Francisco José Ribeiro de Vasconcellos

SAINT HILAIRE PARA OS ÍNTIMOS

  SAINT HILAIRE PARA OS ÍNTIMOS Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima “Ontem li St. Hilaire as pinturas que ele elogia da Matriz do Sabará são do coro e não as da sacristia que aliás pareceram-me melhores. O vigário do Caeté ontem ao jantar disse que uma tia dele tinha sido amiga da irmã Germana milagrosa de que fala St. Hilaire”. “Ontem mostraram-me o pau de jacarandá a que se arrimava o irmão Lourenço e não Fr. quando St. Hilaire o viu aqui”. “Não tem aparecido carneiros e com razão diz St. Hilaire que “les paturages des montagnes de Minas Gerais conviennent parfaitement aux bêtes a l’aine”. St. Hilaire diz que há mais espécies vegetais na Serra do Caraça que na Piedade por ser aquela mais úmida. Na Caraça não dão as plantas tropicais. No alto da serra da Piedade St. Hilaire viu o morangueiro e ceraisto comum (Cerastium vulgatum) e o mouron dos pássaros (stellaria media) plantas européias”. Tais as referências colhidas ao acaso no diário do Imperador D. Pedro II quando de sua viagem a Minas Gerais em março / abril de 1881. Essas tomadas revelam o apreço que tinha o monarca pela obra de Saint Hilaire, que por certo o acompanhava em suas viagens, para que ele pudesse estabelecer parâmetros, fazer cotejos e até contestar informações veiculadas pelo atento e sagaz viajor francês de princípios do século XIX. Lástima que o Imperador não tenha transformado esse seu insistente interesse pela produção intelectual hilairiana em atos concretos no sentido de vulgarizar entre nós os trabalhos de Saint Hilaire dedicados ao universo físico e cultural do centro / sul brasileiro. Se tal tivesse ocorrido, certamente inúmeros males, alguns irreversíveis, teriam sido evitados por nós, principalmente no que toca à agricultura, ao extrativismo, ao meio ambiente e ao patrimônio natural. Lamentavelmente Saint Hilaire só foi traduzido para o português, quando já iam adiantados os novecentos e, mesmo assim, segue sendo um ilustre desconhecido no Brasil, já que de uma parte de sua obra só tomam conhecimento as rodas fechadas de intelectuais, que ainda assim pouco sabem da biografia do autor, e, do seu meio de origem. No arquivo do Departamento do Loiret, sediado em Orleans, França, estão papéis que interessam ao curriculum vitae de Auguste François Cesar Provensal de Saint Hilaire. Sob o nº B 59, existem […] Read More

FELIZ ADENDUM À GEOGRAFIA PETROPOLITANA

  FELIZ ADENDUM À GEOGRAFIA PETROPOLITANA Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima Julio Ambrozio sem ser médico, tem um dos bisturis mais afiados de quantos já pintaram nestas serras nos últimos cinqüenta anos. Maneja-o com enorme destreza e vai fundo nos problemas, sem ligar a conveniência ou pruridos de quintal, alimentadores dos conchavos domésticos, tão nocivos ao verdadeiro conhecimento nos vários planos da elaboração humana. A santa inquisição tão viva ainda entre nós, jamais contaminou a alma crítica e desfronteirizada de Julio Ambrozio, que mercê de uma boa dosagem de fluidos campistas, segue incólume a psico-sociologia petropolitana no contexto da geografia deste torrão fluminense. Num romance que vai aos intestinos da cidade – No Sereno do Mundo – Ambrozio fala da cloaca O Piabanha, do mundinho desbotado de 16 de Março, das servidões morro acima, trazendo à luz do seu argumento central, temas que merecem debates e profunda investigação, o que nenhum instituto cultural desta urbe ousou ainda fazer, por relaxamento, por preconceito, por privilegiar muita vez assuntinhos em detrimento daquilo que condiciona o comportamento de um povo e que reflete as maneiras de ser, de pensar e de agir da gente que se insere no espaço físico-geográfico chamado Petrópolis. Entre a Esfinge, escrito no princípio do século por Afranio Peixoto, romance em que a primeira parte se desenvolve nestas serras em plena belle époque e NO SERENO DO MUNDO, há um abismo, menos pelo enorme tempo que os separa e muito mais pela distância entre a frivolidade do adventício em vilegiaturas na Avenida Koeler, presente no primeiro e a dura realidade de uma servidão no Valparaiso, flagrante no segundo. A “Geografia Petropolitana” é o próximo passo de Julio Ambrozio na sua escalada em busca do perfil de uma urbe insólita, único caso no Brasil em que tiveram que conviver entre vales estreitos e nos limites dos quarteirões, a Côrte Monárquica e republicana e a colônia, senzala branca no conceito de Peter Welper ou de olhos azuis, conforme Gilberto Felisberto Vasconcellos, o sociólogo do de repente. E, na tangente do ruço e do suicídio de Stefan Zweig, Ambrozio exalta o mineiro na formação étnica de Petrópolis. É o ovo de Colombo. Ninguém havia pensado nisso antes. Nem Alcindo Sodré, nem Paulo Monte, nem Carlos Maul, nem Paula Buarque, nem Antonio Machado, nem os Fróes. A preocupação com […] Read More

