PERFIL DE JOAQUIM NABUCO DIANTE DE SUA PERSONALIDADE DE HOMEM BRASILEIRO E SEU TEMPO

 Joaquim Eloy Duarte dos Santos, Associado Titular, Cadeira n.º 14 – Patrono João Duarte da Silveira

Há muitos anos li um impressionante trabalho literário ao tempo em que vivo documento de uma época de nossa História do Brasil. Era um alentado estudo biográfico acerca do estadista Nabuco de Araújo, sob o pomposo título “Um Estadista do Império, Nabuco de Araújo – Sua vida, suas opiniões, sua época – por seu filho Joaquim Nabuco”.

O filho, Joaquim Nabuco, que produzira tão alentado trabalho, era uma personalidade das mais respeitadas no decorrer da agitadíssima fase interregna Império – República. Sem dúvida, um dos lummares da cultura brasileira, Joaquim Nabuco tomara o encargo de escrever uma biografia do conselheiro Nabuco, seu pai, exemplo de vida, de homem público, de cidadão brasileiro da mais alta estirpe de amor ao país. Tal como o pai assim o era, o filho, Joaquim Nabuco. A extensa e completa biografia política do pai era, em verdade, o início da expressiva biografia do filho. Ou melhor dizendo, da autobiografia do filho haja visto que a projeção moral, intelectual, pública, familiar, era simbioticamente perfeita; entrelaçavam-se as personalidades, indivisíveis, em seqüência admirável de uma geração para a outra. Umbelicavam-se as vidas com a perfeição maior do sentimento de amor filial, profissional e respeitoso cumprimento da perfeita missão pública por ambos abraçada e levada quase à perfeição. Quase à perfeição porque, seres humanos, cada qual, sem exceção, por pensamentos e obras, têm descaminhos de trajetória, tragando o indivíduo nos abismos da curiosidade da vida por suas opções naturalmente sociais. Os Nabuco de Araújo não fugiram à regra e, tal como os titulares de funções públicas de nossos dias – e de todos os tempos – sofreram a crítica nos impropérios oposicionistas ou, até, na negridão dos cortinados palacianos, que sempre escondem as tramas obscuras embuçadas pelos sorrisos da hipocrisia estampada nas luminárias da falsidade. Não fora a criatura humana o personagem mais inconstante do reino biológico, soprado na materialidade de um astro celeste dotado de vida, pelo destino divino.

Joaquim Nabuco escrevendo sobre o pai, falou do país; biografando o progenitor ilustre, fez história; condensando em letras de forma a vida de um ser humano de raras virtudes, contribuiu para o esclarecimento da fase imperial de nosso desenvolvimento como nação. Tomou de paradigma uma figura de exponencial e rara atuação nos fastos de um momento de fixação da argamassa de um país, mostrando a luta pela verdade na certeza do melhor e mais consistente trabalho. O livro é perfeito pelo conteúdo sistemático e bem pesquisado, enquanto biografia; literariamente, admirável pelo estilo agradável, de nenhum rebuscamento, antes simples e objetivamente descritivo de uma vida coroada de notibilitante missão. Obra literária de conceituação crítica “prima” histórica, no sentido da pesquisa percuciente; analítica enquanto fixadora de um tempo vivido em todas as suas implicações do global entorno da complexa vida do Império Brasileiro. Eis que, Joaquim Nabuco, do alto de sua invejável cultura e de sua estrutura de estudioso de várias facetas do conhecimento de seu tempo, conseguiu reunir . num livro, de alentado esforço biográfico, a perfeição de um definitivo e imortal trabalho literário. Passa à posteridade pela fixação do momento ancestral e por sua atuação, em seguida, nas mesmas trilhas do pai.

Bem-aventurado o ferreiro que dignifica a arte magnífica do mestre do ofício; o escultor que fixa no bronze a eternidade do mestre; o pintor que deixa retratado o mecenas intelectual, artístico ou financeiro; o intelectual que esmiuça o valor, o trabalho, a dignidade de seu modelo maior, cujas pegadas caminheiras a vida confunde com as suas.

Honra a dignidade humana mais pura aquele que agradece à ancestralidade o passo de cada dia de sua vida presente, narrando aos contemporâneos e deixando aos pósteros o registro da passagem luminosa, tenha sido em atividades múltiplas e, nem sempre, da mesma expressão alcançada pelo biógrafo, tenha sido na. glória ou no fracasso de uma existência luminosa ou embuçada de simplicidade.

Joaquim Nabuco fez da vida do pai uma obra prima, tanto pela extraordinária personalidade no conteúdo das informações, quanto pelo estilo de uma rosa encantadora, em legado futuro de. muito amor pela origem e magnífica assunção do exemplo ilibado e perfeito. Uma biografia deve ser escrita em linguagem literária para que ultrapasse o sentido didático da mera informação e se transforme em peça para agradável leitura e interpretação de uma época por suas personalidades e vivências que tenham determinado um divisor de conhecimento e expansão cientificamente adequada. Um dos grandes mestres da biografia literária mundial foi Stefan Sweig, que soube enredar a pessoa nos fatos, nos corredores da intriga ou nos tronos do fausto, assim como perlustrou os becos das indigências morais. Seu trabalho tornou-se referência mundial e literariamente um dos pilares da literatura do século XX.

Obviamente não existe qualquer aproximação ou relação literária entre Stefan Sweig e Joaquim Nabuco. A referência ao notável escritor austríaco serve apenas para ressaltar que a obra prima de Joaquim Nabuco de conteúdo biográfico acerca do pai, tem o mesmo porte dos ensaios de Sweig, pelo valor da obra e pela importância como documento de nossa história, com muitas diferenças quanto ao conteúdo, em Joaquim Nabuco restrito aos informes biográficos no contexto do tempo do biografado, e em Stefan Sweig, mais literário com achegas de ficção e com tintas fortes de paixão.

Ao tomar a obra máxima de produção literária do grande estadista e político Joaquim Nabuco como tema dessa comunicação, quis mostrar a sua raiz de família impressa em sua vida e no seu comportamento profissional e individual, tomando do pai a inspiração, o exemplo, a sobriedade e a decência como norte de sua profícua vida, hoje na imortalidade da lembrança permanente do povo brasileiro.

Não tivesse Joaquim Nabuco a projeção de grande vulto de nossa história, a passagem dos 150 anos de seu nascimento estaria sepultada na indiferença do esquecimento, indiferença esta que só atinge aqueles que, mesmo trabalhando intensamente, não conseguem manter aceso o lume que clareia a renovada aurora do porvir, diante de um passado nobilitante quanto de exemplo perfeito.

Joaquim Nabuco, brasileiro notável, veranista em Petrópolis, estadista da altura de Rio Branco e Rui Barbosa, para citar apenas seus coevos, estará conosco, eternamente, na lembrança de nossa melhor história.