AS GRANDES DAMAS DO RIO NEGRO NA REPÚBLICA VELHA Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima O mesmo “artista” investido das funções de guia turístico que inventou o Barão de Itararé como proprietário do castelo na esquina da Avenida Koeler com a Praça da Liberdade afirmou de peito estufado, diante de seus crédulos clientes, que o Palácio Rio Negro foi a residência de verão de todos os Presidentes da República, de Deodoro a Juscelino. Nota zero para o trêfego informante. No caso específico do Palácio Rio Negro, é de se esclarecer que, antes de servir aos primeiros mandatários da Nação, foi ele sede do governo do Estado do Rio de Janeiro, quando a capital aqui esteve entre 1894 e 1903. Ali viveram os Presidentes Maurício de Abreu (1895/1897), Alberto Torres (1898/1900) e Quintino Bocayuva (1901/1903). Depois que a capital voltou para Niterói, o imóvel em epígrafe foi negociado com o Governo Federal e assim o primeiro Presidente da República a ocupá-lo foi Francisco de Paula Rodrigues Alves. Depois esteve ali em três temporadas o mineiro Afonso Pena. Morrendo em meados de 1909 no pleno exercício de seu cargo, foi imediatamente sucedido pelo Vice Nilo Peçanha, que, cumprindo o final do mandato presidencial, desfrutou apenas de um verão no Palácio Rio Negro, o de 1910. É justamente aí que aparece a primeira grande dama na ocupação daquele próprio federal. O campista Nilo Peçanha, político ardiloso e ladino, malabarista na arte do possível, era casado com uma sua conterrânea, Ana Belisário de Souza, filha do advogado João Belisário Soares de Souza e de Ana Rachel Ribeiro de Castro Soares de Souza. O Dr. João Belisário era, por sua vez, filho do Desembargador Bernardo Belisário Soares de Souza e de Mariana Álvares de Azevedo Macedo Soares. Por um lado era primo do Visconde de Uruguai, Paulino José Soares de Souza e por outro do poeta Álvares de Azevedo. Entrocava-se na família Macedo Soares, uma das melhores linhagens brasileiras, com raízes na nobreza européia, conforme genealogia levantada, publicada e sobejamente conhecida aquém e além fronteiras. Já D. Ana Rachel era filha do Comendador José Ribeiro de Castro, Visconde de Santa Rita e de D. Maria Antonia Netto de Castro. O Comendador, que fora Barão por decreto de 19 de julho de 1879 e Visconde por decreto de 13 de outubro de 1883, […] Read More
VERDADEIRO CONSOLIDADOR DA REPÚBLICA (O)
O VERDADEIRO CONSOLIDADOR DA REPÚBLICA Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima A ala do “Ordem e Progresso”, a turma do golpe que derribou a Monarquia e instaurou a República entre nós, o grupo dos radicais seguidores de Benjamin Constant, a facção histérica e jacobina que secundava o sanguinário caudilhete Moreira César, os paranóicos que em cada atitude, movimento ou manifestação, enxergavam o espectro do então chamado sebastianismo, alçaram Floriano Peixoto aos cornos da lua, proclamando-o consolidador da República. Nunca estive e sigo não estando de acordo com esse entendimento. A Revolta de 6 de Setembro de 1893, dita da Armada, foi palanque e vitrine do “Marechal de Ferro” e a guerra no sul que fez o pano de fundo de quase todo o seu período governamental, não foi liquidada por ele. De resto Floriano foi um sargentão medíocre e mesquinho, sem qualquer visão de estadista, que a pena sublime de Lima Barreto caricaturou no “Triste Fim de Policarpo Quaresma”. Quem realmente consolidou a República, foi Prudente José de Moares Barros, com sua capacidade de resistência, com seu estoicismo, com sua paciência, com sua vontade consciente de colimar objetivos condoreiros, com sua índole pacificadora, com sua compreensão, com sua coragem de arrostar qualquer dificuldade em benefício de sua pátria e de seu povo. E não lhe faltaram obstáculos, crises, problemas aquém e alem fronteiras, traições e atentados. E como condimento necessário, uma tremenda luta entre facções políticas que provocou o racha no Partido Republicano Federal. De um lado os florianistas inconformados a contarem com o apoio, no âmbito nacional, do Vice-Presidente Manoel Victorino Pereira e no fluminense, de Nilo Peçanha; de outro, os prudentistas, prestigiados pelos