AS COSTUREIRAS-MODISTAS EM PETRÓPOLIS (1854-1889)

Maria de Fátima Moraes Argon – Associada Titular, Cadeira n.º 28 – Patrono Lourenço Luiz Lacombe

 

O projeto para elevar Petrópolis à categoria de cidade, o que ocorreu em 29 setembro de 1857 pela Lei Provincial nº 961, do RJ, teve como um dos seus apoiadores, Bartolomeu Pereira Sudré, proprietário e editor do Mercantil, primeiro jornal de Petrópolis fundado em 3 de março daquele mesmo ano circulando até 1892. O Mercantil, jornal político, literário, comercial e noticioso oferece informações fundamentais para a história da cidade, mas lamentavelmente os números referentes aos anos 1857 e 1874 não são conhecidos. Na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional estão disponíveis os números dos anos 1875 a 1892 e a edição de 18 de maio de 1872.

O novo status de Petrópolis e a constante presença da família imperial e de membros da corte provocaram mudanças, resultando, por exemplo, na ampliação do comércio e na criação de novos serviços. Surge, pela primeira vez, no Almanak Laemmert, edição de 1855, o nome de Madame Fraisse, costureira-modista estabelecida à Rua do Imperador.

Curiosamente as figuras das modistas aparecem frequentemente nos folhetins e contos publicados no Mercantil, ora de forma romântica, ora depreciativa. Na edição de 18 de maio de 1887, por exemplo, Félix Ribeiro em Ligeiras considerações sobre a sociedade hodierna, questiona

Uma mulher médica?! Na realidade, aquela que a este grau chegar, terá dado testemunho de um esforço e de um apurado trabalho. Mas para que desviar-se da trilha que a sua natureza lhe traçou e que é tão somente dela”.

O autor defende que a mulher deve ser educada para ser dona de casa e sua ambição deve ser a de ser mãe. E continua: “Enquanto a modista prepara os vestidos para as festas, ela os espera apreciando a leitura das obras as mais prejudicais possíveis”.

O estudo dos ofícios considerados tipicamente femininos como os de corte e costura carecem de um trabalho sistemático que demonstrem o papel das mulheres na vida econômica da cidade.

Cantares (versão – A uma costureira)

            Publicado no Mercantil, 10 de outubro de 1888

I

Por ti, formosa andorinha,
Ando perdido de amores,
– Não sei que doudice a minha
Que vivo só para dôres!

II

O sol desse olhar vibrante
Fez brotar a luz do dia
Na noite, escura e sombria,
Da minh’alma tremulante.

E em vão procuro esquecer
A balburdia compassada
Dessa machina amestrada
Em que passas a coser.

E então com que rapidez
A fazes mover – criança!
Eu digo até muita vez:
– Desgraçada vizinhança !

Que inda assim, loura travessa,
Vê tu a minha paixão!
– O meu pobre coração
Bate por ti mais depressa!…

III

Quando chegas à varandas
Depois do trabalho feito,
Olha-te o sol satisfeito,
Vem beijar-te a aragem branda.

E embora seja à tardinha
Que tu me appareces – casta
Sinto que uma luz mais vasta
Por toda a parte se aninha.

É que a luz do teu olhar
Vale bem mais, minha filha.
Do que o sol que nos céos brilha,
– Mil sóes que eu visse brilhar!

IV

Em tempo que tu emprestes
Vê lá que desconfiança!
A tua voz doce e mansa
Aos rouxinóes da floresta,

Eu temo que alguma estrella
Te furte a luz desse olhar
Para em uma noite bela
Mais fantástica brilhar….

Eu temo que o próprio Deos
Te venha roubar bem cedo,
Para guardar-te em segredo
Na imensa prisão dos céos….

Não rias do meu receio,
Não rias do meu cuidado,
Eu trago o meu peito cheio
De um temor amedrontado…

E demais, que acquisição
Para essas paragens bellas!
Teus olhos – duas estrelas,
E um anjo – o teu coração!

 

Na medida em que a cidade do Rio de Janeiro ia se modernizando, inspirada em um modelo europeu de civilização, novos hábitos e costumes foram sendo incorporados pela sociedade. Na década de 1850, o Rio de Janeiro já conhecia considerável desenvolvimento urbano, e os cuidados com a aparência e a elegância das vestimentas faziam parte das novas regras da etiqueta social, movimentando o mundo da moda.

Com o tempo, a presença de modistas foi se intensificando.  A grande maioria é de origem francesa. Algumas delas ofereciam seus serviços na cidade de Petrópolis, conforme podemos constatar.

