O ASSASSINATO DO CEL. GENTIL DE CASTRO – UM MÁRTIR DA CAUSA MONARQUISTA NO BRASIL

Jeronymo Ferreira Alves Netto, Associado Titular, Cadeira n.º 15 – Patrono Frei Estanislau Schaette

Os primeiros anos do governo de Prudente de Morais transcorreram em condições bastante adversas; ainda fermentavam as paixões resultantes da Revolução Federalista no Rio Grande do Sul; a situação financeira agravara-se em conseqüência das prolongadas lutas; os partidários exaltados de Floriano Peixoto, denominados “jacobinos”, sonhavam com uma “ditadura redentora”, não poupando ataques ao chefe da nação.

Às questões político-partidárias juntavam-se com freqüência atritos com os militares, como a revolta dos alunos da Escola Militar do Rio de Janeiro que haviam se sublevado contra o seu comandante, a quem acusavam de ser antiflorianista e até incidentes diplomáticos, como a ocupação da ilha de Trindade por um cruzador britânico, numa atitude acintosa à soberania nacional.

Embora o governo tivesse agido com grande energia contra os revoltosos da Escola Militar, prendendo e desligando do Exército os insubordinados e a questão diplomática com a Inglaterra tenha sido resolvida satisfatóriamente, graças aos bons ofícios do governo português, o clima de descontentamento e de incertezas continuou reinando por todo o país.

Em conseqüência, teve início uma séria crise política entre o executivo e o legislativo, queixando-se os senadores e deputados da ausência de uma convivência mais estreita entre os dois poderes. Francisco Glicério de Cerqueira Leite, antigo preposto de Floriano Peixoto no Congresso, habilidoso articulador político, chefe do Partido Republicano, como Presidente da Câmara dos Deputados, controlava os congressistas e procurava evitar um rompimento formal com o governo. Prudente de Morais, por sua vez, desejava libertar-se da tutela do partido e, por considerar Francisco Glicério um Florianista, procurava afastá-lo de sua influente posição como Presidente da Câmara dos Deputados.

A crise política acentuou-se quando o governo apresentou um projeto de anistia aos brasileiros que, direta ou indiretamente, haviam participado da Revolução Federalista, no Sul, e da Revolta da Armada, no Rio de Janeiro.

Este projeto, abrangendo todos os vencidos, foi considerado exageradamente liberal e não teve boa repercussão entre os florianistas, sendo rejeitado no Congresso.

Francisco Glicério, comenta Silva “ […] já não interpretava, perante o Congresso a política do presidente da República” (1). Prudente de Morais conseguiu libertar-se da tutela do Partido Republicano Federal, mas o número de seus adversários cresceu consideravelmente, distanciando-se dele o próprio Vice-Presidente Manuel Vitorino “para tornar-se posteriormente, uma das figuras representativas dos extremados” (2).

(l) SILVA, Hélio. História da República Brasileira. O Poder Civil, 1895-1910. Ed. Três Ltda., Rio de Janeiro, 1998, p. 85.
(2) BELLO, José Maria. História da República. São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1955, p. 168.

Todavia, o maior problema enfrentado pelo governo de Prudente de Morais, foi a rebelião de Canudos, no interior da Bahia, liderada pelo beato Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido como Antônio Conselheiro. Este movimento, de caráter nitidamente social, foi interpretado pelos florianistas como estando sendo financiado e apoiado pelos “sebastianistas”, designação pejorativa dos que, no Brasil, continuavam monarquistas após a proclamação da república.O insucesso de forças regulares do Exército contra os sertanejos, levou os florianistas a culparem a orientação política do Prudente de Morais de reduzir a participação militar no orçamento, impedindo assim o Exército de cumprir sua atribuição constitucional de manter a ordem interna.