cafeicultores paulistas e no Estado do Rio de Janeiro, pelo líder José Thomaz da Porciúncula. Foi a 15 de novembro de 1894 que Prudente de Moares tomou posse de seu cargo de Presidente dos Estados Unidos do Brasil. Ia cumprir o primeiro quatriênio regular da história republicana do país. Mas o clima tenso que dominara o seu mandato, já se fazia sentir desde o primeiro momento, dado que o Marechal Floriano se negara a transmitir-lhe o cargo, abandonando precipitadamente o Palácio Itamarati, então sede da Presidência da República. Sete meses depois, morria o Marechal, mas o seu cadáver, como ocorreria mais tarde com o de Getúlio Vargas, serviu de bandeira para os […] Read More
BARÃO DO RIO BRANCO: MAIS VIVAS DO QUE MORRAS
Ninguém jamais agradará a Deus e ao Diabo ao mesmo tempo. Os que acendem velas a um e outro se estrepam, segundo o velho dito popular. Nessa linha de raciocínio tem-se que ninguém terá a unanimidade dos juízos a seu favor, principalmente quando se detém os cordéis do poder e a capacidade de distribuir benesses, de contrariar interesses, de criar facilidades ou obstáculos. A evidência e a fama, frutos desse poder e dessa capacidade, despertam fatalmente simpatias e idiossincrasias, aplausos e vaias, paixões e ódios. Assim ocorreu com o Barão do Rio Branco, o ministrão da primeira década do século XX, o homem que comandou com plenos poderes a política externa brasileira, liquidando velhas pendências, fechando em definitivo o perímetro do nosso território, intervindo nas questões continentais, como mediador de inegáveis recursos intelectuais e de incontestável talento diplomático. Mudavam os governos – Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha, Hermes da Fonseca, mas o Barão com seus mapas, documentos, estudos, arrazoados e mil idéias, seguia firme no timão do Ministério das Relações Exteriores até que a morte o surpreendesse em pleno labor às vésperas do Carnaval de 1912. Sua falta foi tão sentida, quer nos meios oficiais, quer no âmbito popular, seu enterro foi de tal sorte apoteótico, verdadeira consagração promovida por todos os segmentos sociais, que chegou-se a cogitar da transferência das festas de Momo para outra ocasião. Mas apesar de tudo isso, apesar das muitas simpatias e admirações que despertou no Brasil e nas circunvizinhanças, o Barão teve também opositores ferrenhos, aquém e além fronteiras, que não lhe pouparam críticas e até ataques agressivos. Entre nós, a pena ressentida e revanchista de Lima Barreto nunca deu trégua ao Barão. Para o autor do “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, o Barão do Rio Branco era um eterno sinecurista do governo, despótico a ponto de não reconhecer o limite entre a coisa pública e a privada. Era uma alusão ao hábito do Ministro de morar no Rio de Janeiro no seu próprio local de trabalho, o Palácio Itamarati e de fazer de sua casa em Petrópolis uma espécie de sucursal da chancelaria e um salão de festas onde recebia oficialmente o corpo diplomático. Crítica bastante mesquinha a um homem que não tinha hora para começar nem para encerrar seu expediente, que varava as madrugadas sobre livros e papéis de modo a preparar as defesas de suas posições, os textos dos […] Read More
NÃO SÃO DE HOJE OS CRIMES AMBIENTAIS EM PETRÓPOLIS
Em 12 de novembro de 1891, naquele período crítico da República recém nascida, que mediou entre o golpe desfechado por Deodoro da Fonseca contra o Congresso e a renúncia desse prócer republicano ao cargo de Presidente do Brasil, aqui em Petrópolis, Antonio Augusto de Souza Leite perguntava ao então Conselho de Intendência Municipal, chefiado por Ildefonso Carlos de Azevedo Dutra, se o mesmo havia permitido a canalização e desvio do curso natural das águas que corriam pelo vale existente no lugar denominado Costa Gama. Por certo a turbulência política, a revolução que pôs termo ao governo Portela, em princípios de dezembro de 1891 e que varreria do cenário petropolitano a Intendência supra citada, impediram que ficasse registrada nos anais a resposta à consulta em boa hora levantada e que dava a entender que mãos clandestinas e criminosas haviam, a revelia do poder público, desviado