A ATUALIDADE DO PLANO URBANÍSTICO DE KOELER Manoel de Souza Lordeiro, ex-Associado Titular, Cadeira n.º 24 – Patrono Henrique Pinto Ferreira, falecido As cidades nascem e se desenvolvem para atender às necessidades humanas. Sua localização obedece a uma lógica e Petrópolis não fugiu a essa regra. Muitas cidades, na antigüidade, foram criadas para se constituírem em bastiões de defesa – eram cidades estrategicamente situadas – e várias delas tiveram como núcleo inicial um acampamento militar romano: Colônia, por exemplo. Outras, se desenvolveram ao longo de rotas comerciais, de entroncamentos, junto a portos marítimos e fluviais, nas proximidades de fontes de matérias primas, etc. No Brasil, os primeiros embriões de cidades tiveram origem em aldeamentos indígenas por iniciativa de catequistas jesuítas e franciscanos, principalmente. Eram, em geral, do tipo “tabuleiro de xadrez”, ocupando a igreja o lugar de destaque numa praça central: o largo da matriz (Fig. 1). Intervenções de ordem governamental têm sido igualmente responsáveis pela criação de cidades: Washington, Belo Horizonte e Brasília são alguns exemplos (Fig.2). Petrópolis pode ser enquadrada nesta categoria, uma vez que a decisão de criá-la partiu do Imperador D. Pedro II, objetivando proporcionar à Corte um lenitivo para os meses cruciais do verão em que o calor sufocante, a febre amarela e outros males faziam do Rio uma área de risco. A decisão, na verdade, coube ao Imperador; mas quem seria o pai da idéia? Surge, então, a figura do major Júlio Frederico Koeler, nascido em Mogúncia (Mainz) , capital da Renânia- Palatinado ( Rheinland-Pfalz), em 1804. Chegando ao Brasil em 1828, logo de imediato Koeler incorpora-se ao exército imperial; por decreto de 31 de outubro de 1831 e Carta Imperial de 12 de fevereiro de 1833 obtém a naturalização brasileira. Em 1835 recebe a incumbência de executar um levantamento topográfico na província do Rio de Janeiro, no trecho compreendido entre a Vila da Estrela e Paraíba do Sul, com vistas à construção de uma nova estrada para as Minas Gerais, possibilitando, assim, o escoamento mais rápido e seguro para a produção originária daquela província. Koeler fazia-se acompanhar, naquela ocasião, por sua esposa D. Maria do Carmo de Lamare Koeler, residindo algum tempo na vargem situada entre a Vila da Estrela e a Raiz da Serra. A permanência de Koeler nessas paragens pouco salubres fez com que acalentasse o sonho de um dia poder construir uma casa para si no sítio de clima ameno […] Read More
PAULO BARBOSA DA SILVA, QUE TANTO FEZ PELA FUNDAÇÃO DE PETRÓPOPOLIS
Parece incrível que Silvio Julio, o mais anti-áulico, o mais anti-cortesão de que se teve notícia ao longo deste século em terras fluminenses, tivesse concebido o título que encima este artigo. Mais incrível ainda o próprio texto de sua lavra, que infelizmente não passa de um fragmento, de um esboço que merece transcrição na íntegra já que discrepa totalmente da linha mestra que norteou a vasta obra silviojuliana. “Natural de Minas Gerais, pois nasceu em Sabará a 25 de janeiro de 1774, Paulo Barbosa da Silva era filho do Coronel de milícias Antonio Barbosa da Silva e Ana Maria de Jesus, filha de Antonio Ribeiro Pinto. Aos 14 anos entrava para o exército português no Brasil na categoria de cadete, em que se viu efetivado em 1808. sua promoção a alferes deu-se durante 1810. Matriculou-se na Academia Militar em 1818. No ano de 1819 ascendia ao posto de tenente e em 1822 ao de capitão. Nesta graduação passou para o Imperial Corpo de Engenheiros. Destinado para estudos, em 1825 realizou uma viagem à Europa, onde de novo se encontrou