Francisco José Ribeiro de Vasconcellos

NA CONTRAMÃO DA HISTÓRIA

NA CONTRAMÃO DA HISTÓRIA Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima No momento em que os chamados revisionistas da História pretendem subverter a ordem das coisas e acanalhar personagens consagradas pelo julgamento sereno de muitas gerações privilegiadas pela perspectiva temporal, para ao mesmo tempo exaltar badamecos oriundos de uma estrumeira qualquer, vale uma reflexão sobre o transcurso neste ano de 1998, do bicentenário do nascimento de D. Pedro I. Não importa o que pensem os tais revisionistas, quase sempre motivados por ideologias pífias e superadas, de que se valem para a satisfação de seus próprios complexos e frustrações. Petrópolis, mais do que qualquer outra cidade brasileira, tem todas as razões para não deixar passar em branco a efeméride, que infelizmente não empolga os portugueses e, ao que tudo indica, também não tem chamado a atenção, no grau em que se esperava, da nossa gente. D. Pedro, quando ainda Príncipe Regente, encantou-se com estas terras, desde que cruzou em março de 1822, na memorável excursão que empreendeu à Vila Rica, para ali fazer serenar os ânimos, exaltados pela efervescência política daquele delicado momento. Temperamental, desabrido, brusco, incoerente, como todo epiléptico, D. Pedro decidiu a viagem de uma hora para outra. Saiu de S. Cristóvão com um mínimo necessário de serviçais e assessores. Simples, sem se preocupar com as agruras do percurso de cerca de 90 léguas, sem cogitar de conforto nos pousos e de recepções pomposas, partiu o futuro Imperador de um golpe e, no mesmo dia em que deixara o Rio de Janeiro, chegou à Fazenda do Padre Corrêa, onde pernoitou. Era a fazenda do Padre Antonio Tomaz de Aquino Corrêa o grande chamariz da chamada Serra Acima, na época em que se deram tais sucessos. Louvada por todos os viajores estrangeiros que por ali passaram no início do século passado, apresentava boas condições de conforto, na simplicidade da casa rural brasileira, ostentando bela produção de frutas e de mantimentos, que faziam o regalo de viajores e tropeiros. D. Pedro não poderia ter escolhido melhor sítio para a sua primeira noite nessa significativa jornada pela Estrada Real de Minas em demanda da Vila Rica do Ouro Preto, com digressão por São João e São José del Rei. E, talvez, naquele primeiro encontro com as terras banhadas pelo Piabanha, na fruição da amenidade do clima e da salubridade reinante […] Read More

PONTE DA SERRARIA (A)

A PONTE DA SERRARIA Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima No começo era o caos. A travessia dos rios fazia-se em canoas, em pinguelas que nem de longe lembravam as pontes, depois nas famosas barcas de passagem. Exceções havia, é lógico: em Pernambuco, mais especificamente no Recife, as pontes chegaram com os holandeses; em São João del Rei, Minas Gerais, tais obras de arte, em pedra e cobrindo o estreito curso d’água chamado Lenheiro, vieram com o esplendor da mineração no século XVIII, a centúria mineira por excelência. Depois do verdadeiro descobrimento do Brasil, isto é, da chegada da Família Real ao Rio de Janeiro, onde permaneceu por treze anos, teve início o ciclo das pontes com superestrutura e soalho de madeira, que em breve tempo começaram a sofrer o assédio daquelas com superestruturas metálicas, que se firmaram e se disseminaram já no fim do século XIX, e, princípios deste que está por findar-se, até que reinasse o tempo das pontes e viadutos de concreto, cada vez mais sofisticados. Tal a resenha histórica das nossas pontes, tão úteis na travessia dos incontáveis cursos d’água que cruzam nas mais diversas direções essa interminável vastidão brasileira. Bem elucidativo é o decreto de 20 de fevereiro de 1818, que tratando de uma das principais vias de comunicação da capital do Brasil – Reino com a Província de Minas Gerais e adjacências, consignou nas consideranda: “Constando na minha real presença os incômodos que sofrem os viajantes na passagem dos rios Paraíba e Paraibuna, sendo esta feita em barcas ou canoas, principalmente no tempo das cheias destes rios, e querendo facilitar e promover as recíprocas comunicações dos meus vassalos para bem do comércio e agricultura, que não podem prosperar no interior deste vasto Reino sem que se ponham em bom estado as estradas e se construam pontes nos rios que as separam…” Era o governo de D. João VI sensível aos problemas que afligiam o Caminho das Minas Gerais pelos futuros chãos de Petrópolis, então pertencentes às freguesias de Inhomirim e de São José da Serra (depois do Rio Preto). E dessa preocupação, mormente no que concernia ao cruzamento dos rios Paraíba e Paraibuna, nasceu o decreto em epígrafe, que determinava: “Sou servido ordenar que o produto do imposto que até agora se tem cobrado para a obra da Serra da Estrela, […] Read More

