PETRÓPOLIS E SUA MALOGRADA ANEXAÇÃO AO DISTRITO FEDERAL – II

Francisco de Vasconcellos, Associado Emérito –

Enfim, a idéia não tinha qualquer apelo popular e por conseguinte dela estavam alheios os autênticos petropolitanos.

Mas apesar do corpo estranho introduzido numa simples reunião que visava o melhoramento de um dos principais logradouros da urbe de Koeler, a votação da proposta correu normalmente, tendo sido ela aprovada por unanimidade nos termos em que fora apresentada e conforme o projeto de Paulo Bergerot.

Ficou constituído na altura um grupo de trabalho integrado pelos Drs. Roxo de Rodrigues, Souza Leão, Eugênio Gudin, Barão de Santa Margarida, José Paranaguá e Teixeira Soares, todos sob a presidência do Dr. Arthur de Sá Earp.

Antes que findasse a reunião, o Barão de Ibirocaí, não querendo que morresse no nascedouro a idéia levantada pelo Dr. Roxo de Rodrigues, mesmo diante da má vontade do Presidente da Câmara, propôs, que fosse convocado novo encontro, para que se apreciasse a anexação de Petrópolis ao Distrito Federal. Aceita a proposta pelos presentes, Luiz da Rocha Miranda, alvitrou que seria melhor criar-se uma comissão para o estudo prévio do tema, tendo sido aclamados para tal, Paulo de Frontin, Luiz da Rocha Miranda, Antônio Roxo de Rodrigues, Villela dos Santos, Joaquim Moreira, Franklin Sampaio, Conde de Figueiredo, Teixeira Soares e Eugênio de Almeida e Silva.

A Tribuna de Petrópolis, arauto de longa data dessa aspiração da Corte na serra, saiu logo em defesa dela em momentoso artigo que veio a furo no dia 15 de fevereiro de 1906. Dizia o redator da matéria:

“Ora, foi baseado nessas razões, que advogamos a aquisição do território desta cidade e de uma faixa dos municípios de Magé e de Iguaçu, necessários ao prolongamento do Distrito Federal até cá, estabelecendo-se, entretanto, um regime especial, que de modo algum ofendesse a autonomia de que goza atualmente Petrópolis, como município do Estado do Rio de Janeiro. E isto por uma razão muito simples: cidade importante, universalmente conhecida, Petrópolis não pode, nem deve perder de um momento para outro, os foros de que goza, para se converter num simples subúrbio daquele distrito, abandonado, sem melhoramentos úteis, como acontece atualmente com o Engenho Novo, Todos os Santos, Cascadura e muitos outros.

É necessário, portanto, que a comissão encarregada de estudar o grave assunto, pese bem as vantagens que se deve tirar para Petrópolis, com a anexação proposta”.

Tinha certa razão o articulista, ao preocupar-se com o destino desta urbe no caso de passar a ser um prolongamento do Distrito Federal, correndo o risco de ser relegada a um plano secundário e inferior, como tantos subúrbios da então Capital da República. Mas o assunto não se resumia somente aos aspectos físico – geográficos. Ele tinha sérias implicações jurídicas na área do direito público, o que por certo passou desapercebido ao jornalista, que, quem sabe por falta de informação no setor, engendrou uma aberração, já que pretendia ao mesmo tempo que Petrópolis integrasse o Distrito Federal e não perdesse a autonomia de que gozava como município do Estado do Rio de Janeiro.

E ainda achava que a comissão encarregada do tema iria encontrar uma fórmula para tão delicado deslinde.

Fechando a matéria em epígrafe, declarava enfático o jornalista da Tribuna:

“A nossa situação é melindrosíssima, não há dúvida; mas ainda assim é preferível ficarmos como estamos, a sermos amanhã um péssimo subúrbio do Distrito Federal”.

Não havia dúvida de que a Tribuna de Petrópolis, alinhada aos interesses dos governos estadual e municipal, queria agradar a gregos e troianos, ao ponto de imaginar soluções absolutamente estapafúrdias para o encaminhamento do plano esboçado por Antônio Roxo de Rodrigues.

E, preparando saída estratégica, caso tudo fosse por água abaixo, não deixou de consignar, criando certa contradição no seu próprio texto, que seria melhor que Petrópolis permanecesse como estava a ter que transformar-se em esquecido subúrbio da Capital Federal.

Na verdade, o agitar do assunto, moveu certos arraiais da opinião pública, provocou reações oficiais e oficiosas, sacudiu a imprensa, quer destas serras, quer do Rio de Janeiro, promoveu entrevistas, espicaçou os caciques desta urbe e da cúpula política fluminense.