em 1829, não como militar, mas partícipe do problema complicado que acabou sendo o segundo casamento de D. Pedro I. Caindo o extraordinário José Bonifácio de Andrada e Silva, exerceu Paulo Barbosa da Silva o cargo de mordomo da Casa Imperial. Dom Pedro II em 1840, confirmou-o nesta posição, quando transpusera ele em 1837 o posto de major e, em 1839, o de tenente coronel. Então deputado pela província de Minas Gerais, Paulo Barbosa da Silva achava-se profundamente empenhado nas intrigas partidárias da monarquia. O povo atribuía-lhe desmedida capacidade de remexer as águas turvas da política, e, à sua residência denominada anonimamente o Clube da Joana, acorriam os amantes dos fuxicos no começo do reinado de Dom Pedro II, imperador jovem ainda e inexperiente quiçá. Em 1843, Paulo Barbosa da Silva, no auge de sua carreira na corte, é promovido a coronel e um ano depois reformado como brigadeiro. É a época em que, por iniciativa do major Julio Frederico Koeler, que se manifestara antigo defensor da colonização germânica da Serra da Estrela, adere à causa do incansável fundador de Petrópolis, com o qual assina um contrato em sua qualidade de mordomo da Casa Imperial – não conforme engano de impressão do mesmo em folhetinho – como decreto. Seria isto se houvesse sofrido debates e emendas no Parlamento, para depois […] Read More
ENTREVISTA VISITA À CASA DA SRA. ALUÍZIA MARIA GABRICH
Primeiramente darei um breve conhecimento histórico da família GABRICH. A princípio ainda não foi possível pesquisar na Alemanha, a aldeia de origem do colono GEORGE GABRICH, sabe-se apenas que acompanhado de sua esposa Elizabete e mais 3 filhos, viajaram na barca inglesa “George” com destino ao Brasil, pagando 450 francos pelas passagens para a sua família. Partiram do Porto de Dunquerque na França em julho, chegaram ao Brasil em 26 de agosto e desembarcaram no Porto da Cidade do Rio de Janeiro em 29 de agosto de 1845. A seguir foram levados para o depósito dos colonos (Sociedade Promotora de Colonização da Província do Rio de Janeiro) na Rua da Glória. Em 02 de setembro de 1845 entre outros, o colono George Gabrich e sua família, encontravam-se alojados na casa que servia de depósito dos colonos na Imperial Cidade de Niterói. O colono e sua família ao chegarem no Povoado de Petrópolis, receberam o prazo de terras de 1ª Classe – n.º 271, com a superfície de 781 braças quadradas e um décimo – no Quarteirão Vila Imperial – com testada para o Caminho Colonial (hoje Rua Casemiro de Abreu). Em 1847, recebeu a gratificação Imperial de 25$000 (vinte e cinco mil réis). Sendo 5$000 (cinco mil réis) por cada um da família. Em 01/01/1854, pagou o foro de 7$810 (sete mil oitocentos e dez réis) relativo ao prazo de terras. Em 16/07/1856, recebeu o título/registro de aforamento n.º 1097. Em 27/12/1859, recebeu o n.º 110 da Relação da Diretoria da Colônia – nesta época constava o casal e 7 filhos. Com a morte do colono em 13/04/1873, passados dois anos e exatamente em 12/04/1875, a viúva e os demais herdeiros de George Gabrich, vendem e transferem o prazo de terras para o foreiro Pedro Schmitz do qual pagou 3$000 (tres mil réis) pela transferência. Este documento foi assinado por Pedro Schmitz e como procurador da viúva e dos herdeiros, assinou o Sr. José Schaefer – (estes assentamentos estão registrados no livro 8-A da Cia. Imobiliária de Petrópolis). No dia 11 de março próximo passado, tive o prazer de visitar a Sra. Aluízia Maria Gabrich Barenco. A representante mais idosa da família Gabrich – com 84 anos de vida. A encontrei alegre, saudável e bem disposta a lembrar-se do passado. A memória infalível de Dona Aluízia, transportou-me para o início deste século; com magníficas lembranças dos seus antepassados e […] Read More