AURELIANO COUTINHO – PRÓS E CONTRAS

  AURELIANO COUTINHO – PRÓS E CONTRAS Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima Há duzentos anos, nascia em Itaipu, hoje atraente bairro de Niterói, Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, que mais tarde, quase in extremis, receberia do Imperador D. Pedro II o título de Visconde com Grandeza de Sepetiba. Estudou em Coimbra; foi prócer do Império; Senador e Presidente de sua Província entre 1844 e 1848. Morreu na capital fluminense em 1855. Tais os dados marcantes da vida de um incontestável estadista, com enorme folha de serviços prestados à pátria e especialmente à Província do Rio de Janeiro, tendo inclusive o seu nome ligado indelevelmente a Petrópolis. Porém, Aureliano, à testa do governo fluminense, estudado à luz de seus relatórios presidenciais, revela por vezes uma personalidade um tanto contraditória, ora obrando com extrema simplicidade e clareza, demonstrando profundo conhecimento de seu torrão de origem e dos males que o afligiam, ora elaborando no sentido do fantasioso, do hiperbólico, como se estivesse cego diante da realidade palpável. E como comemorar também é criticar, mormente quando a perspectiva temporal permite uma visão de corpo inteiro do homenageado, depuradas todas as paixões, impõe-se o estudo frio e sincero da personalidade de Aureliano Coutinho na condução do governo da Província do Rio de Janeiro, no aurorecer do segundo reinado. Por carta imperial de 1º de abril de 1844, foi nomeado para conduzir os destinos de sua terra natal, tendo deixado a presidência a 3 de abril de 1848. Uma de suas grandes iniciativas foi, através de uma circular enviada às várias câmaras municipais da Província, tentar aferir os anseios e carências das comunas fluminenses em meados dos anos quarenta do século passado. E, as respostas a esse apêlo dão bem um diagnóstico do estado de estagnação e penúria em que viviam os nossos municípios naquela época. No relatório apresentado à Assembléia Provincial em 1º de maio de 1846, o futuro Visconde de Sepetiba deu a conhecer àquela corporação o resultado de sua pesquisa e fê-lo, fazendo de antemão comentário judicioso que valia crítica ao sistema reinante por força da bitoladora de 1824, pouco abrandada, no que concernia às províncias e aos municípios, pelo Ato Adicional de dez anos depois. Dizia ele: “Ou seja pela pouca renda desses corpos meramente administrativos, ou pela dificuldade de se reunirem frequentemente os seus membros, […] Read More

