UCP, EXÉRCITO E UNIVERSIDADE FEDERAL

Julio Ambrozio, ex-Associado Titular, Cadeira n.º 30, Patrono – Monsenhor Francisco de Castro Abreu Bacelar

Leio nesta Tribuna, 18/10/2003, que o 32º Batalhão de Infantaria Motorizado estaria seguindo para a região do Alto Rio Negro, no Amazonas. Posso informar que entre 1992 e 1993, também para à Amazonia – Tefé -, foi transferida a 16 Brigada de Infantaria Motorizada, de Santo Ângelo, RS, transformada na 16 Brigada de Infantaria de Selva. Para a região, entre 1991 e 1992, o 1º Batalhão de Caçadores já fora de Petrópolis transferido para Roraima e organizado como a 1 Brigada de Infantaria de Selva. Possivelmente, esses e outros deslocamentos do Exército se justificam em 01 de dezembro de 1985, quando foram assinados os projetos especiais que compõem o Projeto Calha Norte, que – é importante realçar – envolve não apenas o Exército, mas diversas outras pastas e órgãos governamentais, constituindo um projeto civil-militar. O plano está preocupado com 1.221.000 quilômetros quadrados, 1.620.000 habitantes e 6.771 km de fronteiras que necessitam da presença do Estado brasileiro. O Projeto Calha Norte, desde 1993, mas sobretudo após 1995, passou a ser contemplado de maneira inexpressiva. Não conheço o total de recursos alocados e disponibilizados para 2003 e não tenho notícia do que virá para 2004. Eu imagino. Sei que, em 1999, originariamente o Calha Norte estava fora do Orçamento Geral da União, e, é de se pasmar, precisando que surgissem os recursos de uma Emenda Parlamentar que alocou menos da metade, R$5.000.000,00, do seu valor inicial – R$11.500.000,00, disponibilizando, após tudo, míseros 750 mil dólares. Repare, leitor, o caso pensado pelo representante do Consenso de Washington, Fernando Henrique Cardoso-PSDB, já no Poder em 1995, e a pindaíba do Calha Norte.

Embora o golpe de 1964 tenha representado um tiro no pé do próprio militar, pois resultou no fim da aliança entre povo, Exército e indústria fundada com a Revolução de Trinta, gerando, p.ex., maior internacionalização da economia brasileira e orçamental agonia da Instituição militar, sem dúvida, é admirável que um projeto interministerial dessa envergadura estratégica encontre as Forças Armadas lutando quase sozinhas para a sua implantação, transferindo Batalhões e Brigadas – provavelmente, em razão da miséria orçamental dos militares – quando o mais prudente seria a formação de novíssimos núcleos armados. É de se notar, ademais, que esse empenho do Exército não vive distante da história da formação das cidades brasileiras, cujos núcleos urbanos iniciais – Rio de Janeiro, Rio Grande, Rio Pardo, Salvador, etc – saíram de um forte ou de um curral. Diria, como brasileiro, que uma das poucas Instituições no país efetivamente preocupada com a cidadania seria a militar, pois sem autonomia política, ou se quiser o leitor, sem soberania – tema amazônico-brasileiro crucial -, não existe sombra alguma da ansiada e civil busca de cidadania, restaria apenas o servilismo colonial.

Para o petropolitano, a saída do Exército seria um problema urbano imenso. Não se trataria apenas da memória cenográfica e arquitetônica dos anos quarenta da Petrópolis do século XX. Ainda está de pé, p.ex., no interior dessa reserva ambiental protegida pelos militares, a granja São Norberto, habitada durante longos anos pelo grande cientista e médico Silva Mello. Tratar-se-ia sobretudo da preservação dessa reserva verde, cuja simples presença, entre outras coisas, inibe hoje o nascimento de condomínios de luxo ou populares que, sendo criados, concentrariam ainda mais população no interior do já saturado primeiro distrito.

Eu não sou o prefeito e, por demasiados motivos, provavelmente jamais o serei; se bem que, devido a minha idade atual, ainda não sei se vim ao mundo apenas para escrever..

