperial, 13/03 – 12/06/2005, eu mesmo posso responder: – O mais qualificado espaço de artes plásticas de Petrópolis vive no mundo, vale dizer, na metrópole. O diabo é que o mundo existe apenas como conceito.

É de arromba! Parede em branco aceita tudo: o programa de artes visuais, parceria FUNARTE – Museu Imperial, escreve que o seu objetivo é “…difundir e documentar a produção artística nacional…que busquem oferecer aos visitantes a oportunidade de refletir sobre a diversidade artística contemporânea.”

O que se passa, de fato, é que a seqüência de mostras, tituladas com metáforas geográfica-rodoviárias, segue por paragens afastadas de Petrópolis. Tudo existiria como se a Plataforma Contemporânea fosse uma espécie de motor de transmissão do circuíto metropolitano de artes plásticas. Caberia ao petropolitano apenas a visitação. O prestígio abstrato dessa sala deve ser mantido como sinônimo de metrópole. É o estatuto colonial introjetado: da mesma forma que a elite brasileira dá cotidianos exemplos de mazombice, a Plataforma Contemporânea exerce seu desconforto com a província ao privilegiar sobretudo o abstrato de artistas alheios à cidade petropolitana, pois a simples residência ou trânsito eventual não realiza história na serrania de Petrópolis. Se bem que, na curta trajetória dessa Plataforma, algumas obras expostas investigaram esta cidade.

Tal como a editora Vozes, que, apesar da mais-valia, não publica os saberes escritos serranos, a UCP que não consegue ou não deseja gerar estudos críticos acerca do conjunto de textos petropolitanos, desse modo, dificultando a realização de um padrão médio na produção da escrita petropolitana; semelhante às sucessivas administrações municipais, que não dão atenção aos vocábulos Cultura/Formação, a Plataforma Contemporânea passa distante do papel pedagógico e orientador que deveria e poderia exercer junto à produção plástica da cidade. Cumprir esse papel, evidentemente, obrigaria a Plataforma incluir, com mais largueza, o figurativo.

É paradigmático o tratamento que Edmundo Jorge recebe neste Expresso Abstrato. O texto dos organizadores avisava que a mostra não remontaria fielmente a I Exposição Abstrata petropolitana-brasileira. Claro, Expresso Abstrato não configura preocupação histórica e diálogo com Petrópolis mas, utilizando-se da I Exposição de maneira subliminar, é arranjo plástico cujo papel legitima e justifica – para a província petropolitana – a Plataforma Contemporânea como anexo metropolitano do Abstracionismo. Já Conexão Petrópolis, antiga mostra, foi exemplar diálogo entre pares não provincianos; ou seja, não conectou coisa alguma, pois o decano serrano do abstrato estava ausente.

É de se notar, sob esse aspecto, que os curadores desta viagem, sem parada na província, apenas superficialmente poderiam não saber ou não desejar saber o que fazer com Edmundo Jorge, quase ia dizendo, com a cidade de Petrópolis; pois a presença de Edmundo neste Expresso Abstrato estaria equacionada: artista e obra, definitivamente, vergariam os olhos e o espírito do petropolitano ante estrangeira estação de prestígio – uma parada a mais no roteiro plástico de alguns artistas. Por exemplo: sendo uma citação na parede apud do crítico Frederico de Moraes, reproduzindo Edmundo, existe uma moldura: – Citado por Moraes! Edmundo Jorge poderia estar inteiro e livre, pois não se deve esquecer que, além de artista, é intelectual capaz de argumentação crítica e autônoma. Condição, aliás, que a maioria quase absoluta de seus colegas da Exposição de 1953 não alcançou. A curadoria não teve interesse em buscar “In Memoriam, subsídios para a História da I Exposição Nacional de Arte Abstrata”, in Guima e o Degelo, Machado Horta editora, RJ,1986.

Embora Expresso Abstrato, em confronto com o conjunto exposto, de Edmundo mostre o número maior de trabalhos, esses não guardam ali diferenças referentes à posição dos outros artistas da mostra. Exatamente, não exibem a distância ou o específico matiz do artista Jorge e da cidade na constituição da I Exposição Nacional de Arte Abstrata. Da maneira que está, pode ser enxergada esta Primeira Exposição como algo geograficamente acidental: calhou de ser em Petrópolis, poderia ter sido em São José dos Ausentes ou Muriaé. A importância da vontade e do trabalho de Edmundo Jorge e o papel que cumpriu a cidade em acolher o primeiro Abstrato, quedam desterrados, pois, para a Plataforma Contemporânea, toda a arte somente existiria na metrópole.

A trajetória de mostras da Plataforma ampara essas observações. Percurso-reflexo da (Des-)Ordem da periferia, a cidade petropolitana e brasileira, ali, sofreria apenas um destino plástico, não fazendo a história plástica. Fosse apenas o Expresso Abstrato, relevar-se-ia. Não é o caso.

A cidade merecia mais. Ela deveria ter a oportunidade de compreender que o seu território não segue apenas com desemprego crônico, inundações, deslisamentos de terras e tantos outros problemas. A capacidade crítica para sopesar com autonomia a vida material e espiritual é de difícil realização na província petropolitana, afinal, como todo o Brasil, vive, entre muitas sujeições coloniais, submetida pela Indústria Cultural. Edmundo Jorge não nasceu em Nova York ou Paris, nem foi para São Paulo ou Rio de Janeiro fazer o circuito plástico habitual. Ele permaneceu em Petrópolis. E a cidade necessita saber – Edmundo, não vivendo como mazombo, jamais teve conflito afetivo com a província; precisaria a cidade petropolitana e brasileira apreender que, a despeito de suas imensas dificuldades, foi capaz de gerar um personagem e obra dignos de orgulho. E deve dar conta, sem adjetivos e com crítica substantiva, muitas vezes, com o auxílio de suas Instituições, dialogando em pé de igualdade com a opinião da gente metropolitana.

Portanto, o Museu Imperial e FUNARTE devem – na Plataforma Contemporânea – mostra individual de Edmundo Jorge; dir-se-ia, devem singela homenagem à cidade como prova de eqüânime diálogo entre a metrópole e a província.

Diga-se de passagem que a Plataforma Contemporânea do Museu Imperial não está sozinha nesta dívida cultural consolidada; permanece unida à dívida de cabelos brancos da Administração e da Câmara Municipal, cujo fundamento é a omissão ou paralisia acerca da gravação da Sinfonia Petrópolis, de Ernani Aguiar, sonorizando Petrópolis.

De absoluta relevância para a vida material e espiritual desta serrania, por fim, a solução desses dois problemas culturais teria alternativa financeira: uma vez que a Cia. Águas do Imperador, de fato, exerce monopólio natural privado de líquido estratégico do povo petropolitano e brasileiro – água, ademais, que será um dos motores das guerras neste século -, o Museu Imperial, a Câmara e o Governo Municipal poderiam “convidar” a Companhia para sanear essas duas pendências culturais. Mas isso é outra história…