DOIS TRIOS… DOIS DESTINOS

  DOIS TRIOS … DOIS DESTINOS Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima Theobaldo Costa Jamundá é pernambucano de origem, mas catarinense por opção. Vive em Blumenau há muitíssimos anos e, estudioso que é da história, do folclore e da etno-sociologia, tem obra suculenta sobre a região que elegeu para armar sua tenda. Já está na 2ª edição seu livro “Kolonie Blumenau dos Três Doutores” que na sua primeira parte estuda aquilo que ele chama “Trio Amigo da Mata”, que nada mais é que o trio fundamental responsável pelo surgimento e pelo deslanche da colônia germânica do Itajaiaçu. Jamundá se refere a Herman Blumenau, a Fritz Muller e a Emil Odebrecht e ao papel que cada um desempenhou na urdidura de um projeto, que alcançaria pleno sucesso, segundo as metas propostas. O tema fez-me refletir sobre Petrópolis, que tem também suas origens apoiadas num tripé, formado pelo jovem Imperador D. Pedro II, pelo experiente Mordomo Paulo Barbosa da Silva e pelo talentoso e pertinaz Major de Engenheiros Júlio Frederico Koeler. Mas se lá e cá há uma coincidência no número de partícipes no jogo de cena, o mesmo não ocorre com algumas das tendências que nortearam cada uma das colônias, e, nem o perfil dos que criaram Petrópolis e Blumenau obedece às mesmas características. Antes de mais nada, Petrópolis nasceu antes da Revolução de 1848, na França e no mundo germânico, e Blumenau, logo depois. Alvitra Renato de Mello Vianna, ao apresentar o livro de Mestre Jamundá: “A Revolução Democrática de 1848 na Alemanha, sufocada pela nobreza, forçou alguns de seus líderes e simpatizantes a fugirem daquele país. Os imigrantes que vieram antes eram predominantemente das regiões agrícolas e pobres da Alemanha. Faltava-lhes a cultura para conseguir se impor e obter renome além fronteiras. Mas Blumenau, fundada em 1850, teve a felicidade de receber um punhado de homens capacitados, não só a arrancar do solo o sustento de seus familiares, mas também com a competência para angariar a admiração e o respeito que só são devotados àquelas comunidades organizadas dos povos ordeiros e progressistas, que sabem perfeitamente o que querem e lutam tenazmente para consegui-lo”. Afirma Jamundá que os integrantes da Colônia Particular do Dr. Blumenau aprenderam com seus líderes, desde cedo, a ver a mata como aliada e não como inimiga. Por isso eles a devassaram, para […] Read More

D. JOÃO E OS PORTOS DO RECÔNCAVO FLUMINENSE

  D. JOÃO E OS PORTOS DO RECÔNCAVO FLUMINENSE Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima Laurenio Lago (Anuário do Museu Imperial, nº 7, 1946), num artigo intitulado “Excursões do Príncipe Regente D. João na Capitania do Rio de Janeiro (1809)”, informa que nos meses de junho e julho daquele ano, o futuro Rei D. João VI empreendeu duas pequenas viagens ao recôncavo fluminense, tocando em dois pontos fundamentais dele, por serem portas de entrada da chamada Serra Acima. A primeira foi direcionada à povoação de Nossa Senhora do Desterro de Tambi, pertencente na altura à freguesia de Santo Antonio de Sá, sede do município do mesmo nome, depois deslocada para Santana do Japuíba e mais tarde para Cachoeiras de Macacu, cidade fluminense ao pé da serra de Friburgo. Tambi, estava, segundo Laurenio Lago a 200 braças do rio Macacu (algo em torno de 500 metros), pelo qual se chegava aos portos do Sampaio e das Caixas, de onde se tomava a direção de Itaboraí, prolongando-se a viagem no rumo da vertente goitacá, ou da de Cantagalo, pela serra da Boa Vista, por caminho difícil e perigoso, de que deu conta John Mawe em seu minudente relato inserido nas “Viagens ao Interior do Brasil”. Hospedou-se D. João em casa do agricultor e Capitão de Ordenanças João de Souza Lobo, que foi de uma fidalguia extrema. Retribuindo as gentilezas recebidas, o Regente, por decreto de 24 de junho do mesmo ano de 1809, promoveu o capitão ao posto de Coronel de Milícias, agregado ao regimento do distrito de Macacu. Era uma praxe, que foi muito típica do Brasil monárquico. Retribuição de boa acolhida, de fidelidade, de serviços prestados, com títulos, honrarias, promoções, comendas… A segunda excursão realizou-se em julho de 1809 e teve como destino o Porto da Estrela, ponto de partida do Atalho do Caminho Novo para as Minas Gerais, em uso desde os anos vinte dos setecentos. Hospedou-se o Príncipe Regente na fazenda da Cordoaria de propriedade do Capitão do Regimento de Milícias do distrito de Inhomirim, João Antonio da Silveira Albernaz, que também recebeu como retribuição pela sua fidalguia, a promoção ao posto de Coronel. Aproveitando a estada na região da Estrela, D. João foi conhecer as obras da calçada de pedra no trecho da serra acima, que buscava o Córrego Seco. Os trabalhos haviam sido […] Read More