IMPERIAL COLÔNIA GERMÂNICA DE PETRÓPOLIS ATIVIDADES SOCIAIS, ARTES, HÁBITOS E COSTUMES
ATIVIDADES SOCIAIS A primeira associação dos colonos, nasceu no ano de 1854 – a GEWERBE VEREIN, voltada para os estudos das artes e ofícios. Com o término da Imperial Colônia Germânica em 1859, deixou de existir a “Caixa de Socorro”mantida pela mesma. Em substituição; Pedro Müeller (diretor do Semanário Germânia) fundou em 01/11/1864 a Sociedade Beneficente “Deutsch Brasilianisch Krankenkasse Brunderbund”. A seguir, outros entusiastas da Colônia, fundaram a Cecilien Verein no Quarteirão Nassau, a Liedertafel no Quarteirão Bingen e em 07/09/1898, Pedro Hilgert fundou a Turnverein de Petrópolis. Após o regime colonial, surgiram as sociedades recreativas, musicais e dançantes. Em 1863, o Professor Frederico Stroelle, fundou a “Saengerbund Eintracht” (denominada mais tarde por Coral Concórdia). Em seguida surgiram outras associações. Sendo algumas instaladas nos Quarteirões: Nassau, Bingen e Mosela. Cada associação criava o seu próprio coral, outras atividades artísticas, esportivas e musicais. Além de organizarem passeios, piqueniques e outros eventos.. Em 11/11/1894 foi fundada a “Deutscher Verein” e em 05/05/1895 pelo Sr. Carlos Kling Sobrinho (neto do colono George Magnus Kling), foi fundada a “Harmonie Moselthal” que mais tarde passa a denominar-se Sociedade Recreativa Harmonia Brasileira. Apesar das muitas dificuldades comuns a qualquer clube, vem esta sociedade resistindo até aos dias atuais, com um quadro de sócios que ainda na maioria, são descendentes dos nossos colonizadores. Vale ressaltar que por volta de 1874, os Srs. Carlos Latsch e Pedro Kneipp, mantinham uma casa de bailes no local ainda conhecido como Duas Pontes (entre as Ruas Washington Luiz e Cel. Veiga). A parte recreativa dos primeiros tempos da Colônia, tinham mais caráter familiar de festas escolares e religiosas e geralmente aconteciam nos quarteirões, sempre longe da Vila Imperial. Em 1854 existiu um coral formado por 20 à 25 colonos, sob a regência do também colono Jacob Müller, cujo trabalho teve por início o ano de 1849. A princípio com cânticos religiosos, quando das apresentações nas missas dominicais. Quanto a parte musical, tem-se notícias de que a primeira banda de música dos colonos, surgiu em novembro de 1845 (apenas 5 meses após o início da Colônia) e composta por l2 pessoas. Porém por mais que pesquisei, não consegui descobrir os nomes destes colonos. Com certeza, sabe-se que o primeiro musicista que apareceu na Colônia, foi o Sr. Gustavo Eckardt – natural de Hesse e competente afinador de pianos. Era casado com uma das filhas do colono Valentim Scheid, moradores do Quarteirão […] Read More
QUINHENTOS ANOS DE BRASIL – COMPROMISSO COM O FUTURO
QUINHENTOS ANOS DE BRASIL – COMPROMISSO COM O FUTURO Arthur Leonardo de Sá Earp, Associado Titular, cadeira nº 25 – Patrono Hermogênio Pereira da Silva O nosso olhar para a História dos quinhentos anos não pode ser uma contemplação. Tem que ser um ato sério de refletir sobre os ensinamentos alcançados e as experiências vividas para marcarmos que rumo tomar agora, a fim de construirmos um amanhã que certamente não pode ser igual ao hoje de tantas misérias físicas e morais. A História não é narrar acontecimentos pelo simples narrar. É estudá-los, para progredir. As festividades que correm neste período por todo o País hão de diferir da celebração da conquista de uma taça. Não comemoramos um feito acabado, uma competição terminada com