A REVOLTA DA ARMADA E A MUDANÇA DA CAPITAL DO ESTADO DO RIO PARA PETRÓPOLIS

Jeronymo Ferreira Alves Netto, Associado Titular, Cadeira n.º 15 – Patrono Frei Estanislau Schaette

A Revolta da Armada, deflagrada por Custódio José de Melo, em 6 de setembro de 1893, foi causa da mudança da capital fluminense para Petrópolis.

Como conseqüência do golpe de estado de Deodoro da Fonseca, em 3 de novembro de 1891, dissolvendo o Congresso e proclamando o estado de sítio, fato que desencadeou violenta oposição política ao governo, Deodoro renunciou a 23 de novembro de 1891, passando o governo ao vice-presidente Marechal Floriano Peixoto.

De imediato foram levantadas contestações sobre a legalidade do novo governo, fundamentadas nas interpretações do artigo 42 da primeira Constituição Republicana que prescrevia o seguinte: “Se, no caso de vaga, por qualquer causa, da Presidência ou Vice-Presidência, não houverem ainda decorrido dois anos, do período presidencial, proceder-se-á a nova eleição” (1).

(1) PORTO, Walter Costa. As Constituições no Brasil. A Constituição de 1891. Fundação Projeto Rondon, Ministério do Interior, s/d., p. 1.

Os contestadores da legalidade do novo governo apelavam para o fato de que, não tendo Deodoro chegado a governar por dois anos, Floriano ocupando a Presidência não estava cumprindo o dispositivo constitucional.

Entretanto, os que temiam pela realização de um novo pleito presidencial, o qual poderia por em perigo a consolidação do regime republicano, encontraram respaldo nas disposições transitórias, parágrafo 2º, artigo 1º, da referida Constitução que estabeleciam normas específicas para a primeira eleição feita pelo Congresso, dispondo: “O presidente e o vice-presidente, eleitos na forma deste artigo, ocuparação a Presidência e a Vice-Presidência da República durante o primeiro período presidencial” (2).

(2) PORTO, Walter Costa. As Constituições no Brasil. A Constituição de 1891. Fundação Projeto Rondon, Ministério do Interior, s/d., p. 37

Entendiam assim, os partidários de Floriano, que dentro de tal período, não podiam ser realizadas novas eleições.

Baseando-se pois nesta disposição, o vice-presidente manteve-se na Presidência.

A 6 de abril de 1892, treze oficiais-generais do Exército e da Marinha assinaram um manifesto intimando o Marechal Floriano Peixoto a proceder a eleições para o cargo que ocupava. Seus signatários foram demitidos das comissões e comandos que exerciam e a seguir reformados. Os descontentes, organizaram manifestações de rua, exigindo a renúncia do presidente, baixando então o Governo o Decreto 791, que suspendia as garantias constitucionais por 72 horas. Os manifestantes foram presos e exilados na Amazônia.

Apesar da firmeza de Floriano, os ataques ao governo foram redobrados, através da imprensa e do próprio Congresso, onde alguns deputados procuravam convencer seus colegas a decretar o “impeachment” do Presidente. A Marinha, comentam Nadai e Neves, “que nunca fora identificada com a república, se apresentava, pelo menos para a imprensa governista, como um reduto de monarquistas que se opunham ao novo regime, dentre os quais se destacavam: Saldanha da Gama, Custódio de Melo e Eduardo Wandenkolk. Não era possível, na verdade, atribuir-lhes nítidas intenções de restauração da monarquia, contudo era patente seu descontentamento contra o governo e, sobretudo, contra o predomínio do Exército” (3).

(3) NADAI, Elza e NEVES, Joana. História do Brasil. São Paulo, Editora Saraiva, p. 187.

A situação tornou-se particularmente grave quando o Almirante Eduardo Wandenkolk, ex-ministro da Marinha, apropriou-se, em Buenos Aires, de um navio carregado de munições e armas para o governo brasileiro, aportando no Rio Grande do Sul, cenário da Revolução Federalista, onde tentou, sem êxito, obter o apoio da marinha local. Apesar de frustada, sua tentativa resultou num agravamento do clima de tensão entre a Marinha e o Exército.

