DETALHES INTERESSANTES SOBRE O PLANO DE KOELER

Carlos Oliveira Fróes, ex-Associado Titular, Cadeira n.º 18 – Patrono Gabriel Kopke Fróes

1. O PLANO DE KOELER

O Plano de Koeler para edificação de uma Colônia de Estrangeiros na Serra da Estrella, foi extremamente amplo e muito bem estruturado. Cobria todos os setores prioritários indispensáveis à formação e desenvolvimento de uma comunidade serrana.

Esse “plano” não consistiu apenas de uma “idéia”. Ele realmente existiu na forma de “um opúsculo”, conforme garantiu Araújo Porto Alegre, em seu artigo publicado na edição de 19.VI.1859 de “O PARAHYBA”, no qual atribuiu, categoricamente, sua autoria a Koeler.

Infelizmente tal “opúsculo” foi extraviado!

No presente trabalho, iremos enfocar, apenas, alguns detalhes do Plano Koeler – original – julgados interessantes, os quais constaram da parte do Projeto de Urbanização referente às obras públicas e ao Imperial Palácio de Verão.

Como base confiável, iremos nos reportar à “Planta de Petrópolis – 1846”, levantada e desenhada pelo próprio Koeler (*), cuja análise poderia nos orientar acerca das intenções do seu autor quanto ao traçado inicial das ruas, canais de retificação dos rios, praças, caminhos coloniais, quarteirões, Imperial Palácio de Verão, Igreja Paroquial, Cemitério, alguns prédios públicos e outros gerais e, finalmente, quanto à locação dos prazos, tanto nas duas Villas, como nos onze quarteirões primitivos.

(*) E também: o Decreto de 16.III.1843; a Escritura de arrendamento da Imperial Fazenda Córrego Secco ao MJ-ICE J. K. Koeler de 26.VII.843; e os termos adicionais de 26.VII.1843 e 30.X.1843, estabelecendo as “condições com que se aforam terras da Fazenda de SMI denominada Córrego Secco

2. O TERRITÓRIO ABRANGIDO NO PLANO DE KOELER E SUA FORMA DE OCUPAÇÃO

O primeiro detalhe interessante que resolvemos abordar foi a divisão territorial imaginada por Koeler para implementação do seu plano.

Contava ele com a Fazenda Quitandinha – adquirida por ele em 1841 – e com a contígua Imperial Fazenda do Córrego Secco que arrendara em 1843. Essas duas propriedades formavam uma considerável área com cerca de 8.250.000 braças quadradas.

Tal área, considerada como um todo em seu projeto, foi dividida em dois setores: o de Villas – Imperial e Thereza – e no de Quarteirões – Palatinato Inferior, Palatinato Superior, Rhenania Inferior, Rhenania Central, Castellania, Simmeria, Nassau, Mosella, Ingelheim, Bingen e Westphallia.

Nitidamente, Koeler imaginara um setor urbano formado pelas Villas e um setor suburbano – ou colonial – formado pelos Quarteirões.

As vias de comunicação das Villas ele classificou como Ruas e aquelas destinadas ao acesso aos Quarteirões foram denominadas de Caminhos Coloniais.

É importante salientar que para cada Quarteirão deveria haver, apenas, um Caminho Colonial, traçado na base dos morros formadores dos vales que se desenvolviam no local. Nesse Caminho, faziam testada todos os prazos destinados aos aforamentos.

Como estavam previstos limites para as linhas de fundo dos prazos, todas as áreas além delas pertenciam à Imperial Fazenda de Petrópolis, ficando, assim, garantida a não ocupação nas cotas mais elevadas das encostas dos morros adjacentes aos Caminhos Coloniais. Dessa forma não havia possibilidade de abertura de vias transversais ou remoção de morros.

Nas duas Villas não houve o cuidado de preservação absoluta da topografia original e as ruas foram abertas segundo critérios mais objetivos visando ao preparo de uma área destinada à formação de um núcleo de povoação, apto para um desenvolvimento em Villa (p. d.) ou Cidade.

Como exemplo de ruas transversais citamos a Rua dos Engenheiros (depois dos Protestantes) e a Rua de D. Francisca.

Como grandes alterações topográficas, citamos:

a remoção do apêndice do Morro do Cruzeiro voltado para a Rua da Imperatriz;
o desmorramento da colina no local previsto para edificação da Igreja de São Pedro de Alcântara, formando a Praça de São Pedro de Alcântara;
a retificação e canalização dos rios Quitandinha e Palatino (Secco), na Rua do Imperador;
a retificação e canalização do rio Quitandinha nas Ruas da Imperatriz, de D. Maria II, de D. Affonso, de Bragança e dos Artistas;
os cortes provocados para abertura das Ruas Thereza, de Bourbon, dos Protestantes; e
o nivelamento dos terrenos do Imperial Palácio de Verão.