as águas naturais que corriam pelo vale em apreço e, o que é pior, canalizando-as. Esse tipo de infração já estava previsto no Código de Posturas da Vila da Estrela, aprovado provisoriamente pelo Presidente Aureliano Coutinho em 1º de fevereiro de 1847. Dizia o artigo 52 desse diploma legal: “Fica proibido fazer escavações nas margens dos rios, nos aterros e valas, fazer cortes de madeiras e tirar barro para olarias, ou para qualquer obra de forma que cause estagnações das águas; assim como estreitar os mesmos rios e valas com cercados, ou tapumes, fazer cortes nos rios ou mudar o curso de suas águas: o infrator será condenado em trinta mil reis de multa” . ( grifo meu ) É de se observar que Petrópolis, antes de ter o seu próprio código de posturas municipais, o que somente aconteceu em 1893, guiou-se pelo estatuto da Estrela, vila a qual pertenceu até 1857, quando a 29 de setembro deu-se a emancipação destes chãos serranos, criando-se o município e a cidade. E mesmo depois desse grande evento, o Código de Posturas da mais tarde extinta vila da Estrela seguiu produzindo aqui seus devidos e legais efeitos, mesmo a despeito de serem votadas umas que outras posturas durante os trinta anos derradeiros da monarquia brasileira. Também o Código de Posturas de Itaboraí, que veio a furo em 28 de janeiro de 1882, determinava no artigo 88: “Estreitar, tapar, entulhar, ou desviar em todo ou em parte, valas públicas, rios, córregos, fontes de serventia pública, ou fazer sobre elas […] Read More
ANTIPLATÔNICO BARÃO DO RIO BRANCO (O)
O ANTIPLATÔNICO BARÃO DO RIO BRANCO Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima Para uma permanência de três meses, desembarcou no Rio de Janeiro numa radiosa manhã de domingo, em novembro de 1910, o polígrafo chileno Joaquim Edwards Bello. Espírito cultivado, alma sensível, com aquela permanente ponta de humor característica dos seus compatriotas, Edwards Bello, de lápis em punho anotou incontáveis aspectos da vida brasileira, do fim da primeira década deste século, e, reuniu tanto material que deu à luz, em 1911, o precioso volume intitulado “Três Meses em Rio de Janeiro”. O jovem chileno chegava justamente quando extertorava o tumultuado quatriênio Afonso Pena/Nilo Peçanha e quando ia ter início a era hermista, marco do começo da decadência da República Velha. Bello acompanhou os lances da Revolta da Chibata que irrompera na Guanabara em 24 de novembro de 1910; analisou o comportamento extravagante de representante diplomático de seu país, o irrequieto Francisco Herboso; criticou a maneira como os argentinos tratavam os brasileiros; falou da nossa musa popular, de João do Rio, de Ruy Barbosa, do Barão do Rio Branco, das águias do Palácio do Catete e, como não podia deixar de ser, das relações chileno-brasileiras. O ilustre viajor andino, não fazia parte da claque que vivia incensando o nosso grande Chanceler, o Barão do Rio Branco. No seu entender, era ele o grande culpado pelo arrefecimento da velha e tão alardeada amizade entre Brasil e Chile, máxime durante o segundo reinado. Sobre o Barão, logo no início do livro, disse estas palavras que raros de seu tempo, nacionais ou estrangeiros, ousaram pronunciar, quanto mais escrever: “No meio da fumaça da pólvora e do ruído das fanfarras e clarins aparecem as grandes figuras dos imperialistas da grande República e, dominando-as, surge a enérgica efígie do chanceler vitalício, o Barão do Rio Branco, o artificioso comediante que maneja os fantoches deste grande Guignol que é o mundo político sulamericano. Somente um fantoche que desapareceu do cenário manifestou-se rebelde à autoridade do mestre e esteve a ponto de lançar seu país em uma sangrenta guerra contra o Brasil, cujas ambições desmesuradas ele adivinhava; este homem foi Zeballos, o tigre, como o chamavam, cuja pele dissecada jaz, segundo a fantasia dos caricaturistas brasileiros, ao pé do leito do chanceler vitorioso”. E por que tanta antipatia votada ao Barão, que afinal tantas vitórias […] Read More
DECRETO POLÊMICO DO GOVERNO PROVISÓRIO (UM)