Não foi, portanto, à toa que o grupo de trabalho encarregado do estudo do tema em epígrafe fazia reunião a 1º de março de 1906, no Clube dos Diários, sob a Presidência do Conde de Figueiredo, mesmo a despeito do telegrama de Nilo Peçanha, ao Dr. Arthur de Sá Earp, com data de 16 de fevereiro daquele ano, onde se lia:

Em relação projeto aí lançado, desanexação Petrópolis e que me foi comunicado, rogo transmitir seus autores, que sem embargo devido respeito sua opinião assunto, aliás repelido por todos os fluminense, não pode ser objeto de exame ou deliberação. Saudações afetuosas. Presidente do Estado”.

Diante dessa formal rejeição por parte do grande cacique estadual, do projeto encabeçado pelo Dr. Roxo de Rodrigues, o Presidente da Câmara, em ofício de 20 de fevereiro enviado ao Conde de Figueiredo, desestimulou a comissão por este chefiada, lembrando, entretanto aos componentes dela, quanto poderia ser útil o seu concurso em benefício de Petrópolis, ajudando a municipalidade a equacionar os problemas vitais da urbe.

Na edição de 22 de fevereiro de 1906, a Tribuna de Petrópolis, em matéria intitulada “Idéia Feliz”, justificou a posição do Dr. Arthur de Sá Earp, apoiou-a mesmo, alargando seus horizontes.

Para o articulista, o progresso de Petrópolis não dependia exclusivamente de sua anexação ao Distrito Federal. Ele adviria por certo, desde que os cidadãos que aqui tinham seus interesses, se mantivessem unidos no sentido de conseguir os melhoramentos de que a cidade carecia. E voltava a insistir no ponto já tantas vezes enfocado pelo periódico petropolitano, ou seja, o projeto de uma associação que defendesse os reais interesses desta urbe e zelasse por sua integridade física e cultural, orientando o seu progresso.

Entretanto, o Conde de Figueiredo, em ofício datado de 4 de março de 1906, que tinha como destinatário o Presidente da Câmara Municipal de Petrópolis, não só comunicou a este que a comissão encarregada de dar parecer sobre o projeto da anexação apresentado pelo Dr. Roxo de Rodrigues, havia resolvido dissolver-se, não mais cuidando do assunto, como afirmou o seguinte:

“Quanto às medidas lembradas no citado ofício de V. Excia., em benefício da cidade de Petrópolis, julga a comissão, que a ação conjunta da Câmara Municipal, de que V. Excia é muito digno Presidente e a do Exmo. Snr Presidente do Estado do Rio de Janeiro, poderá ser de máxima eficácia para alcançar esse objetivo”.

Em outras palavras, a iniciativa privada, capitaneada pelo que havia de mais requintado, fino e rico segmento social nestas serras, saia completamente de cena, deixando exclusivamente aos poderes públicos a condução dos destinos da cidade, quaisquer que fossem eles.

No entender da comissão chefiada pelo Conde de Figueiredo, o lema seria ou tudo ou nada. Ou Petrópolis se engajava definitivamente na órbita do Distrito Federal, usufruindo das eventuais benesses advindas da chamada anexação, ou tudo permaneceria do jeito em que se encontrava, sob a vista grossa dos endinheirados veranistas. Perdido por um, perdido por mil.

Já naquela época estava em plena prática o “é dando que se recebe”, tão comentado nos dias que correm nos meios políticos em Brasília.

Naquele momento da vida petropolitana, em que a “belle époque” fazia os encantos da sociedade adventícia, a erva daninha ameaçava as banquetas floridas dos rios; o ritmo de construção caia consideravelmente; a escalada industrial diminuía sua marcha e a desvalorização patrimonial era um fantasma a bailar ante os olhos dos potentados das áreas nobres da urbe. Petrópolis vivia quase que exclusivamente de suas parcas rendas oriundas da minguada arrecadação municipal, drasticamente diminuída mercê das perdas com a arrecadação do imposto sobre indústrias e profissões. O abastardamento urbano era pois uma espada principalmente no pescoço dos grandes proprietários no hoje chamado centro histórico.

No último verão presidencial de Rodrigues Alves em Petrópolis, a federalização desta urbe não passou de uma tempestade estival, rápida e barulhenta. Outras no mesmo gênero ainda estavam por vir, conforme se demonstrará numa próxima oportunidade.