Todavia, foi mantido, na quase totalidade dos prazos negociados, o critério de não aforamento de áreas além – acima – das linhas de fundo estabelecidas pela Imperial Fazenda de Petrópolis.

Infelizmente, a rigorosa observância desse critério foi sofrendo algumas violações. A tal respeito, o exemplo negativo mais marcante que considero, foi a criação do Quarteirão Português em 1858, cujo Caminho Colonial – mais tarde cognominado de Estrada da Saudade – abriu o precedente para abertura de vias ao longo de níveis médios de encostas que apresentavam elevado grau de inclinação.

Outro exemplo marcante ocorreu no início de Quarteirão Rhenania Inferior, com a edificação das instalações pioneiras da indústria local de tecidos – primeiramente a “Imperial Fábrica de Tecidos da Rhenania” [1864] e depois a “Imperial Fábrica de Tecidos São Pedro de Alcântara” {1873} -, construções essas que impediram definitivamente o prosseguimento da duplicação das pistas ao longo do rio Quitandinha no sentido de suas nascentes.

3. A ESTRADA NORMAL DA ESTRELLA E O PLANO KOELER

Outro ponto que julgamos importante mencionar foi o fato de que a espinha dorsal viária da Povoação de Petrópolis – formada pelas Ruas Thereza, de Aureliano, de D. Januária, do Imperador e, contingencialmente, pelas Ruas do Mordomo e do Honório – foi projetada como uma variante da Estrada Geral de Minas Gerais, via essa que, pouco a pouco, estava sendo readaptada como “Estrada Normal”. O trecho de subida da Serra da Estrella já havia sido iniciado em janeiro de 1843 e o seguinte, até o “Marco dos Sete Caminhos”, tecnicamente não necessitaria de um desvio, devendo prosseguir ao longo da rota pioneira da Estrada Geral que beirava o Córrego Secco.

Porém isso não ocorreu. Ainda em 1843, foi decidido que tal prosseguimento deveria ser processado por um novo trecho de Estrada Normal, com início no Alto da Serra, passando defronte à casa-sede da Fazenda Córrego Secco e finalizando no “Marco dos Sete Caminhos”.

Como podemos deduzir claramente, essa variante cortaria a Villa Thereza e a Villa Imperial e já havia sido mencionada no Decreto n.º 155, de 16.III.1843 , como “estrada geral que corta aquela fazenda” e no Artigo 3º do Contrato de Arrendamento da Imperial Fazenda Córrego Secco, como “estrada nova”.

Não entrando no mérito dessa decisão, podemos afirmar que ela foi providencial para a execução do projeto de urbanização da embrionária Povoação de Petrópolis.

O supracitado trecho da Estrada Geral foi aproveitado para constituir o eixo viário da futura Povoação, formado pela Rua Thereza, Rua de Aureliano, Rua de D. Januária, Rua do Imperador e, contingencialmente, pela Rua do Mordomo e Rua do Honório.

A principal artéria desse sistema era a Rua do Imperador com cerca de 600 braças (1.320 m) de extensão, onde deveriam ser concentrados os hotéis, as casas comerciais e os demais estabelecimentos de apoio à população e aos viajantes.

4. OS ACERTOS PRELIMINARES PARA A LOCALIZAÇÃO DO IMPERIAL PALÁCIO DE VERÃO

Os primeiros passos para o projeto do Imperial Palácio de Verão não ficaram bem esclarecidos. Pelo que se pode deduzir da Escritura de Arrendamento da Imperial Fazenda Córrego Secco e seus Termos Adicionais, a primitiva área escolhida para edificação do Imperial Palácio de Verão, ficava na Rua do Imperador – pela margem direita do rio Palatino (Secco), cujos outros limites eram:

o “sítio de Antônio Correa Dantas”;
o rio Quitandinha, após a confluência com o rio Palatino; e
o rio Piabanha, a partir da Praça da Confluência.

Há uma grande probabilidade que o Imperial Palácio de Verão tivesse sido, inicialmente, projetado para ter sua fachada frontal voltada para a Rua do Imperador, no trecho entre a “bacia e o seu final”. Tal localização teria sido acordada durante uma suposta visita que SMI D. Pedro II teria feito ao Córrego Secco por volta do ano de 1844. Tal visita foi anunciada, porém só há confirmação da chegada de SMI à Imperial Fábrica de Pólvora da Estrella.