ATÉ QUE A MORTE OS LIBERTE

  ATÉ QUE A MORTE OS LIBERTE Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima Já os latinos falavam de dias fastos e nefastos; de coincidências venturosas e desafortunadas; de destinos que se cruzam para celebrar a harmonia ou para lamentar a discórdia, a controvérsia, a contradição. Só a morte liberta de verdade os que, durante a vida, por longo ou curto espaço de tempo, experimentaram o cruzamento de seus caminhos para viverem o inferno na terra. E, por isso mesmo, muita vez, só a morte é a coincidência feliz. Prudente José de Moraes Barros, nasceu em Itu a 4 de outubro de 1841, dia consagrado a São Francisco de Assis. Portanto, veio ao mundo muito bem auspiciado. Perdeu o pai tragicamente. Um escravo o assassinou covardemente e pagou com a vida pelo crime que cometera. Estudando na capital da então província de São Paulo, chegou à Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em 1859. Colou grau em 1863. Radicou-se então em Piracicaba, montando ali banca de advogado. Filiado ao Partido Liberal, ingressou na política e foi, no antigo regime, várias vezes, presidente da Câmara piracicabana e deputado provincial. Depois do histórico manifesto de 3 de dezembro de 1870, ingressou Prudente de Moares no Partido Republicano e tornou-se um dos principais organizadores da agremiação em São Paulo. E quando a república raiou no horizonte brasileiro, Prudente José de Moraes Barros foi logo nomeado governador de seu Estado natal. Foram onze meses de profícuo trabalho, que contemplou algumas reformas importantes em diversos setores da administração paulista. Presidente da assembléia nacional constituinte, encaminhou com sucesso a elaboração da primeira Carta republicana, afinal promulgada em 24 de fevereiro de 1891. Em junho daquele ano, foi eleito Vice-Presidente do Senado Federal. Em reunião de 25 de setembro de 1893, o Partido Republicano indicou-o, por unanimidade de votos, candidato à presidência da República, para cumprir o quatriênio a iniciar-se em 15 de novembro de 1894. Feriu-se o pleito a 1º de março desse ano e, apesar do desinteresse geral, as urnas consagraram os nomes do paulista Prudente de Moraes para Presidente da República e do baiano Manoel Victorino Pereira, para Vice. O Congresso Nacional, na sessão de 22 de junho de 1894, reconheceu e proclamou os eleitos, que tomaram posse a 15 de novembro, em melancólica cerimônia. Avultavam em Prudente de Moraes […] Read More

REPÚBLICA É FILHA DE REVANCHISTAS (A)

  A REPÚBLICA É FILHA DE REVANCHISTAS Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima Embora tenha sido péssimo aluno de física, hoje, com a maturidade, vejo que aquelas leis, que me pareciam bicho de sete cabeças, são de uma clareza absoluta e facilmente assimiláveis. São mesmo intuitivas. Uma delas, diz que a cada ação corresponde uma reação igual e em sentido contrário. Aplicada à vida em geral, essa lei nos ensina que o ressentimento provocado em alguém desencadeia uma reação igual e em sentido contrário, qual seja o revanchismo. Daí redunda a certeza de que o ressentido é revanchista. A História, que não pode deixar de ser uma fonte permanente de consulta, para que possamos entender o que se passa em torno de nós no momento presente, traz no seu bojo inumeráveis exemplos da verdade axiomática acima enunciada. O ressentimento de Brutus em relação a Cesar, provocou-lhe o revanchismo contra este. Foram os revanchistas que fizeram a Revolução Francesa, a revolução Russa, as guerras de independência na América, que forçaram a abdicação de Pedro I e que acabaram com o Segundo Reinado. O ressentimento medra nos desvãos sombrios e sinistros da injustiça, da preterição, do amor próprio ferido, do interesse contrariado, do ciúme, da inveja, da rejeição, da perda, do abandono, do desprezo, da frustração, de tudo quanto fica mal resolvido. Pode ser pessoal ou coletivo, mais ou menos intenso e durável, mas inelutavelmente provocará a reação revanchista, ainda que inconsciente e maquinal. Os entendidos na vida e na obra do Marechal Deodoro, insinuam uns, afirmam outros, que o Generalíssimo odiava Silveira Martins por causa de u’a mulher que ambos um dia disputaram. E, que um dos motivos que mais encorajaram o Marechal para o golpe de misericórdia na monarquia, foi a possibilidade cogitada pelo governo imperial, de formar um novo gabinete sob a chefia de Gaspar Silveira Martins. E o decreto nº 78 de 21 de dezembro de 1889, cheio de subterfúgios, sofismas e vagas acusações, além de banir o Visconde de Ouro Preto e seu filho, desterrou o prócer gaúcho, que seria forçado a viver num dos paises da Europa. “O Marechal Deodoro da Fonseca, Chefe do Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil, constituído pelo Exército e Armada, em nome da Nação, considerando: que a manutenção da ordem e da paz interna da […] Read More