vitória. Devemos ter a consciência de que estamos dando relevo, com festas, assim como deve ser um casamento, a um compromisso verdadeiro em relação ao que vamos realizar na vida para atingir a felicidade, cientes das virtudes com que contamos e dos erros a corrigir. A chegada das embarcações de Pedro Álvares Cabral às costas existentes em uma desconhecida vastidão oceânica ao poente é fato resultante de muitos fatores e causador de diversos outros a respeito dos quais temos que pensar. Consideremos alguns pontos nesta oportunidade. O encontro de terra depois de tantos dias de navegação audaciosa, em rota adotada deliberadamente para dentro de região inexplorada, significa o apuro dos conhecimentos da época, a utilização extrema da ciência e da habilidade náutica até então adquiridas. Os portugueses dispunham de instrumentos de observação astronômica e de métodos de seu emprego, recursos materiais e intelectuais que iam sempre desenvolvendo. Dispunham de naus e caravelas as mais avançadas, a última palavra em construção naval. Dispunham de técnicas de navegação, de esquemas de exploração e de sistema de comunicações os mais elaborados a partir das expedições anteriores. Tudo isto foi dura e longamente trabalhado para ganhar eficiência adequada à conquista e à manutenção da liderança nos embates da expansão de domínio. São afirmações genéricas, mas verdadeiras. Brotam da crítica dos mais sábios à fonte documental. São verificáveis em consagradas obras (1). As palavras que ouvem estão calcadas o mais das vezes no minucioso livro de Moacyr Soares Pereira intitulado A Navegação de 1501 ao Brasil e Américo Vespúcio (2). (1) nota ao final (2) ASA Artes Gráficas Ltda., 1984. Exemplos concretos vão a seguir mencionados em confirmação das assertivas […] Read More
NOVENTA ANOS DA REVOLTA DA CHIBATA (OS)
OS NOVENTA ANOS DA REVOLTA DA CHIBATA Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima 1910 foi o ano do inferno astral na política brasileira, fluminense e petropolitana. No plano nacional, a ascensão da figura caricata do Marechal Hermes da Fonseca à suprema magistratura do país, depois de um processo sucessório traumático, iria marcar o início da fase decadentista da República Velha ou melhor da Primeira República. Na esfera estadual, a diplomação do candidato niilista Oliveira Botelho numa trama cheia de fraudes que alijou do poder o presidente eleito Edwiges de Queiroz, ia inaugurar na terra fluminense um período de desenfreado caciquismo com seu clímax desastroso já nos anos vinte, no triste episódio da deposiçao de Raul Fernandes e da subida de Feliciano Sodré pela mão nefasta de Artur Bernardes. Em Petrópolis, 1910 marcou o fim da era Hermogênio Silva, que foi das mais esplendorosas que esta urbe já viveu, embalada por um grupo político forte, sério e que fez enormemente pela cidade. A queda do hermogenismo abriu o caminho para a grande crise que provocaria a intervenção no município, ao arrepio dos mais sagrados postulados do ideário e da legislação republicanos, com a imposição da Prefeitura em 1916. Feita essa tomada de ordem geral, para marcar com letras de fogo o ano fatídico de 1910, ocupemo-nos de um lamentável episódio ocorrido em plena baía da Guanabara, nas barbas do poder central, no mês de novembro daquele ano. O Marechal Hermes acabara de tomar posse de seu cargo a 15 de novembro. Oito dias depois, na noite de 23 para 24, marinheiros a bordo dos principais navios de guerra brasileiros, sob o comando de um certo João Cândido, iniciaram uma rebelião que passou à História com o nome de Revolta da Chibata. Em síntese, o movimento reivindicava melhores