Todavia, no segundo semestre de 1845 foi solicitada a presença de SMI em Petrópolis para decidir “sobre a mudança de localização do Imperial Palácio de Verão”, devido a um problema que não poderia ser contornado.

Tal problema não pode ser imaginado como um simples reajuste, da ordem de um recuo, avanço ou centralização.

Evidentemente, deveria tratar-se de uma alteração radical que carecia da presença do Imperador para uma tomada de decisão, possivelmente um redirecionamento de fachada para a Rua da Imperatriz.

O problema que gerou tal alteração e não pôde ser contornado foi uma “grande pedreira” – inicialmente imaginada como um simples morro -, a qual começava na metade da área prevista para a testada dos terrenos do Palácio na Rua do Imperador e se estendia, por cerca de 100 braças (200 m), na direção do sítio do Antônio Correa Dantas. Além do mais, a “pedreira” também se projetava sobre o traçado da referida rua e do seu respectivo canal, assunto esse que será abordado com maiores detalhes no tópico seguinte.

SMI D.Pedro II e a Imperatriz chegaram a Petrópolis no dia 11.V.1845 e ficaram hospedados durante dois dias na casa-sede da Imperial Fazenda Córrego Secco. Naquela ocasião, foram acertadas a definitiva localização do Palácio e a delimitação do seu terreno, inteiramente na Rua da Imperatriz.

O restante da área da Rua do Imperador, entre o seu final e a Praça do Imperador, foi destinado à locação – provavelmente – de prédios públicos, de um hotel – futuro Hotel Suisso – e de uma área para aforamentos.

5. A DEMORADA COMPLEMENTAÇÃO DA RUA DO IMPERADOR

A Rua do Imperador constituiu a base do sistema viário da embrionária Petrópolis.

Sua construção teve início muito cedo, podendo estimar-se que ocorreu bem antes de 1845.

Projetada para ter seu início no final do Caminho Colonial do Quarteirão Rhenania Inferior, deveria estender-se por cerca de 650 braças (1.436 m), em duas pistas paralelas, construídas ao longo dos trechos retificados e canalizados dos rios Quitandinha – 250 braças – e Palatino (Secco) – 400 braças – , terminando nas proximidades do “Marco dos Sete Caminhos”, onde se entroncava à Estrada Geral da Estrella, no trecho que, desde muito cedo, ficou conhecido como Rua dos Mineiros.

O detalhe interessante que iremos focalizar neste tópico, aborda o grande problema surgido para a conclusão do seu segmento final – abertura das pistas e do canal -, a partir da esquina da Rua do Mordomo, o qual acarretou um atraso de cerca de dez anos.

Esse problema surgiu por volta do início do ano de 1845, quando foi constatada a existência de uma grande pedreira de granito duríssimo, após a remoção da vegetação e da camada superficial de terra que a cobriam.

Tal pedreira chegava à margem direita do leito original do rio Palatino (Secco), bloqueando a área prevista para dar lugar ao projetado trecho final da Rua do Imperador, inclusive do canal que dividia suas pistas.

Na litografia, produzida em torno de 1850 por A. Martinet, mostrando o Hotel Suisso, observa-se, claramente, detalhes sobre a abertura do canal, onde fica ressaltado o aparecimento de uma rocha no subsolo.

Na foto legendada como “Rua do Imperador” que ilustra a obra de Carlos de Taunay, “VIAGEM PITORESCA A PETRÓPOLIS”, reproduzida na Edição Comemorativa do Anuário do Museu Imperial, 1995″, podemos verificar com detalhes, como ficou reduzida a “incômoda pedreira”.

Além disso, é possível imaginar-se até onde ela se projetava sobre o traçado da Rua do Imperador, previsto no Plano de Koeler.

Pelos relatórios dos Diretores da Imperial Colônia de Petrópolis, foi possível acompanhar todos os esforços feitos para remoção desse obstáculo.

Entretanto as operações só foram bem sucedidas na gestão do Major-ICE Sérgio Marcondes de Andrade, que contou com o apoio das equipes da empresa de Mariano Procópio Ferreira Laje, naquela fase deslocadas para Petrópolis, a fim de executar a macadamização do trecho de integração entre a Estrada Normal da Estrella e o início da Estrada União e Indústria, na Ponte do Retiro.

Na mesma forma do que estava sendo feito no “Cânion da Jacuba”, foram empregados explosivos mais poderosos – dinamite – para remoção das, até então, indestrutíveis rochas.

No decurso de 1858, o canal e as duas pistas laterais foram concluídas, tendo início a ocupação efetiva de todos os prazos da Imperial Fazenda de Petrópolis dispostos ao longo desse trecho.