COM O BICO N’ÁGUA MORRENDO À SEDE

COM O BICO N’ÁGUA MORRENDO À SEDE Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima Não há nesta velha província fluminense região mais bem provida de cursos d’água que a baixada campista. Entretanto, toda essa riqueza hidrográfica praticamente de nada serviu ao longo dos séculos para o desenvolvimento daquela área aparentemente privilegiada. Faltaram, ao fim e ao cabo, recursos e vontade política. A história tem demonstrado que a tecnologia aliada à determinação administrativa é capaz de sobrepujar os grandes obstáculos oferecidos pela natureza. Estão aí os canais de Suez e do Panamá, para confirmar essa verdade inelutável. Num relatório presidencial do ano de 1860, Inácio Francisco Silveira da Motta, então à frente dos destinos fluminenses, afirmava, ao tratar das vias navegáveis de sua província, que Campos dos Goitacazes contava com as seguintes alternativas: 1º – o rio Paraíba, de sua foz até São Fidélis, por onde podiam transitar canoas, barcos e pequenos vapores. Entretanto, as muitas cachoeiras fidelenses, onde justamente o terreno sofre enorme enrugamento, impediam a navegação normal rio acima. Apenas algumas canoas ousavam romper os obstáculos naturais, atingindo a Aldeia da Pedra (Itaocara) e mesmo o Porto Velho, no município de Cantagalo. 2º – o rio Muriaé, afluente do Paraíba pelo lado norte, com apenas 8 léguas (cerca de 50 kms) aproveitáveis para o curso de barcos e canoas. 3º – o rio Preto, afluente do Paraíba do lado sul, com 4 léguas (em torno de 25 kms) navegáveis por canoas no tempo das águas. 4º – os Dois Rios, também tributários do Paraíba pelo sul, permitindo precaríssimo trânsito a pequenas embarcações. 5º – o rio Pomba, também dificultado pelas cachoeiras. 6º – o rio Itabapoana, navegável da foz até 12 léguas (cerca de 75 kms) rio acima. 7º – a lagoa Feia, permitindo navegação em toda a sua circunferência, onde desemboca o rio Ururaí, percorrido por canoas até a lagoa de cima, que também é toda navegável. 8º – o rio Imbé, tributário da lagoa de cima, que carecia na altura de alguns melhoramentos, para permitir o escoamento dos produtos do então vasto município de Cantagalo. 9º – o rio Urubu ou Quimbira, que apesar de curto podia prestar-se à navegação por canoas de médio porte. 10º – o rio Macabu, que fazia a divisa dos municípios de Campos e Macaé, navegável por canoas até os […] Read More

LICEU DE ANGRA DOS REIS (O)