A PROPÓSITO DE UM PREGÃO

  A PROPÓSITO DE UM PREGÃO Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima Folclore é antes de mais nada, pervivência. É como erva daninha que insiste em permanecer viva, apesar de todos os pesares. O povo, como classe de conduta, é quem o sustenta e cultiva, anônima, coletiva e espontaneamente. O folclore, ao contrário do que muitos pensam, é um ser vivo e dinâmico, adaptável às circunstâncias e às mutações temporais. Universal, na sua essência, toma formas regionais, segundo a formação cultural de cada sociedade onde ocorre. E ele sempre reflete as maneiras de sentir, de pensar e de agir desse povo, classe de conduta, nos meios ditos civilizados. O pregão, como manifestação folclórica da chamada cultura espiritual, tem foros de universalidade e é conhecido desde os tempos mais remotos. É como o povo se expressa para mercar os seus produtos avulsamente, nas feiras e até em estabelecimentos comerciais. É seguro meio de comunicação verbal, entre aquele que oferece e eventualmente pede, chama, pergunta, reclama e, o ouvinte, a titulo ou oneroso ou gratuito. Tal o pregão no seu sentido genérico, independente de hora e de lugar, vivíssimo no seu conteúdo e no seu apelo, mesmo a despeito dos mais modernos métodos de comunicação. A Internet não matou e jamais matará o pregoeiro, legítima pervivência nas sociedades ainda que mais civilizadas. Mas especificamente, o pregão depende das circunstâncias e, desaparecendo certas condicionantes, ele não terá como sustentar-se, apagando-se da memória coletiva, ou morrendo com a voz de quem lhe deu o sopro da vida. Sobreviverá, talvez, dependendo do caso, em outras manifestações da cultura espiritual, mais comumente no adagiário ou nas locuções populares, mas já sem a funcionalidade original. Quem, no início do século XX viveu nos arredores do Porto, Portugal, certamente ouviu o pregão da peixaria anunciando: É do Espinho vivo! Ela mercava os frutos do mar, provenientes da praia do Espinho e queria dizer que estavam recém tirados do mar. Numa época em que não havia geladeira nem freezer, em que os alimentos tinham que ser consumidos ainda frescos, o anúncio da pregoeira era deveras animador e valia atestado de qualidade. Ignoro se essa tradição, tal como foi recolhida por minha avó há oitenta e seis anos, pervive nos arredores do Porto e se o próprio Espinho ainda é capaz de fornecer peixes, camarões e outros […] Read More

ESPINHA DORSAL DA IMPRENSA PETROPOLITANA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX (A)