soldos e abolição por completo dos castigos corporais. Tais os motivos propalados, as causas aparentes do motim. Talvez não fosse prudente descartar outras motivações de ordem política, tanto mais que o governo que se iniciava estava viciado na sua origem por treitas, manobras solertes, fraudes, intrigas e de toda a sorte de baixarias. Seria ocioso, neste momento em que se pretende rememorar e até repensar a Revolta da Chibata, repetir tudo quanto disseram os jornais da época e publicaram aqueles que se ocuparam do assunto em nível nacional, inclusive os que […] Read More
JORGE SAMPAIO, O ÚLTIMO FIDALGO – (CRÔNICA HISTÓRICA)
Há um perpassar de tristeza pelos socavões históricos de Petrópolis. Com a figura de Jorge de Souza Ferreira Francklin Sampaio, morto aos 96 anos de idade, desapareceu parcela viva da memória da Cidade Imperial. Personalidade ímpar encarnou, em vida, os singelos valores, apanágio dos homens que assimilaram o perfeccionismo pedagógico do Império e suportaram as agruras libertárias no início da República. Ninguém representou melhor a cidade serrana, do que ele, cidadão petropolitano. Médico, conhecedor de artes plásticas, pianista, tenor de circunstância, era homem de consciência, do diálogo e da palavra. A sua prosa, rica de informações, fazia por realçar a História Pátria ao desvendar o significado das coisas imperecíveis, e dar perpetuidade às aspirações, tangíveis, dos ancestrais, tão necessárias para a nacionalidade. Por divina eleição do destino representou a sua época, condensando em si as virtudes domésticas, cívicas, repositório que foi dos esplendores morais da sociedade. E soube viver com discrição e modéstia. Homem sem desgostos, inexaurível nas atenções, afinado com as belezas da existência, cônscio de seus deveres – a lhanura de seu procedimento provinha da simbiose que praticava entre a contemplação do passado e o exercício do presente. A atmosfera do Império que lhe amoldou a personalidade, tanto quanto, os entreveros da República a conduzirem sua vida, fizeram com que o sentimento afetivo, nele, se apresentasse aguçado pelo cunho da autenticidade. Não era homem de disputas estéreis e nem nascera para perseguir posições de prestígio pois já representava, pelo berço, aquela interação antevista por Goethe, aurida na fidelidade ao “sonho da juventude”, herança européia misturada ao despretensioso comportamento brasileiro que aflorou na sociedade de Petrópolis, assimilação que é a razão de sua grandeza. É este o sentido profundo que o fez identificado a harmoniosa Cidade Imperial, transcendência a torná-lo partícipe da misteriosa vibração poética, impregnada nos ares serranos, que devolve à alma o bálsamo para as vicissitudes da existência, e de tão simples se iguala aos riachos que refletem margens multicoloridas, as paisagens, a nobre magnificência de construções seculares, e nomes tutelares do lugar, a exemplo do padroeiro, franciscano ibérico, São Pedro de Alcântara. Desde os meus tempos de estudante, no Colégio S. Vicente de Paulo, em Petrópolis, à época da 2ª Guerra Mundial, nos repetidos fins de semana passados em Corrêas, aprendi a observar, no Jorge Sampaio, a sua cativante distinção e afabilidade para com as pessoas. Admiração consolidada face às reuniões, costumeiras após as missas […] Read More
CAMÉLIAS DO LEBLON E A ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA (AS)