O fracasso da expedição comandada pelo Cel. Moreira César provocou enorme comoção no Rio de Janeiro , “sendo interpretada pelos florianistas como um violento golpe na própria República, os quais foram tomados por violenta sede de vingança” (3). Ninguém procurou compreender ou explicar o insucesso das operações militares contra o Arraial de Canudos. A absoluta falta de apoio logístico, a falta de reconhecimento dos sertões inóspitos em que a campanha se desenrolou, bem como o excesso de confiança e a imprudência de alguns chefes militares é que foram, na verdade, os fatores responsáveis pelos maus resultados obtidos.

(3) HAYES, Robert A. Nação Armada. A Mística Militar Brasileira. Rio de Janeiro, Bibliex, 1991, p. 89.

O coronel Gentil José de Castro, proprietário dos jornais monarquistas Gazeta da Tarde e Gazeta da Liberdade, foi acusado de cumplicidade com os fanáticos de Canudos. Gentil de Castro resolveu processar o jornal “A República”, no qual foi publicado um artigo do jornalista Alcindo Guanabara, acusando-o de ter feito “remessas de armas a Antônio Conselheiro, bem como assim de munições, via Sete Lagoas e Curvello” (4).

(4) CELSO, Afonso. O Assassinato do Coronel Gentil de Castro. Rio de Janeiro, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1928, p. 139.

A verdade é que as notícias do desastre de Canudos foram utilizadas por alguns políticos brasileiros para mobilizar a opinião do povo contra os monarquistas. Em conseqüência, a 7 de março de 1897, um grupo de manifestantes invadiu a redação dos jornais Gazeta da Liberdade e Gazeta da Tarde, destruindo todo o material das redações e tipografias dos mesmos. Não satisfeitos, os manifestantes dirigiram-se à rua do Passeio, onde apedrejaram a residência do Coronel Gentil de Castro.

Em Petrópolis, cidade onde Gentil de Castro possuia residência de verão, a exemplo do Visconde de Ouro Preto e seu filho o Conde Afonso Celso e outros ilustres monarquistas, a “Gazeta de Petrópolis” comentou os acontecimentos, dizendo a certa altura: […] Mas o povo, é soberano, não se detém quando uma forte dor o magoa. Eis porque reunido em massa, penetrou nos edificios da Gazeta da Tarde, da Gazeta da Liberdade e do Apóstolo, órgãos monarquistas, empastelando-os todos e ateando fogo por fim ao material, transportado para a rua. Não satisfeito com isso, o povo ainda marchou para a casa do Coronel Gentil de Castro, proprietário dos jornais monarquistas e, segundo se diz, fornecedor de armas e dinheiro a Antônio Conselheiro, apedrejando-a e insultando o cacique do Sebastianismo, que a estas horas deve estar bem escondido” (5).

(5) GAZETA DE PETRÓPOLIS, Petrópolis, 13 de março de 1897, p. 1.

No Rio de Janeiro, o jornal Gazeta de Notícias, comentava: “ […] Não há quem a esta hora não compreenda que o monarquismo revolucionário quer destruir com a República a unidade do Brasil” (6).

(6) GAZETA DE NOTÍCIAS, Rio de Janeiro, 7 de março de 1897.

No dia 8 de março de 1897, contrariando as recomendações dos amigos, o Coronel Gentil de Castro que se encontrava em sua residência no Alto da Serra, em Petrópolis, desceu de trem ao Rio de Janeiro para avaliar os estragos do dia anterior. Segundo o depoimento de pessoas amigas, teria passado o dia conversando com os empregados dos jornais, tomando providências para o recolhimento dos destroços dos mesmos e encarregando Alberto de Castro da guarda de sua residência situada à rua do Passeio.

À tarde, ao tomar o trem na estação de São Francisco Xavier, para retornar a Petrópolis, foi morto a tiros por alguns indivíduos que o interpelaram.