Posso, claro, avisar aos meus inimigos visíveis e invisíveis que passando encilhado o cavalo, não relutarei em montá-lo.

Caso fosse o alcaide, porém, pela importância da notícia na Tribuna – embora a carta do Cel. Batista Leal, 24/10/03, e este jornal, 01/11/2003, esclareçam no momento o tema -, rapidamente teria procurado este Coronel e, dependendo das informações, o próprio comandante da Região Militar na cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro, além do bispo diocesano e o reitor da UCP. Atitude absolutamente oposta à inação noticiada por esta mesma Tribuna, 21/10/2003: a Coordenadoria de Comunicação da Prefeitura esclareceu que “o prefeito Rubens Bomtempo não comentará o assunto, tendo em vista não existir nenhuma informação oficial sobre a saída do 32º Bimtz de Petrópolis.”

É incontestável o potencial problema urbano que a ida do Exército para a Amazônia causaria a Petrópolis. Porque o leitor conheceria a quase permanente ausência de tino ou de pensamento autônomo dos poderes municipais provincianos, além, claro, de sua fragilidade contra a poderosa pressão imobiliária – basta citar o zoneado caminho do imperador e seus edifícios.

Outrossim, a idéia de um centro esportivo, sugerido por um vereador, aparentemente privilegia apenas uma nova ocupação, afastando-se do significado dessa petropolitana reserva ambiental delimitada pelo Exército. O presidente do PFL local, Nélson Sabrá, também falou sobre o assunto neste dia – 21/10/2003. É de se notar que o PFL votou sempre com o governo PSDB-Fernando Henrique Cardoso, sendo, em razão da última frase do primeiro parágrafo, um dos responsáveis pela eventual saída do Exército da cidade. Intuitivamente, Sabrá percebeu a importância da manutenção da área com o Poder Federal, ao sugerir o deslocamento do IME para Petrópolis. Esse mesmo presidente do PFL, aproveitando a oportunidade, publica nesta Tribuna, 25/10/2003, mais uma sugestão para ocupar o eventual vazio da área militar: a fundação de Universidade pública em Petrópolis, bela lembrança que vive na cabeça de muitos petropolitanos, mas que Sabrá não quis ou não soube apontar, ao lado dessa sugestão, os dilemas inerentes a ela; infelizmente, as poucas linhas de Nelson Sabrá, mais parecem refletir piscada de olhos para os votos da juventude que afiada preocupação com a construção da Universidade pública. O difuso artigo do presidente do PFL leva o mérito da lembrança, mas afasta os problemas que precisariam de solução.

Lembrar a criação da Universidade Federal de Petrópolis nesta cidade, é evidente, significa esbarrar em interesses longínqüos e sedimentados do ensino superior em Petrópolis. Ocupando um vazio ou tomando a dianteira, a UCP, com seu peso específico, inibiu ao longo de cinqüenta anos, a fundação dessa Universidade Pública. Porém, a minha engenharia contempla essa Universidade católica, a escola superior mais antiga e reconhecida pelos petropolitanos. Poder-se-ia dizer que, fundada em 1953, essa Universidade advém do crescimento econômico que a cidade experimentara desde a sua fundação. Na década de cinqüenta, Petrópolis era a primeira cidade do antigo Estado do Rio de Janeiro em consumo de energia industrial fornecida pela antiga CBEE. Se a hipótese anterior guarda alguma verdade, a crise por que passa a UCP hoje permite certa relação com a decadência econômico-industrial do município..