  A ESPINHA DORSAL DA IMPRENSA PETROPOLITANA NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima O nome é secundário. Na realidade, O Mercantil e a Gazeta de Petrópolis eram elos da mesma corrente e por cerca de 45 anos se constituíram na espinha dorsal da imprensa nestas serras. Senão vejamos: No dia 25 de maio de 1892, circulou o último número de O Mercantil e na altura o periódico em tela estampava na primeira página: “Quando atravessava o trigésimo sexto ano de existência, suspende O Mercantil a sua marcha, tendo passado a outros a propriedade deste estabelecimento. Durante a sua vida procurou sempre esta folha corresponder ao auxílio que constantemente recebeu da família petropolitana, conservando-se em posição de merecer a estima pública, pugnado pelos interesses da pátria, esforçando-se para que o elemento popular mais e mais crente, se tomasse do seu valor. Dificuldades erguidas, foram sempre dificuldades derribadas, a luta era a vida e a direção desta folha lutava. Afinal, motivos de ordem superior determinaram o fato que se operou a 16 do corrente mês, dia em que o estabelecimento passou à nova direção que a si tomou o encargo de satisfazer compromissos de assinaturas e anúncios firmados em datas anteriores, não sendo desse modo em nada prejudicados os nossos valiosos auxiliares. Na próxima quinta feira será publicado o primeiro número da Gazeta de Petrópolis, folha tri semanal dirigida pela firma que desde o dia 16 é proprietária do estabelecimento. Agradecemos aos nossos amigos que sempre nos auxiliaram; desejamos à nova folha toda a sorte e prosperidade”. Saia O Mercantil de cena e logo a 2 de junho de 1892 aparecia a Gazeta de Petrópolis com um editorial de apresentação nos seguintes termos: “Encetamos a nossa marcha e o fazemos com passo firme, porque alenta-nos a esperança de podermos fielmente cumprir o nosso dever. O programa que nós traçamos, – trabalhar para o bem de todos, a quem sabe respeitar os preceitos de fraternidade, nunca é de difícil desempenho. Não visamos outro alvo a não ser o alvejado por aqueles que se consagram ao bem comum, embora sacrificando o interesse próprio. Quando, único prejudicado, nos virmos entre milhares de remunerados, considerar-nos-emos feliz pela felicidade alheia. A Gazeta de Petrópolis solicita um lugar ao lado da imprensa fluminense, que tem trabalhado pelo progresso da […] Read More

ONDE ESTAVA O POVO QUANDO DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA?

  ONDE ESTAVA O POVO QUANDO DA PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA ? Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima Pelo menos desde a antiguidade clássica, o povo tem sido examinado e definido das maneiras mais variadas possíveis. Imagens originalíssimas foram construídas por espíritos superiores, na tentativa de desvendar os mistérios que animam, o que os gregos chamavam de demos e os latinos de vulgus. Platão comparava o povo a um grande animal, do qual é preciso conhecer as manhas, para que se saiba como há de ser ele tratado. Se o animal não tiver quem o amanse, tornar-se-á furioso; se não encontrar quem o guie, não saberá por onde caminhar. Torna-se terrível se não tiver medo e, começando a temer, se perturba e foge. Não é capaz de separar as aparências das verdades. Quando se mete a falar em príncipes, confunde coroas e desfigura majestades. De poderoso freio necessita esse grande animal, porque cegamente corre atrás das novidades. Será uma sorte que ele tenha pouco juízo. Afinal, que seria do mundo se ele se governasse a si próprio? Disse Scipião que o povo é como o mar imóvel por sua natureza, mas conforme os ventos, pode ficar quieto ou proceloso. Catão afirmava que o povo é como a carneirada e que assim como nenhum carneiro obedece a pessoa alguma, se estão todos juntos, seguem o pastor. Do mesmo modo age o povo. E houve quem tivesse alvitrado que a multidão das cabeças que compõe o povo é como canas ou espigas de trigo, que não têm outra inclinação que aquela que lhes dão os ventos, ora para um lado, ora para outro. Há dois séculos e meio, tinha-se o povo de Portugal como insolente; o de Castela, como temerário; o da França, como furioso; o da Alemanha, como precipitado; o da Inglaterra, como atrevido. E o brasileiro? Bem, este, em meados do século XVIII não passava de mera ficção, de uma nebulosa ignota, de contornos indefinidos e vazia de conteúdo. Falava-se do pernambucano, tido como orgulhoso; do paulista, cantado em prosa e verso como devassador de sertões; do mineiro, cuja identidade estava no próprio nome. Mas mesmo assim, esses povos, tomados de per si, não cultivavam uma unidade de pensamento, não tinham objetivos comuns, não pensavam cívica e comunitariamente. Não viam mais que os seus próprios interesses pessoais. Moviam-se […] Read More