O atentado, diga-se de passagem, visava também ao Conde Afonso Celso e ao Visconde de Ouro Preto, que se encontravam no mesmo trem e que a custa de muito sacrifício conseguiram sair do vagão em que se achavam e buscaram refúgio numa casinha de um cortiço próximo, de onde conseguiram embarcar num trem para Petrópolis.

Em nossa cidade circulavam rumores de que seria realizada uma manifestação, destinada a demonstrar a indignação com a derrota de Canudos, fato que ameaçava os monarquistas residentes no Alto da Serra.

Apesar de tais rumores, o Conde Afonso Celso e seu pai não recorreram às autoridades no sentido de solicitar garantias de vida. Tal solicitação partiu da população do bairro do Alto da Serra, na pessoa do dr. Toledo Dodsworth, o que é comprovado pela própria Gazeta de Petrópolis que noticiou em sua edição do dia 11 de março: “Atendendo ao solicitado pelo Dr. Dodsworth, ordenou o Dr. Chefe de Polícia deste Estado que fossem as residências de diversos cidadãos, moradores no Alto da Serra, guardadas por algumas praças de cavalaria, o que tem sido observado desde segunda feira à noite” (7).

Começou então uma verdadeira via crucis para o Conde Afonso Celso e seu pai, pois muitos achavam temerária a permanência de ambos na cidade. O ministro do Chile ofereceu asilo a ambos na legação desse país, o que foi gentilmente recusado sob a alegação de que “não podiam aceitar dentro da Pátria a proteção de um pavilhão estrangeiro” (8). Aceitaram, contudo, abrigo na fazenda do Coronel Miranda Jordão, próxima a Petrópolis, onde permaneceram por cerca de quinze dias. Entretanto, as coisas não se acalmaram e os ataques aos monarquistas, nos jornais do Rio de Janeiro, continuaram tão violentos quanto antes. Em conseqüência, os dois ilustres brasileiros resolveram embarcar para a Europa, o que foi feito no dia 8 de abril de 1897, um mês após a morte do Coronel Gentil de Castro.

(7) GAZETA DE PETRÓPOLIS, Petrópolis, 11 de março de 1897. p.1.

(8) CELSO, Afonso, O Assassinato do Coronel Gentil de Castro. Rio de Janeiro, Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1928, p. 172.

Alguns meses mais tarde, a 5 de novembro de 1897, ao recepcionar as primeiras tropas recém-chegadas de Canudos, o presidente Prudente de Morais foi vítima de uma tentativa de assassinato pelo soldado Marcelino Bispo. Na oportunidade, o presidente foi salvo graças ao heroísmo de seu Ministro da Guerra, Marechal Carlos Machado Bittencourt, o qual antepondo-se ao agressor, na tentativa de subjugá-lo, foi mortalmente ferido por este, vindo a falecer alguns momentos mais tarde.

Perdia assim o país um de seus mais ilustres representantes, oficial que havia se distinguido por atos de bravura praticados durante a Guerra do Paraguai e que com seu decidido apoio havia imprimido novos rumos à Campanha de Canudos. Na verdade, um benemérito da pátria, cuja retidão de caráter lhe valera o alcunha de Marechal de Ouro.

O país inteiro foi tomado de grande indignação, face ao pavoroso atentado, condenando a conspiração armada contra o presidente da República. Foi decretado estado de sítio e aberto inquérito para apurar o atentado, inquérito esse que foi conduzido pelo Dr. Vicente Neiva e no decorrer do qual ficou comprovada a participação intelectual de “[…] figuras da alta política, todas muito persuadidas do seu puritanismo republicano” (9).

(9) POMBO, Rocha. História do Brasil. A República. Vol. V, Jackson Inc. Editores, São Paulo, 1969, p. 449.

O inquérito policial terminou a 10 de janeiro de 1898, mas o processo prolongou-se por tanto tempo que acabou caindo no esquecimento, até porque Marcelino Bispo, elemento principal do processo apareceu enforcado na prisão onde estava recolhido.