A principal fonte utilizada para o levantamento das costureiras-modistas presentes em Petrópolis foi o Almanak Laemmert, fundado em 1844. O primeiro nome que surge, como já informamos, é o da Madame Fraisse, estabelecida à Rua do Imperador, oferecendo seus serviços nos anos 1854 e 1855. Na edição de 1859, referente ao ano anterior, encontram-se na cidade, Madame Forest, à Rua Bourbon e Catharina Armand, sem informação do endereço. Tudo nos leva a crer que se trata de Madame Luiza Forest, também estabelecida no Rio de Janeiro à Rua Sete de Setembro nº52, 1º andar. Mais tarde, em 1864, muda-se para a Rua dos Ourives nº 19 e nos anos 1876 e 1877, à Rua Sete de Setembro, nº 48 sobrado. Diferentemente de Madame Forest que se anuncia somente nos anos 1858 e 1859, Catharina Armand permanecerá na lista até o ano de 1866.

Outra modista foi Mme Pauline que apesar de seu nome aparecer somente em 1864, sabemos que ela já atuava em Petrópolis, conforme informação do jornal O Parayba, de 20/11/1859: “Costureira de Paris. Mme Pauline mudou o seu estabelecimento da rua de Bourbon para a do Imperador nº 76”. É possível que se trate de Mme Pauline Lefevre, que no ano de 1866 aparece associada a Mme Guion, no Largo de São Francisco de Paula nº 26, 1º andar. Em 1873, ela aparece individualmente na Praça da Constituição nº 87 e, dois anos depois, associada à sua filha até o ano de 1889, na Rua de São José nº 88.  É interessante observar que Mme Guion foi a costureira da Imperatriz D. Thereza Christina, de 1867 até 1872, com endereço na famosa Rua do Ouvidor nº 136. Sua sucessora, Madame Josephine Lambert funcionou no mesmo endereço até 1875.

A quarta modista foi Madame Magdalena Moorel, cujo nome aparece em 1869 e 1870 sem, entretanto, informar o endereço do estabelecimento.

Em 1874, surgem como negociantes de fazendas e armarinhos, Madame Dreyfus (Rua do Imperador nº 48) e Viúva Elisa Casqueiro (Rua de D. Francisca, atual Rua General Osório). Em 1881, Madame Dreyfus anuncia além de Petrópolis o seu endereço do Rio de Janeiro (Rua Gonçalves Dias nº 57). É a única que depois de ter estabelecimento em Petrópolis abre negócio no Rio de Janeiro.

Em 1877, Madame Tracol anuncia seus serviços em Petrópolis, mas somente no verão. Era uma das 12 modistas que atuavam no Rio de Janeiro em 1847 permanecendo até o ano de 1874, quando a cidade já contava com 65 modistas. Fazia vestidos de gala e vendia chapéus, xales, mantas, toucas, rendas, flores e fitas. Funcionou em vários endereços: Rua dos Latoeiros, 39; Rua dos Latoeiros, 83; Rua do Ouvidor, 77; Rua do Ouvidor, 95 e Rua do Catete, 140.

Em 1878, Madame Antoinette Verlé aparece no Rio de Janeiro na Rua do Ouvidor nº 33, onde já atuava desde 1874, e em Petrópolis com Loja de Moda na Rua do Imperador nº 9. E no ano seguinte, em Petrópolis, a Viúva Barreto na Rhenania.

Na década seguinte, Elisa Casqueiro e Madame Dreyfus continuam no mercado. Em 1880, a primeira dá sociedade a sua filha Luiza Hees e passam a atender na Rua do Imperador nº 46. Em dezembro de 1881, elas apresentam um requerimento à Câmara Municipal de Petrópolis pedindo para serem eliminadas da lista de contribuintes do negócio de fazendas, armarinho e perfumarias, por não continuar mais nestes gêneros, ficando somente com a loja de costureira. Mais tarde, Luiza Hees transferiu-se para a Rua de Bourbon nº 39, segundo notícia do jornal Mercantil, de 16 de janeiro de 1886. Já Madame Dreyfus, em 1885, associa-se ao filho oferecendo: “Modas, fazendas, chapéus, roupas brancas e oficinas de costura. Especialidades: enxovais para casamentos e batizados.”

Nesta mesma década de 80, há mais três nomes identificados através do jornal Mercantil:

28 de janeiro de 1882: “COSTUREIRA PARISIENSE – Mme Valbert Robbe Fils, Rua do Imperador, 59 – Petrópolis”.
09 de janeiro de 1886: “Mme Carolina Charvet Rua do Imperador, 89. Faz vestidos pelos ultimos figurinos. Encarrega-se de enxovais para baptizados e casamentos”.
10 de fevereiro de 1886: “Bom Ordenado – Precisa-se de uma criada, que saiba cozinhar: rua do Imperador, n. 122, Mme Bonnot, costureira”.

Os temas como a arte do bem vestir, o uso dos adornos, os penteados, o comportamento nos salões estavam presentes nos romances de Joaquim Manuel de Macedo, José de Alencar e Machado de Assis. No livro A Baroneza do Amor, Joaquim Manuel de Macedo apresenta sua protagonista, Irene:

Em uma noite de abril de 1872 o teatro de S. Pedro de Alcântara estava em festa de caridade […] não havia cadeira nem banco de plateia vaga, e os camarotes ocupados todos ostentavam, principalmente nas duas primeiras ordens, as mais belas e mais ricas representantes da elegância e do luxo da cidade do Rio de Janeiro.