O LICEU DE ANGRA DOS REIS Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima Somos um país sui generis e bastante paradoxal. Contrariando velho brocardo jurídico, quase sempre podemos o mais e raramente o menos. Tivemos uma Escola de Belas Artes, antes de termos um ensino primário regular e uniformemente disseminado. Na colônia, éramos proibidos de saber, de publicar periódicos, de editar livros. A Universidade era para uns raros privilegiados e estava bem distante da bolsa comum. Para chegar lá, era preciso atravessar o oceano, acercar-se do Mondego e subir a colina de Coimbra. O veterano e austero edifício coimbrão, mais parecia um castelo, sobranceiro ao burgo. Fortaleza inexpugnável, a não ser para uns poucos ungidos pela fortuna, ou por uma parcela do direito divino, privativo dos reis. Independentes, no grito e no papel, tivemos duas faculdades, já no fim dos anos vinte do século XIX. Mas o ensino primário seguia uma choldra e o secundário era uma nebulosa. Alcançamos, nós fluminenses, o status de província, em 1835, desligados que fomos do chamado Município Neutro da Corte. Em 1839, governava o nosso torrão, Paulino José Soares de Souza, grande prócer do Império, tronco de frondosa árvore de ilustres conterrâneos. A 13 de abril daquele ano, último da Regência, ele sancionava a lei de nº 143, que no seu artigo 1º, rezava: “O Seminário de Jacuecanga fica ereto em liceu provincial.” Dava-se assim um passo gigantesco na implantação do ensino secundário na Província do Rio de Janeiro. Jacuecanga, pertencente ao município de Angra dos Reis, tinha assim a glória de tornar-se berço dessa iniciativa pioneira. As cadeiras, da nova instituição de ensino, vinham discriminadas no artigo 2º da lei em apreço: primeiras letras e gramática portuguesa, gramática latina, grego, francês e inglês, retórica e poética, filosofia racional e moral, matemática, geografia e história. O artigo 15 da lei 143 dizia que o liceu seria transferido o mais breve possível, de Jacuecanga para Angra dos Reis, ficando o Presidente da Província autorizado a localizá-lo no Convento de São Bernardino. Para sair da utopia do texto legal para a dura realidade de uma província carente de tudo, apesar dos vultosos lucros propiciados pela cultura cafeeira, o liceu angrense teve que gramar penoso caminho. O convento de São Bernardino era apenas uma promessa difícil de ser realizada. João Caldas Vianna, no seu relatório […] Read More

CABOCLO VARELA

CABOCLO VARELA Francisco José Ribeiro de Vasconcellos Das entranhas da Serra do Mar, das vertentes dos tributários dextros da ribeira sul paraibana, por entre os cafezais e bananeiras, brotou a energia necessária que faria esturrar, aos 17 de agosto de 1841, o Cabloco Varella, força telúrica e cósmica ainda não captada pelos radares dos radares dos arraiais umbandistas. Sim, porque ninguém foi mais cabloco do que ele, seja por sua índole libertária, seja por seu desapego da matéria, seja por seu devotamento à natureza, seja por seu romantismo tropicalista, seja por sua elaboração poética, que atinge o clímax com o Evangelho nas Selvas. Cabloco total, encantador, meteoro neste planeta de balizamentos inexoráveis, eternidade no panteão do universo sideral. Faltam-lhe as preces, os cantos e os ingredientes propiciatórios, que lhe permitam espargir um pouco mais de luz e de alento neste mundo barbarizado pelo materialismo mais abjeto e pernicioso. Luiz Nicoláo Fagundes Varella, rebento da Fazenda Santa Rita, em Rio Claro, Estado do Rio de Janeiro, é o Cabloco de quem falo, andarilho, física e mentalmente, em correrias pela vastidão brasileira, e pelos espaços cósmicos para onde o levavam o verso e a rima . Teria a genealogia explicação para esse duplo delírio ambulatório? Ou seria o poeta rioclarense, na forma e no conteúdo, sem ascendentes e descendentes, elos dessa mesma cadeia errante? No centro da praça principal da pobre cidade sul fluminense de Rio Claro, há modesto monumento em memória da gigantesca fulguração espiritual. Enorme desproporção entre o continente e o conteúdo. O marco não tem imponência dos que foram erigidos em Salvador, em homenagem a Castro Alves, em São Luiz para comemorar Gonçalves Dias, em Delft, para recordar Hugo Grotius, em Orleans para perpetuar a lembrança de Joana D’Arc . Apenas o busto do poeta/cabloco, sobre discreto pedestal, onde se lê, em uma de suas faces: 1841 – 1875 Embora o sopro ardente da calúnia /Crestasse os sonhos meus, / Nunca descri do bem e da justiça, /Nunca descri de Deus. (L.N. Fagundes Varella) Trinta e quatro anos apenas viveu o poeta; trinta e quatro anos peripatéticos, Aasverus redivivo por Seca e Meca, ora em Rio Claro, ora em Angra dos Reis, ora em Petrópolis, ora em Catalão, ora em São Paulo, ora no Recife, ora sem destino, por léguas e léguas na busca quiçá do fim do mundo. E neste insípido giro,/Neste viver sempre a esmo,/Vale a pena […] Read More