UM DECRETO POLÊMICO DO GOVERNO PROVISÓRIO Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima O republicano histórico Thomas Cameron, na edição de 11 de janeiro de 1890 do MERCANTIL, abriu espaço para tratar da liberdade de cultos, tema que então dominava as conversas e discussões naquele aurorecer da República. Vejamos o texto que enfocava uma das mais polêmicas conquistas do movimento vitorioso a 15 de novembro de 1889: “Mais um direito à veneração da Pátria acaba de firmar o governo provisório dos Estados Unidos do Brasil, decretando a reforma de há tantos anos reclamada pelo patriotismo dos brasileiros que viam nela um forte elemento de prosperidade. Conquista brilhante da civilização, era essa reforma sempre combatida durante o extinto regime, pois, então, tudo quanto fosse espancar trevas, difundindo luz, era motivo de polêmica e sofria guerra desenfreada. Os homens que se acham à testa dos nossos destinos dão um solene desmentido àqueles que nos diziam indignos da plena liberdade, por não sabermos dela fazer uso. O modo por que estão sendo aceitas as reformas reclamadas pela parte sã da nação alcunhada de utopista, antes do 15 de novembro, prova a toda a evidência que a pátria bem queria caminhar, mas o que lhe embargava o passo eram os tropeços que lhe opunham à marcha aqueles que escravizavam o povo. Os demolidores da perniciosa instituição mostram-se os edificadores de uma grande nacionalidade. Muito têm eles trabalhado, mas também muito têm conquistado – a gratidão da pátria e a admiração dos povos adiantados jamais lhes serão negadas.” Passemos a registrar a boa lei. O Marechal Manoel Deodoro da Fonseca, chefe do Governo Provisório constituído pelo Exército e Armada, em nome da Nação, decreta: Art. 1º – É proibido à autoridade federal, assim como à dos estados federados, expedir leis, regulamentos ou atos administrativos estabelecendo alguma religião ou vedando-a e criar diferenças entre os habitantes do país ou nos serviços sustentados à custa do orçamento, por motivo de crenças ou opiniões filosóficas ou religiosas. Art. 2º – A todas as confissões religiosas pertence por igual a faculdade de exercerem o seu culto, regerem-se segundo a sua fé e não serem contrariadas nos atos particulares ou públicos que interessem o exercício deste decreto. Art. 3º – A liberdade aqui instituída abrange não só os indivíduos por atos individuais, senão também as igrejas, associações e […] Read More
PRIMEIRA CONSTITUIÇÃO REPUBLICANA FLUMINENSE (A)
A PRIMEIRA CONSTITUIÇÃO REPUBLICANA FLUMINENSE Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima Ficou na memória de estudiosos e pesquisadores, a Constituição do Estado do Rio de Janeiro, promulgada a 9 de abril de 1892. Foi esse o estatuto, que embora modificado aqui e ali ao longo do tempo, guiou os destinos fluminenses ao longo do período histórico conhecido como República Velha. Mas, o que muita gente não sabe, é que antes dessa Carta, houve uma outra, que não chegou a produzir seus devidos e legais efeitos, por motivos que serão expostos ao final desta exposição. Proclamada a República em 15 de novembro de 1889, o Governo Provisório dos Estados Unidos do Brasil, teve que legislar através de decretos, o mesmo acontecendo com os governadores das ex-províncias, até que se votasse a constituição federal e, depois dela, a de cada estado da Federação. A 15 de setembro de 1890, deu-se a eleição para a Constituinte Federal e dois meses depois, o governador fluminense Francisco Portela assinava o projeto de constituição estadual que seria apresentado à futura assembléia cujos membros seriam escolhidos pelo sufrágio direto em fevereiro de 1891. O Jornal Mercantil, que se publicava nesta cidade divulgou, em suas edições de novembro e dezembro de 1890, o referido projeto de constituição. Os responsáveis por tal esboço, adotaram, no concernente ao poder legislativo, o sistema bi-cameral: assembléia geral, constituída por uma câmara de deputados e por um senado. Bahia e Minas Gerais também seguiram o mesmo figurino, desnecessário e dispendioso, mais tarde abandonado. Quando a Constituição veio a lume, devidamente promulgada, a 29 de junho de 1891, o seu artigo 6º determinava: O poder legislativo é exercido pela assembléia geral, em regra com a