Américo Lourenço Jacobina Lacombe

Lourenço Luiz Lacombe, ex-Associado Titular, falecido, Patrono da cadeira nº 28 –

Eis um consócio sobre o qual é muito difícil falar. Meu primo irmão duas vezes, pois que nossos pais eram irmãos e nossas mães eram irmãs. Fomos criados praticamente na mesma casa, de minha avó, que se comunicava com a nossa, por uma passagem no jardim. Embora mais velho do que eu, pois teria feito 84 anos e eu ainda não completei 80, Américo sempre foi para mim, o companheiro certo das ocasiões incertas, o amigo que não me falhava nas horas mais necessárias. Quantas vezes chego ainda pensar: vou comentar isto com Américo; preciso conversa sobre isto com Américo – e logo depois vem a desilusão da verdade… Guardo, por isso, dele uma lembrança imperecível e uma saudade profunda e dorida que me acompanhará, estou certo, até o fim de minha vida.

No dia em que completaria 84 anos celebrou o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro expressiva sessão em sua homenagem, quando falaram os companheiros Arno Welling e Homero Sena. Seus discursos, perfeitos e definitivos, disseram tudo que poderiam dizer sobre o homenageado. E no final da sessão, coube-me a pedido de meus primos, filhos de Américo, ali presentes, agradecer em nome deles a homenagem. Não consegui. Subi a tribuna e mal pude pronunciar comovido: “Obrigado! Muito obrigado – mesmo!” E desci, emocionado.

Américo nasceu como que sob o signo do número 7. Os estudiosos em numerologia poderão, talvez, explicar o que isto representou em sua vida. Era sétimo filho do casal Domingos Lourenço Lacombe e Isabel Jacobina Lacombe; nasceu no dia 7 do sétimo mês do ano e seu nome tem exatamente sete letras. E para completar esta série de coincidências morreu no dia sete (de abril) de 94

Sua personalidade deve ser estudada sobre quatro aspectos que se entrelaçam e se completam: o professor, o historiador, o ruista e o homem de fé.

Depois de seus primeiros estudos no saudoso Curso Jacobina, de tão gloriosa tradição na vida educacional brasileira Bacharelou-se na velha Faculdade de Direito da Rua do Catete. O velho e desconfortável casarão abrigava nessa época uma plêiade de jovens idealistas aos quais logo Américo se uniu e que viriam a se destacar na vida pública do país – entre os quais a figura estelar de San Tiago Dantas.

Recebido o diploma em 1931, mais sem sentir a vocação para a lides jurídicas – e é de notar ter doutorado em direito em 1933; encaminhou-se para o magistério, pois era como que a vocação da família – lecionando em vários colégios – a começar pelo Jacobina , o que mesmo durante o seu curso de Direito, e também em vários outros como o Sion , o São Bento e o Santo Inácio. Foi então levado por Alceu Amoroso Lima a formar o grupo que lançou as bases da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro onde lecionou História, matéria de sua especialidade , de 1941 ate 1968, tendo recebido, ao aposentar-se, o título de Professor Emérito . Foi também professor do Instituto Rio Branco, tendo como discípulo vários diplomatas, hoje embaixadores de renome e que vieram a tornar-se, mais tarde, seus amigos.

Como historiador – é outra faceta da sua vida – redigiu uma série de trabalhos, obras de maior importância para a cultura brasileira, iniciada com Mocidade e Exílio quando prefaciou e anotou a correspondência de Rui Barbosa, cuidadosamente conservada durante anos por nossa família. Essa obra é de 1934 e foi seu livro de estréia, em que já denota o pendor pela biografia e pela obra do grande brasileiro. Prossegue com vários outros trabalhos históricos que vieram à luz até o último deles: Afonso Pena e Sua Época, considerado pela crítica como sua obra mestra, cujo exemplar, me ofereceu, frisando na dedicatória “a constante amizade do primo”.

A importância de Américo no terreno da História, foi citada pelo seu confrade Alberto Venâncio Filho, discurso de posse na academia, relatando que Afonso Arinos, em caso de dúvida dizia: “Vou consultar o Américo que sabe tudo! Como sabe o Américo!” que escreveu ainda em seu Diário de Bolso : “Américo, meu velho amigo […] provoca sempre minha admiração pela sua integridade e pela precisão do seu saber histórico […] sua memória não falha. É jovem aos sessenta e muitos anos” a que acrescenta Venâncio: “Ainda mais jovem aos 82” – era quanto tinha na época. E prossegue: “Modelo de virtudes, chefe de família exemplar, é ao culto modesto de Rui Barbosa que consagrou grande parte de sua vida, podendo chamar-lhe” servidor público exemplar” na direção da casa de Rui Barbosa. “Exerceu essa direção por 54 anos, dela só se afastando em duas oportunidades: em l959, quando foi nomeado pelo prefeito do então Distrito Federal, Sá Freire e Alvim, para assumir a Secretaria de Educação e Cultura, e l962, quando foi chamado a dirigir a Casa do Brasil em Paris, tendo nesta época sido encarregado do Curso de Civilização Brasileira na Ecole des Hautes Etudes de l’Amérique Latine, mantida pela Sorbonne. Na Casa de Rui Barbosa dedicou-se ainda à edição das obras completas do seu patrono, anotando e prefaciando, a elas dedicando, inclusive, um verdadeiro trabalho braçal, na correção das provas a que se dedicava também com grande afinco.