AGENDANDO AS CELEBRAÇÕES DE 1997

  O ano da graça de 1997 vem com força total no campo das relembranças, das rememórias que levam fatalmente à reflexão e ao exercício saudável de sempre repensar a história ao embalo da efeméride. No plano doméstico, isto é, no que concerne à ribeira do Piabanha, 1997 marca o transcurso do sesquicentenário da morte de Júlio Frederico Koeler, acontecimento que bem merecia um colóquio nos moldes daquele patrocinado pelo I.H.P., em julho de 1995, quando se comemoraram os 150 anos da colonização germânica em Petrópolis. Fica pois a sugestão, com quase um ano de antecedência, já que foi num 21 de novembro que se deu o trágico desaparecimento do responsável pelo plano urbanístico desta povoação, que receberia foros de cidade em 1857 dez anos após a morte de seu benfeitor. Há cem anos, no mês de abril, a Câmara Municipal de Petrópolis entregava ao trânsito público a nova ponte que ela mandara construir sobre o rio Piabanha, deante do Matadouro (o velho) e, a Biblioteca Municipal, já possuidora de alentado acervo, ganhava seu regulamento. Há noventa anos, fundava-se aqui o Tênis Clube, que haveria de ser o point da sociedade carioca em vilegiatura nestas serras, até o fim da segunda guerra mundial. Foi também em 1907 que o Automóvel Clube fez o primeiro ensaio rodoviário no eixo Rio-Petrópolis, ponto de partida do grande cometimento que marcaria o governo de Washington Luiz, duas décadas depois. E naquele já distante 1907, Julio Roca, duas vezes presidente da Argentina, faria sua segunda visita a esta cidade. Há oitenta anos, ativavam-se aqui os movimentos operários, sucedendo-se as greves por melhores salários e conquistas sociais, enquanto morriam Oswaldo Cruz, primeiro Prefeito desta urbe e Alberto de Seixas Martins Torres, que de Petrópolis comandara os destinos fluminenses, entre 1898 e 1900, quando a capital do Estado do Rio de Janeiro esteve plantada neste pedaço de chão serrano. Há setenta anos, o Dr. Paula Buarque chegava à Prefeitura, para fazer uma administração digna de todos os elogios; há sessenta, morriam Frei Luiz Reinke e o poeta Alberto de Oliveira, que viveu longos anos nesta urbe; há cinquenta, Petrópolis sediava monumental conferência que reuniu em Quitandinha a nata do poder nos estados americanos, ao tempo em que levava ao túmulo Arthur Alves Barbosa, jornalista aqui chegado por força da Revolta da Armada de 1893, que aqui fez brilhante carreira, conduzindo os destinos da Tribuna de Petrópolis, por […] Read More

PRIMEIRO LICEU DE CAMPOS DOS GOITACAZES (O)

O PRIMEIRO LICEU DE CAMPOS DOS GOITACAZES Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima Poucas comunas fluminenses, quer no antigo, como no atual regime, experimentaram tão harmônico, permanente e bem disseminado desenvolvimento, quanto São Salvador dos Campos dos Goitacazes. Já no alvorecer do segundo reinado, ali se iniciaram, entre outros, os trabalhos da construção de u’a muralha ao longo da margem direita do rio Paraíba; da abertura dos canais do Nogueira e Campos/Macaé; da ponte sobre o rio Paraíba; da abertura de uma estrada ligando Campos a Cantagalo; da implantação de um liceu provincial na sede do município. A 20 de fevereiro de 1843, o Imperador nomeava o campista João Caldas Vianna (1806/1862), Presidente da Província do Rio de Janeiro, cargo que o mesmo ocuparia até 11 de abril de 1844. Enérgico, destabocado, sem papas na língua, o filho da histórica fazenda dos Airizes, hoje vergonhosamente em ruínas, fez um ano de profícua administração, obrando em múltiplas direções, deixando, ao fim e ao cabo, as marcas indeléveis de seu talento e de sua força de vontade nos anais da vida provincial durante a monarquia. No seu relatório de 5 de março de 1843, apresentado à Assembléia Provincial, falando da instrução pública em terras fluminenses, enfatizou: “Não julgo que esta capital (Niterói) necessite já de um liceu idêntico (ao de Angra dos Reis), pela proximidade em que está da Corte, onde existem estabelecimentos sofríveis de instrução primária e secundária; mas certamente, para o norte da província, reputo uma necessidade; e bom serviço, pois, faríeis à província, dotando com um liceu a cidade de Campos, o lugar mais longe da província, inquestionavelmente. Este liceu, porém, deverá ser montado, de maneira que pudesse espalhar algumas luzes sobre a agricultura, estabelecendo-se cadeiras aprovadas para tal fim”. Teoricamente, tinha inteira razão o campista, não por bairrismo, mas por entender que, se já existia um liceu no sul da província, seria válido criar-se um outro ao norte dela, numa região eminentemente agrícola, onde deveria ter ênfase o ensino profissionalizante nesta área. Foi por certo sintonizada no mesmo canal do Presidente Caldas Vianna, que a Assembléia Provincial votou a lei 304 de 14 de março de 1844, que rezava no seu artigo 1º: “Haverá na cidade de Campos dos Goitacazes um liceu provincial.” O artigo 2º, estabelecia quais seriam as cadeiras do novo estabelecimento de ensino: […] Read More