sanção do governador do Estado. § 1º – A Assembléia Geral compor-se-á de duas câmaras: a dos deputados e dos senadores. Pelo projeto em estudo, o poder executivo seria exercido pelo governador do Estado, eleito por 4 anos e só podendo se recandidatar ao mesmo cargo, após dois períodos governamentais exercidos por outros cidadãos. O Vice Governador, que tivesse exercido as suas funções de governo durante os últimos 6 meses de quatriênio, não poderia ser eleito novamente no período seguinte. E o artigo 36 trazia uma novidade interessante: Cada eleitor votaria em duas urnas por duas cédulas diferentes: em uma para governador; na outra para vice. […] Read More
REPÚBLICA E AMERICANISMO
Quando a onda libertária varreu os vários quadrantes das terras de Iberoamérica, nas primeiras décadas do século XIX, apenas o Brasil, por razões muito específicas, adotou a monarquia como forma de governo e com ela atravessou praticamente toda a centúria. Todas as demais nações que se formavam ao nosso redor, ao sul, a oeste e ao norte, aderiram à forma republicana , com menor ou maior sucesso. Aos olhos de tantas repúblicas, lindeiras ou não, éramos uma nódoa a manchar o continente, segundo diziam, vocacionado para a democracia, para a liberdade de escolha dos governantes. Enfim éramos tidos como imperialistas, como usurpadores de territórios alheios, como megalômanos expansionistas. Isso está consignado nas entrelinhas, e mesmo em discursos frontais, de próceres argentinos, uruguaios, chilenos e outros mais. Mas apesar das restrições e retalhações, do ódio e da desconfiança, a grande exceção na América, dava lições de estabilidade política, de prosperidade econômica, de desenvolvimento harmônico, de coesão interna, de paz, de respeito às instituições. Enquanto isso, aqueles que se vangloriavam de serem republicanos, democráticos, libertários, viviam quase sempre em acirradas disputas caudilhescas, em pugnas sanguinárias, que lhes roubavam a seiva vital do progresso e um mínimo de equilíbrio que lhes possibilitasse a sobrevivência como Estados de direito. Mas a república como idéia, como cogitação, como movimento, sempre esteve latente no Brasil e os mais apaixonados pelo tema, viam nela um inevitável elo de definitiva aproximação com os povos hispanoamericanos. Ledo engano. A cultura da desavença, do antagonismo, da digladiação separava irremediavelmente lusófonos e hispanófonos, inoculada que fora no espírito das partes desde os mais remotos tempos coloniais, pelos impérios ibéricos. E a verdade é que, passada a euforia da novidade republicana no Brasil, vieram os Zeballos e outros mais a alimentar a velha fogueira das diferenças entre brasileiros e hispanoamericanos, mesmo apesar do esforço de alguns apóstolos empenhados na sadia e construtiva aproximação de nós todos, os chamados americanistas lato sensu. Foi nos campos do Paraguai, durante a Guerra da Tríplice Aliança ( 1865 / 1870 ) que a idéia republicana brasileira tomou impulso. Foi da inconformada ala militar, diante das tristes ocorrências geradoras do maior genocídio da História da América, que partiram as primeiras reações contra a monarquia e sobretudo contra a possibilidade de um terceiro reinado desempenhado por uma mulher que tinha a seu lado um estrangeiro, usurpador das glórias alheias. Tratava-se de uma referência da presença do Conde D’Eu […] Read More
A PROPÓSITO DE UMA ENTREVISTA
Li com a atenção natural despertada pelo tema, a entrevista que Júlio Ambrósio concedeu ao eminente jornalista José Mariano D’Almeida e Silva, publicada na edição de 26 de novembro desta folha. Quem conhece Júlio Ambrósio e sobretudo a obra que já produziu tendo por argumento esta urbe serrana, percebe que o autor da “Geografia Petropolitana”, tem tudo a ver com a cultura da cidade, seja do ponto de vista do conhecimento das raízes psicodemológicas deste rincão da Serra da Estrela, seja no concernente a realizações que possa levar a efeito, se eventualmente for guindado a um posto de vanguarda na área cultural da cidade. Num romance chamado “No Sereno do Mundo”, único no gênero nestas paragens, Júlio Ambrósio vai aos intestinos da psiquê petropolitana, vasculhando