Todos esses títulos, toda essa paixão pela verdade histórica, trouxeram-no, muito naturalmente, à Comissão do Centenário da Fundação de Petrópolis, desaguou no nosso Instituto, de que foi, pois, um dos fundadores. Entre nós foi o segundo secretário e membro da Comissão de Sócios, durante várias administrações.

Com essas credenciais foi muito naturalmente levado ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro onde entrou como sócio efetivo em 1945, passando a benemérito em 1968 e grande benemérito em 1971. Durante longos anos foi Diretor da Revista e primeiro Vice-Presidente do Instituto. Por morte de Pedro Calmon assumiu a presidência, para qual foi eleito depois, por dois mandatos sucessivos, não aceitando a terceira eleição. E o Instituto concedeu-lhe, em caráter excepcional, a Presidência Honorária. Mas nós aqui, já lhe havíamos outorgado esse galardão, não só como sócio fundador, como por ser presidente do IHGB, como havíamos feito com seus antecessores.

Sucedendo a Pedro Calmon foi, na Presidência do IHGB, dirigente excepcional, dignificando as tradições de nossa instituição cultural, a mais antiga do Brasil. Pertenceu ainda a outros institutos históricos, como o do Rio de Janeiro, S.Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Pernambuco e pode ser considerado, como disse, o fundador do de Petrópolis, sendo que daquele grupo inicial de 40, ele era o derradeiro sobrevivente… Pertenceu ainda ao Instituto de Coimbra e à Academia Portuguesa da História, onde era correspondente brasileiro, titular da cadeira número 36. O governo português condecorou-o com a Ordem de Cristo.

O aspecto ruista na vida de Américo merece um destaque especial: nomeado Diretor da Casa de Rui Barbosa em 1939, que logrou transformar em fundação – conservou-se à frente da instituição por 54 anos. Na árdua tarefa de dirigir essa repartição “levou-o a executar, atesta Homero Sena, desde os serviços mais modestos, como a conferência de provas tipográficas dos primeiros volumes das Obras Completas […] até os mais aprofundados e exaustivos estudos, de que é exemplo o prefácio – História de um Jornal, que escreveu para os 12 tomos em que foi reunida a colaboração de Rui para periódico A Imprensa. Mas tudo isso Américo fazia por ideal – e o “ideal, disse o próprio Rui – não se define, enxerga-se pelas clareiras que dão para o infinito”.

Sua eleição para Academia Brasileira, em 1974, foi a consagração de toda uma vida dedicada à cultura. Recebido por Luís Viana Filho, biógrafo de Rui, escolheu o dia 2 de julho ( data da Bahia) para tomar posse. E o fez num primoroso discurso no qual biografou todos os seus antecessores, desde o patrono da cadeira até o sábio Silva Melo , a quem sucedia.

Mas há ainda um aspecto na biografia de Américo que não pode ser esquecido – ou antes – deve ser exaltado.

Católico por formação e por convicção, cedo começou a freqüentar o Centro D. Vidal onde conheceu Jackson de Figueiredo e o sábio Padre Leonel Franca. Homem de comunhão freqüente muito se afligia com os desvios que certos religiosos “avançados” davam à Igreja pós-conciliatória.

Tendo sido acometido, em certa época, de um enfarto do miocárdio, recomendaram-lhe os médicos que andasse todas as manhãs. E nas caminhadas diárias pelas ruas próximas de sua casa, foi-lhe advertido do perigo que corria andar por essas ruas do Rio sem policiamento. Passou então a andar pelas salas de seu amplo apartamento enquanto rezava o terço.

Revelou-nos ainda o seu companheiro Luís de Castro Sousa ser Américo um autêntico e praticante Vicentino, ordem leiga, que tem por obrigação cuidar dos humildes e necessitados anonimamente

Américo Lourenço Jacobina Lacombe, ao enfrentar a eternidade naquele 7 de abril, não compareceu de mãos vazias, e podia repetir o trecho da Epístola de São Paulo a Timóteo: “Combati o bom combate, terminei minha carreira e conservei a fé”.