Em conseqüência, o Contra-Almirante Custódio José de Melo, “movido por uma nunca desmentida ambição de conquistar a Presidência para si, convencido de que não teria a mínima possibilidade de obter o patrocínio de Floriano para seu objetivo” (4), iniciou a Revolta da Armada ao ocupar o couraçado “Aquidabã”, em 6 de setembro de 1893.

(4) CARNEIRO, Glauco. A Revolta da Armada. In: O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 16 de maio de 1964.

O primeiro ponto cobiçado pelos revoltosos foi Niterói, onde, na ponta da Armação, encontravam-se depósitos de munições necessárias aos navios da esquadra revoltada. Constantemente bombardeada pelos revoltosos, sobretudo quando o Dr. José Thomaz da Porciúncula, Presidente do Estado, intimado por Custódio de Melo a ir à sua presença, a bordo do “Aquidabã”, para prestar esclarecimentos, recusou-se a fazê-lo. Niterói, segundo nos informa Vasconcellos, “transformou-se numa praça de guerra ocupada e defendida por numerosas forças do Exército” (5).

(5) VASCONCELLOS, Clodomiro. História do Estado do Rio de Janeiro. São Paulo, Companhia Melhoramentos, s/d, p. 193.

Naquele ambiente de guerra civil que se abatia sobre a capital fluminense, comenta Fróes: “as sessões do legislativo estadual foram suspensas. Todavia, em razão da necessidade de se aprovar o orçamento para 1894, foi convocada uma reunião da Assembléia em Petrópolis, para dezembro de 1893” (6).

(6) FRÓES, José Kopke. Como Petrópolis foi capital do Estado. In: Tribuna de Petrópolis, Petrópolis, 21 de maio de 1944.

A situação exigia, no entanto, uma providência imediata, já que a atuação do governo fluminense estava grandemente prejudicada. A solução encontrada foi a mudança da capital para Petrópolis, medida que encontrava respaldo legal na Constituição do Estado, de 9 de abril de 1892.

Neste sentido, foi apresentado pelo deputado João da Costa Campos, o projeto 228, transferindo provisoriamente a capital de Niterói para Petrópolis. A 23 de janeiro de 1894, o projeto foi aprovado e, a 30 de janeiro, promulgado pelo Presidente do Estado, transformando-se na Lei nº 50.

Ao instalar em Petrópolis a capital do Estado, a Assembléia Legislativa certamente avaliou as excelentes condições de nossa cidade, evitando maiores sacrifícios para as finanças do Estado. Petrópolis contava na época com cerca de 35 mil habitantes, excelentes hotéis, sem falar na amenidade de seu clima.

Fato digno de nota é que Petrópolis não demonstrou grande entusiasmo pela distinção de ter sido declarada oficialmente a capital do Estado do Rio. Conforme noticiou a Gazeta de Petrópolis, em 24 de fevereiro de 1894, “o governo do Estado foi solenemente instalado em Petrópolis em 24 de fevereiro de 1894, numa cerimônia simples, sem os festejos usuais em tais ocasiões” (7). Talvez temessem os petropolitanos que a tranqüilidade da cidade fosse quebrada pela agitação política inerente aos centros políticos; do contrário como explicar tal frieza?

(7) GAZETA DE PETRÓPOLIS, Petrópolis, 24 de fevereiro de 1894.

Todavia a revolta continuava, não sendo possível prever quanto tempo ainda duraria. Para seu término, é justo assinalar, muito contribuiu a nova Esquadra, constituída por velhos navios adquiridos no exterior e reformados pelo governo, cujo comando foi entregue ao Almirante reformado Jerônimo Francisco Gonçalves, herói da Guerra do Paraguai, a “Esquadra de Papelão”, como foi ironicamente apelidada pelos revoltosos.Terminada a revolta em março de 1894, com a vitória das forças fiéis ao governo do Marechal Floriano, Petrópolis continuou sendo capital.