os meandros da vida da sociedade urbana neste privilegiado pedaço da pátria fluminense. Trabalho completamente diverso daquele escrito há quase um século por Afranio Peixoto – “A Esfinge”, que em sua primeira parte trata de uma Petrópolis frívola, periférica, adventícia, forânea, segundo o próprio jargão ambrosiano. “No Sereno do Mundo” é em síntese a sociologia da servidão, elemento típico da paisagem urbana aqui da terra, mercê da topografia local e da concepção urbanística a partir dos quarteirões e dos prazos. Há servidões em rampa e em escadaria, retas ou sinuosas, pavimentadas umas, piçarradas outras. Há servidões com nomes pomposos e outras sem batismo ou ostentando a denominação que o povo dá, sempre mais autêntica e pitoresca. Mas nenhuma delas deixa de cumprir o seu papel precípuo: o de facilitar o acesso a todas as subdivisões dos prazos originais. Está aí uma peculiaridade da cultura local que ainda não foi suficientemente estudada, mas que não passou desapercebida à fina sensibilidade de Júlio Ambrósio, espírito vocacionado para a pesquisa de campo, naquilo que tange ao estudo e à compreensão da alma popular. A “Geografia Petropolitana” é um ensaio de roupagens singelas, mas de suculento conteúdo. Engana-se aquele que subestimar a obra ao simples contemplar de seu aspecto. É livro de sideração: corajoso, ágil, instigante. Tem lá seus exageros até mesmo alguns erros de avaliação, quiçá ensejadores de discussões e polêmicas válidas e saudáveis. Mas, ainda que não tivesse outros méritos, um pelo menos valeria volume de quatrocentas páginas: é que Júlio Ambrósio sustenta, com imensa razão, que antes de ser germânico, o petropolitano é mineiro. O angú venceu o chucrute. Ninguém antes de Ambrósio ousou tocar […] Read More
TEMA É AINDA PAULO BARBOSA DA SILVA (O)
O TEMA É AINDA PAULO BARBOSA DA SILVA Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima Não percamos de vista que o Conde Ney, no seu depoimento sobre o Mordomo da Casa Imperial, desencavado em boa hora por Alberto Rangel nas suas exaustivas pesquisas realizadas no arquivo D’Orsay, disse com todas as letras que Paulo Barbosa da Silva tornara mais regular a administração das terras imperiais, fazendo crescer as rendas, sendo por conseguinte digna de aplausos a maneira como cumpriu suas funções. A leitura desse depoimento nos faz crer que o projeto Petrópolis almejava, antes de mais nada, aumentar as aludidas rendas. De que forma? Até o advento do ato de 16 de março de 1843 e do conseqüente instrumento de contrato celebrado com Júlio Frederico Koeler, a fazenda do Córrego Seco não passava de um taperão, arrendado por inteiro a pessoas que pagavam um aluguel anual que pouco deveria representar na contabilidade da Casa Imperial. A perspectiva do fraccionamento do solo dessa herdade e depois do das demais que se somaram a ela, através do sistema de facteosim ou enfiteuse, com pagamento de foros anuais pelo prazo aforado e suas eventuais subdivisões e laudêmio em face das transações inter-vivos a título oneroso, obviamente, haveria de proporcionar um maior faturamento para os cofres do senhorio direto, no caso, a Casa Imperial. Era o ovo de Colombo a que as terras serranas serviam como nenhuma outra, caindo pois o projeto da colônia / povoação como uma luva nos planos de Paulo Barbosa da Silva, sempre de olho na receita de seu amo e senhor. Na parceria com Júlio Frederico Koeler, o Mordomo matou vários coelhos com uma só porretada: fez crescer paulatinamente as rendas imperiais; atendeu à necessidade de mão de obra livre reclamada pela província fluminense na área das obras públicas com fulcro na construção da Estrada Normal da Estrela; ensejou a criação de uma colônia agrícola na serra acima; provocou o início de uma povoação que se desenvolveria pelos quarteirões nobres da concepção urbanística de Koeler e propiciou ao Imperador uma bela residência serrana de modo a poupá-lo dos rigores e da insalubridade dos verões cariocas. Essa perfeita união do útil ao agradável resultou da urdidura e da costura levada a efeito pelas mãos hábeis e já experientes do Mordomo. É bom lembrar que D. Pedro II, nessa […] Read More