HEROÍSMO E CIRCUNSTÂNCIA

Victor Hugo, glória da raça latina, dizia que o herói é apenas uma variedade de assassino. Dependendo do posicionamento e da eventual paixão do observador, o herói pode ser visto como bandido e vice-versa. E não há dúvida alguma que a circunstância pode criar tanto um quanto o outro. Tudo isso vem a propósito da verdadeira canonização de Benjamin Constant Botelho de Magalhães, logo no alvorecer da República, e da injustificável execração do Imperador D. Pedro II e de sua família, por parte daqueles que implantaram o novo regime no Brasil. No dia 16 de novembro de 1889, o governo provisório da recém-fundada República enviou mensagem ao Imperador deposto, em que dizia entre outras coisas: “Em face desta situação, pesa-nos dizer-vo-lo e não o fazemos senão em cumprimento do mais custoso dos deveres, a presença da família imperial no país, ante a nova situação que lhe criou a resolução irrevogável do dia 15, seria absurda, impossível e provocadora de desgostos que a salvação política nos impõe a necessidade de evitar. Obedecendo pois às exigências do voto nacional, com todo o respeito devido à dignidade das funções públicas que acabais de exercer, somos forçados a notificar-vos, que o governo provisório espera do vosso patriotismo o sacrifício de deixardes o território brasileiro, com a vossa família, no mais breve tempo possível. Para esse fim se vos estabelece o prazo máximo de vinte e quatro horas, que contamos não tentareis exceder”. Apesar dos respeitosos termos constantes desse trecho da mensagem enviada a D. Pedro II e, nem poderia ser diferente, o texto deixava a nu uma verdadeira bofetada com luva de pelica. Como exigir-se de uma família radicada no país desde o nascimento, onde tinha ela raízes, patrimônio, interesses pessoais, pertences, biblioteca, arquivos, objetos de estimação, que esta mesma família deixasse inopinadamente sua terra no prazo exíguo de 24 horas, levando-se em consideração, que nenhum de seus membros havia esboçado qualquer reação ou resistência ao golpe de 15 de novembro? Como prova da dignidade conformada da Família Imperial, leia-se a resposta altiva e elegante do Imperador aos que o intimavam de forma tão impertinente: “À vista da representação escrita que me foi entregue hoje às 3 horas da tarde, resolvo, cedendo ao império das circunstâncias, partir com toda a minha família para a Europa, amanhã, deixando esta pátria de nos estremecida a qual me esforcei por dar constantes testemunhos de entranhado amor e […] Read More