Não obstante, o Dr. Porciúncula enviou mensagem à Assembléia dando conta dos acontecimentos ocorridos no Estado e submetendo à apreciação da mesma a conveniência de se tornar definitiva a mudança da capital para Petrópolis. O mesmo deputado João da Costa Campos, que apresentara o projeto da mudança provisória, em conformidade com a sugestão do Presidente do Estado, apresentou o projeto de mudança definitiva da capital do Estado para Petrópolis, o qual foi convertido na Lei nº 89, de 19 de outubro de 1894.

A 31 de dezembro de 1894, o Dr. Porciúncula, a cujo tirocínio administrativo Petrópolis ficou devendo o Edifício do Forum, a Delegacia de Polícia e o Hospital de Isolamento, passou o governo ao seu sucessor, o Dr. Joaquim Maurício de Abreu, eleito a 15 de julho do mesmo ano.

Natural de Sapucaia, onde havia sido Presidente da Câmara Municipal, Deputado à Assembléia Legislativa do Estado e, posteriormente, Vice-Presidente do Estado no governo Porciúncula, o Dr. Maurício de Abreu procurou dar continuidade à administração anterior, amparando a agricultura, desenvolvendo os transportes e melhorando o ensino, além de ter efetuado a compra do Palácio Rio Negro e do edifício ao lado, por 350 contos de réis, para sede do Governo e do Tribunal de Relação, do prédio do Hotel Orleans, na Rua Barão do Amazonas, para acomodar várias secretarias, por 300 contos de réis, e do edifício onde vinha funcionando a Assembléia Legislativa, à então Avenida 15 de Novembro, por 160 contos de réis.

A 31 de dezembro de 1897, o Dr.Maurício de Abreu passou o poder ao seu sucessor Dr. Alberto de Seixas Martins Torres, natural do Município de Itaboraí, ardoroso republicano e abolicionista.

Alberto Torres governou o Estado num momento muito delicado, tanto do ponto de vista político, como do ponto de vista econômico. Politicamente procurou manter-se isento frente ao conflito municipal em Campos, onde duas facções que disputavam o poder proclamaram-se vitoriosas, o que teve como conseqüência imediata a instalação de duas Câmaras. Todavia, com o agravamento da crise, acabou baixando o Decreto nº 530, determinando à Câmara Municipal cujo mandato findara em 1897, reassumisse provisoriamente a direção do Município, atitude que criou sérias dificuldades entre o governo fluminense e o Partido Republicano, que o apoiava.

Paralelamente, a economia do Estado começava a sentir os efeitos da queda dos preços do café no mercado mundial. Como resultado, a arrecadação do imposto de exportação sobre o café reduziu-se em ¼, repercutindo na receita do Estado, com reflexos na administração, provocando a desorganização dos serviços públicos, atraso no pagamento do funcionalismo etc.

Em 8 de julho de 1900, o Senador Quintino Bocaiúva, natural da cidade do Rio de Janeiro, um dos próceres da campanha republicana, foi eleito para o governo do Estado.

Político brilhante, mas com pouca experiência administrativa, governando em meio a uma crise econômica sem precedentes, encontrou sérias dificuldades, chegando-se a cogitar, em seu governo, “da anexação do Estado à União” como um meio de debelar a crise. A situação do Estado tornou-se tão desesperadora que obrigou o governo a tomar uma série de medidas antipáticas, como a suspensão dos auxílios a hospitais e asilos, o fechamento de estabelecimentos de ensino, como o nosso Ginásio Fluminense, inaugurado em março de 1899 e considerado um estabelecimento de ensino padrão.

Como se tudo isso não bastasse, um grupo de políticos com o propósito de inutilizar a candidatura de Hermogêneo Silva ao governo estadual, levantou a questão do retorno da capital a Niterói. Após acalorados debates, foi promulgada a 4 de agosto de 1902, a Lei nº 542, determinando a volta da capital para Niterói, o que entretanto só acabou acontecendo em 20 de julho de 1903.