AS CAMÉLIAS DO LEBLON E A ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA Eduardo Silva, Associado Correspondente Um quilombo no que é hoje a Zona Sul do Rio, uma princesa (Isabel) que acolhia escravos fugidos no seu palácio e uma flor que servia de símbolo de um movimento subversivo: historiador junta as peças do quebra cabeça e reconstitui episódio esquecido do Império. A crise final da escravidão, no Brasil, deu lugar ao aparecimento de um modelo novo de resistência, o que podemos chamar quilombo abolicionista. No modelo tradicional de resistência à escravidão, o quilombo rompimento, a tendência dominante era a política do esconderijo e do segredo de guerra. Por isso, esforçam-se os quilombolas exatamente em proteger seu dia-a-dia, sua organização interna e suas lideranças de todo tipo de inimigo ou forasteiro, inclusive, depois, os historiadores. Já no modelo novo, o quilombo abolicionista, as lideranças são muito bem conhecidas, cidadãos prestantes, com documentação civil em dia e, principalmente, muito bem articulados politicamente. Não mais os poderosos guerreiros do modelo anterior, mas um tipo novo de liderança, uma espécie de instância de intermediação entre a comunidade de fugitivos e a sociedade envolvente. Sabemos hoje que a existência de um quilombo inteiramente isolado foi coisa rara. Mas, no caso dos quilombos abolicionistas, os contatos com a sociedade são tantos e tão essenciais, parte do jogo político da sociedade envolvente. O Quilombo do Jabaquara, em São Paulo – uma das maiores colônias de fugitivos da história – é um bom exemplo do novo paradigma da resistência. O quilombo organiza-se em torno da “casa de campo de abolicionista” e os quilombolas erguem seus barracos com dinheiro recolhido entre pessoas de bem e comerciantes de Santos. A população local, inclusive as senhoras de bom nome, protege o quilombo das investidas policiais e parece fazer disso um verdadeiro padrão de glória. Quintino de Lacerda, o chefe do quilombo, levou uma vida bastante confortável e morreu rico, deixando extensa lista de bens, móveis e imóveis, para seus herdeiros, incluindo um pequeno tesouro amealhado em jóias de ouro e moedas de prata. Quintino não era um guerreiro no mesmo sentido que o foi Zumbi dos Palmares, o indomável general. Era já uma espécie de administrador, articulador, líder populista, intermediário, enfim, entre o quilombo e a sociedade em torno. Sobre o quilombo do Leblon, no Rio de Janeiro, as notícias são ainda mais surpreendentes. A começar por seu idealizador, ou chefe, que era o […] Read More
HISTÓRIA X FOLCLORE
1 – MAXIXE SUBVERSIVO A canção “Cálice” de Chico Buarque de Holanda, êxito da música popular em 1978, levou cinco anos congelada até obter permissão do Governo Federal em Brasília, para ser gravada e veiculada. Em se tratando de Chico Buarque, nosso Schubert caboclo, não admira a perseguição que sofreu da censura militar oficial, que em matéria de música, como em toda produção artística, chegava às raizes do absurdo, temerosa de um “fá” menos ortodoxo, ou de um sincopado mais extremista. Há quem julgue que essas e outras perseguições, a depor vergonhosamente contra a cultura nacional, e o grau de inteligência dos censores, é coisa do nosso tempo, fruto da política pós 64. Na verdade, trata-se de coisa bem antiga. Durante quatro séculos vivemos sob regime colonial com o pensamento brasileiro censurado duplamente: pelo governo de El Rei e pela Igreja. Com pouco mais de 150 anos de independência, ainda não aprendemos a viver dentro do regime da liberdade criadora, viciados na mentalidade do colonato, que passou da monarquia e atravessou a república, com raros interregnos de respeito à cultura e à arte. No tempo do Presidente Afonso Pena, por exemplo, quando o Marechal Hermes era Ministro da Guerra (atual Ministro do Exército), mandou proibir a execução do maxixe pelas bandas