PORCIÚNCULA GOVERNADOR DO MARANHÃO

  De vida curta mas intensa, José Thomaz da Porciúncula, era do ponto de vista do ius sanguinis, filho de pai gaúcho e de mãe fluminense, ele de Jaguarão, na fronteira com a Republica Oriental do Uruguai, ela da região de Magé e Suruí. Nasceu José Thomaz em Petrópolis a 25 de dezembro de 1854. Morreu no sábado 28 de setembro de 1901, a 1 hora da madrugada de angina pectoris. Tinha 47 anos incompletos. Órfão de pai aos 7 anos, nem por isso deixou de cumprir o currículo normal de uma criança comum e corrente de sua idade e de seu status social. Cursou o Colégio Pedro II. Matriculou-se em 1872 na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Aprovado com distinção, ao apresentar sua tese no último ano de estudos médicos, filiou-se ao Clube Republicano presidido na altura por Joaquim Saldanha Marinho. Ainda na Corte, foi diretor e co-proprietário da Casa de Saúde São Sebastião na rua Bento Lisboa, Catete. Foi também membro fundador da Sociedade de Medicina e Cirurgia. Casou-se, segundo os noticiários ( não confirmado ainda documentalmente ) em 1878 com D. Luiza de Melo Franco, filha do Dr. Manoel de Melo Franco, figura proeminente da Revolução Liberal de 1842. Em 1882 transferiu-se para Petrópolis, onde criou o Clube Republicano da cidade, do qual nasceu o Partido do 9º Distrito que o elegeu para a Assembléia Provincial para cumprir o biênio 1884/1885. No ano seguinte, apresentou-se como candidato republicano à mesma assembléia, com circular firmada também pelo Dr. Santos Werneck, que assim terminava: “Quem votar em nós, votará em nossas idéias. Somos republicanos”. Nos estertores da monarquia nestas serras, Porciúncula era o homem do momento, o que representava as novas idéias. O político de impacto, corria paralelo ao médico humanitário e simples. Proclamada a Republica, tudo fazia crer que o jovem militante fosse guindado ao governo de sua terra, a ex-província fluminense. Mas, Quintino Bocaiúva havia se antecipado aos acontecimentos levando a Deodoro no próprio dia 15 de novembro o nome de Francisco Portela, que assim foi o primeiro governador do Estado do Rio de Janeiro. Mas, logo no princípio de janeiro, Porciúncula teria que aceitar desafio bem maior, quando foi nomeado para dirigir os destinos do complicadíssimo Maranhão. O jornal Mercantil, que se editava aqui desde 1857, abriu espaço na edição de 4 de janeiro de 1890, para publicar matéria do republicaníssimo Thomaz Cameron sobre […] Read More

EDWIGES DE QUEIROZ OITENTA ANOS DEPOIS

  Parte 1 Legítimo rebento da zona rural fluminense, Manoel Edwiges de Queiroz Vieira veio ao mundo a 17 de outubro de 1856, na fazenda Bengalas, na então freguesia de Santana de Macacu, no atual município de Cachoeiras de Macacu.(1) (1) – Quando Edwiges de Queiroz nasceu, a então freguesia da Santíssima Trindade e Santana de Macacu, pertencia ao velho município de Santo Antonio de Sá, com sede na vila do mesmo nome, tendo sido esta criada em 15 de maio de 1679. Por questões de insalubridade, o decreto nº 1379 de 6 de novembro de 1868, transferiu o caput do município para a freguesia de Santana de Macacu. Em 29 de setembro de 1877, através do decreto nº 2244, o governo provincial modificou o nome daquela comuna fluminense, que passou a chamar-se Santana de Macacu, uma vez que há nove anos ali estava funcionando a sede municipal. Em 10 de dezembro de 1898, nova alteração de nome – Santana de Japuiba, e, em 27 de dezembro de 1923, deu-se mais uma transferência de local, passando a vila a funcionar na povoação de Cachoeiras de Macacu, que recebeu foros de cidade a 27 de dezembro de 1929. Seus pais foram o Coronel Emygdio Antonio Lopes Vieira e D. Deomethides de Queiroz Vieira. Criança ainda, sofreu acidente numa tacha de açúcar. O melado fervente mutilou-lhe a mão direita. O defeito físico perseguiu-o a vida toda. Muito vaidoso e elegante, jamais apareceu em público sem que tivesse a destra discretamente escondida no bolso da calça. Não há uma só fotografia sua em que a mão sinistrada se faça visível. Seus implacáveis adversários na vida pública fizeram desse infortúnio uma arma para feri-lo. A alcunha pejorativa de “Mãozinha” foi glosada em prosa e verso nos discursos inflamados, nas badernas de estudantes, nas sátiras populares, nas colunas desabridas e ferozes da imprensa. Aluno interno do Colégio Pedro II, bacharelou-se em humanidades em fins de 1874. No ano seguinte rumou para São Paulo onde matriculou-se na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, colando grau em Ciências Jurídicas e Sociais em 1879. De volta à terra natal, aí exerceu a advocacia por algum tempo. Em 1885 foi nomeado pelo Governo Imperial juiz municipal e de órfãos do termo de Santana de Macacu. Em 1887, acolhida sua solicitação, conseguiu transferência para o termo de Rio Bonito, mantendo-se na judicatura até 1889, quando já proclamada a […] Read More