Avistado de meu lápis, pois, de fato, não estudei nessa Universidade, o abalo, não sei se mortal, dessa escola superior católica porta também determinado motivo acadêmico. Encontrado nas Universidades públicas, o mecanismo de estímulo dos professores parece não ter medrado na UCP. Não são os títulos – stricto sensu – de mestrado, doutorado, livre-docência ou pós-doutorado, evidentemente, que dão ao professor o saber do cientista ou do intelectual. O problema é que a Instituição universitária não pode apostar simplesmente na capacidade individual do professor para a investigação, pois alguns – talvez um bom número – não carregam esta aptidão. O fato é que, parecendo não existir necessidade absoluta dos docentes para pesquisas e títulos da carreira, usuais na vida pública acadêmica, foi a UCP – gradualmente – transformando-se em mais uma Universidade particular ao se aproximar menos da pesquisa que do magistério. Os dois caminham juntos na Universidade pública; as PUCs, católicas também, cobram titulação. O antigo governo PSDB-Fernando Henrique Cardoso, desejando destruir a Universidade pública, gerou atenção para a particular, procurando, como uma das contrapartidas, exigir a titulação pós-graduada dos professores, cujo motivo seria a melhora relativa dos quadros docentes das escolas superiores particulares, desse modo, justificando os recursos retirados à Universidade pública. Eu não sei se a UCP aproveitou esse momento e estimulou a titulação. Assisti ao estado de dúvida em seu curso de direito. Com tudo isso, o fato é que, com a demasiada crise econômica, entre outras razões, originada na grandeza do superávit primário herdado de FHC e mantido pela Articulação-PT, com opção, o provável aluno escolhe a tabela de preço mais barata oferecida pelas Universidades particulares.

Sob esse aspecto, qual a fortuna hoje da UCP ante a cidade de Petrópolis? É o seu jubileu – cinqüenta anos de presença petropolitana, cuja pátina lhe dá incontestável autoridade para virar, com coragem, de ponta-cabeça a sua trajetória, liderando o movimento de construção da Universidade Federal de Petrópolis, cujo campus, justamente, seriam os prédios e todo o verde liberados pela eventual saída da 32ª Brigada.

Pode parecer o engenho extravagante. Devo responder que Universidades Federais foram criadas no Brasil a partir de estruturas de ensino privado encontradas no interior. Por Exemplo: a antiga Funrei, atualmente, UFSJ. Esta Universidade começou como fundação federal de ensino superior, originada de faculdades católicas existentes em seu município. Toda a estrutura privada – inclusive professores – foi absorvida pela fundação. Eu não tenho absoluta certeza, mas os docentes ou mesmo funcionários, que por um motivo ou outro dispensaram o usual e obrigatório concurso de entrada, permanecem como funcionários federais apenas da UFSJ, não tendo direito a transferências para outros campus espalhados pelo país. A Funrei foi fundada na segunda metade dos anos oitenta do século XX; ao longo desse tempo, os primeiros professores foram fazendo seus mestrados e doutorados em outras Universidades federais ou estaduais, além de ser feita a incorporação de novos docentes. Hoje organiza abertura de curso de mestrado. Não obstante a presença de Instituições federais de ensino superior relativamente próximas – Lavras, Ouro Preto, BH, além de Universidade particular em Barbacena -, a elite da cidade soube caminhar unida e determinada em torno do projeto, se bem que não posso omitir o notório nome de um ex-membro dessa elite, Tancredo Neves, cujo empenho foi fundamental para a fundação dessa Universidade.

Petrópolis não tem um presidente da República que lute por ela, mas a tradição na construção de Universidades Federais pelo interior do país pode e deve ser buscada. Em torno do projeto da UFP, clareza de propósito, determinação, paciência, coesão e capacidade de articulação são vitais para a elite petropolitana. Com estrutura imensamente superior à daquelas faculdades que originaram a UFSJ, vendendo ou alugando alguns imóveis – caso o 32º Batalhão, adiante, siga para o Amazonas – a UCP financiaria diversas obras ou planos para auxiliar a constituição dessa Universidade Federal de Petrópolis. Em determinado momento do processo, provavelmente, a Faculdade de Medicina a ela iria se acoplar.

De uma assentada, solucionar-se-ia a pública agonia da UCP e a preservação da reserva ambiental urbana, devido à manutenção da autoridade federal, mais eficaz que o estado ou o município; por fim, um dos necessários planos de retomada de crescimento e de futuro para Petrópolis estaria realizado. Efetivado para as novas gerações, pois, caso contrário, a diáspora vencerá..