militares, porque tal gênero musical popular, segundo a autoridade, depunha contra os foros de civilização do Brasil, por ser música de negros e de gentinha. O Marechal Hermes, depois Presidente da República, era admirador ferrenho do militarismo alemão e coube-lhe convidar a missão militar alemã que veio ao Brasil em 1908, para assistir as manobras militares do Exército, em Santa Cruz, no Rio de Janeiro. Depois das manobras os oficiais prussianos foram homenageados com um desfile de bandas militares e, quando o chefe da missão visitante Von Reichau ouviu nossos músicos, ficou tão entusiasmado que pediu ao Marechal que fizesse tocar o mais recente sucesso do Carnaval carioca – o maxixe “Vem cá Mulata”, que fazia furor até na Europa, sendo conhecido na Alemanha. Os alemães foram atendidos e a banda puxou o maxixe bem sapecado, que para os anfitriões foi um verdadeiro escândalo. Já é velha, como se vê, essa mania de nós nos envergonharmos do que é nosso e bom. Cinco anos depois, em plena Presidência da República, o Marechal Hermes, casado com D. Nair de Teffé, amiga dos artistas e ligada à alta sociedade carioca, […] Read More
RIO DE JANEIRO DE D. JOÃO VI COMO ETAPA NA FORMAÇÃO DA CIDADE CONTEMPORÂNEA (O)
O RIO DE JANEIRO DE D. JOÃO VI COMO ETAPA NA FORMAÇÃO DA CIDADE CONTEMPORÂNEA Rachel Esther Signer Sisson, Associada Correspondente Tendo em vista o tema proposto – o Rio de Janeiro contemporâneo e o legado de D. João VI – serão inicialmente abordados alguns aspectos da evolução do espaço da cidade julgados pertinentes, sem qualquer intenção de esgotar a riqueza e a complexidade do tema. Embora iniciada a vida política da cidade em 1565, com a fundação entre o morro Cara de Cão e o Pão de Açúcar, sua existência urbana só começou em 1567, quando da transferência para o morro do Castelo (I), onde foram logo edificados a fortaleza e a igreja de São Sebastião, a casa dos governadores da capitania, a casa de Câmara e a cadeia pública, o pelourinho, os armazéns do rei e o colégio dos jesuítas, inaugurado em 1573. No Seiscentos, o Castelo foi preterido a favor da várzea de Nossa Senhora do Ó, demarcada, ao sul, por esse morro e o de Santo Antonio, e, ao norte, pelos de São Bento e a da Conceição. A partir da orla entre os morros do Castelo e de São Bento, foi tomado aos brejos, por drenagem ou aterro, o solo suporte de uma trama viária quase regular tomando a direção geral oeste, a qual, já no Oitocentos, após atingir o campo de Santana, tornava-se bastante rarefeita, como se vê na planta da cidade de 1812, encomendada pelo Príncipe Regente. Já então, o litoral norte da cidade, o mais abrigado, e preferido para a localização de trapiches, contava ainda com casos, “algumas assaz excelentes”(2), à margem das praias e nas encostas do alinhamento montanhoso Conceição-Providência, entre aquele litoral e a várzea. Na zona sul, já se iam desenvolvendo os bairros do Catete, Laranjeiras, Botafogo e Gávea, proliferando as casas de chácara, sendo que “nenhum outro tipo de edificação exprimiu com tanta autenticidade a vida íntima da gente carioca e o caráter regional de sua arquitetura”(3) Dada a afinidade do Rio de Janeiro luso-brasileiro com quadros construídos citados por Françoise Choay, o seu espaço urbano identifica-se aos sistemas fechados de evolução lenta considerados puros por significarem “pelo jogo de seus próprios elementos, sem recurso a sistemas suplementares verbais ou gráficos” – e hipersignificantes, por serem “condicionados por um conjunto (….) de outros sistemas que eles mesmos, por sua vez, condicionam”, ou seja, por engajarem “uma conduta global […] Read More