O AMANHECER DO SISTEMA VIÁRIO FLUMINENSE

Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima

Uma das primeiras, senão a primeira legislação sobre temas viários no Império do Brasil, foi a lei de 29 de agosto de 1828, votada pela Assembléia Geral e sancionada por D. Pedro I, que estabelecia em síntese o seguinte:

1º – que as obras que tivessem por objeto promover a navegação dos rios, abrir canais, ou construir estradas, pontes calçadas ou aquedutos, poderiam ser feitas por empresários nacionais ou estrangeiros, por si, ou através de companhias;

2º – que as obras a serem executadas na província da capital do Império, ou que interessarem a mais de uma província, estariam a cargo do Ministério do Império; as que fossem privativas de uma só província, caberiam ao seu Presidente em Conselho; as que se dessem no termo de uma cidade ou vila, seriam da alçada da respectiva Câmara Municipal;

3º – que a cada projeto de obra, deveria corresponder uma planta, um plano e o orçamento das despesas, elaborados por engenheiro ou pessoa que entendesse do assunto, na falta daquele;

4º – que a planta e o orçamento seriam afixados nos lugares públicos, de maneira que os interessados pudessem fazer observações e apresentar reclamações pertinentes ao projeto;

5º – que aprovada a planta, imediatamente abrir-se-ia concorrência pública, dando-se preferência a quem maiores vantagens oferecesse;

6º – que escolhido o empresário, lavrar-se-ia o contrato.

Esta era por conseguinte uma lei geral, anterior ao surgimento no cenário brasileiro da Província do Rio de Janeiro, já sem o chamado Município Neutro da Corte, o que somente ocorreu em 1834, depois do Ato Adicional.

Em 1835, instalava-se com governo próprio a província fluminense, na sua capital, a Vila Real da Praia Grande, depois Imperial Cidade de Niterói.

Das primeiras preocupações do Presidente de Itaboraí e de seus sucessores mais imediatos, foi justamente o sistema viário de uma das mais importantes unidades do Império, em plena expansão da cultura cafeeira.

A necessidade do escoamento rápido, eficiente, seguro e a baixo custo da exuberante produção agrícola provincial, impunha um sistema viário inteligente, que em alguns casos, haveria de integrar a periferia de Minas e São Paulo ao Rio de Janeiro, pelos mesmos interesses econômicos.

A lei nº 35 de 6 de maio de 1836, que tratava do orçamento da Província para o exercício financeiro de 1836 a 1837, estabelecia no Capítulo X, referente às Obras Públicas, o seguinte:

“Com a diretoria das Obras Públicas e com aquelas obras que foram aprovadas pela assembléia, havendo especial atenção com as que estão em andamento e com as que forem mais urgentes 160:000$000 (cento e sessenta contos de reis)”

Logo em seguida eram enumeradas as obras aprovadas, no setor viário e adjacências:

1 – Estrada Geral do Cantagalo;
2 – Estrada da Serra da Estrela;
3 – Estrada de Itaguaí;
4 – Estrada da Polícia;
5 – Estrada do Comércio;
6 – Estrada de Mangaratiba a São João do Príncipe (São João Marcos desaparecida sob as águas da represa de Lages);
7 – Estrada de Angra dos Reis a Resende por Bananal e Arêas;
8 – Ponte sobre o rio Casseribú (no antigo município de Santo Antonio de Sá, depois transferido para Santana de Japuiba e finalmente para Cachoeiras de Macacu);
9 – Canal do Nogueira em Campos dos Goitacazes;
10 – Ponte sobre o rio Paraíba, em Paraíba do Sul;
11 – Muralha do Paraíba em Campos dos Goitacazes;
12 – Conserto na Estrada Velha da Serra de Parati;
13 – Reedificação da ponte sobre o Paraíba em Resende.

Observe-se que a maioria das obras dizia respeito às ligações dos portos do recôncavo da Guanabara e dos de Mangaratiba, Angra dos Reis e Parati, com o interior da Província, com o Vale do Paraíba paulista e com a Mata mineira, pela Paraíba do Sul ou por Cantagalo, imenso município, à época dessas cogitações.

Em síntese, a Província não era pensada longitudinalmente, ao longo do curso do Paraíba, mas transversalmente, com fulcro na beira mar.

É verdade que o decreto nº 29 de 18 de março de 1836 determinava que se procedessem às diligências necessárias, para dar à Assembléia Legislativa provincial as informações seguintes:

1º – Se a barra de Campos dos Goitacazes podia ser melhorada de modo a cessarem as dificuldades que impediam a entrada e saída das embarcações do alto mar;
2º – O plano da obra e os meios mais adequados para a sua execução;
3º – O orçamento da despesa.

Por falta de vontade política, apesar dos esforços de alguns abnegados ao longo dos anos, tal cometimento nunca saiu propriamente do papel, inviabilizando completamente o escoamento da enorme produção agrícola fluminense, através da chamada vertente goitacá, fulcrada nos cursos médio e baixo do Paraíba.

O decreto nº 41 de 9 de maio de 1836 autorizava o Presidente da Província a fazer despesas necessárias com as diligências que seguem:

1º – Levantamento do plano e orçamento de todas as obras que julgasse mais importantes para o desenvolvimento da Província, em especial, das estradas que melhor possibilitassem a comunicação e o transporte.
2º – Levantamento das plantas das pontes sobre os rios Guaxindiba, nos lugares denominados Alcântara, Cordão do Itaoca, Cabussú e Aldêa, nas então freguesias de São Gonçalo e Itaboraí e sobre o rio Iguá, no lugar dos Lobos, acompanhadas dos respectivos orçamentos da despesa;
3º – Estudo da navegabilidade do rio Itaguaí;
4º – Exame da estrada do Capivari (atual Silva Jardim) a Cabo Frio, para que eventualmente se lhe desse direção mais conveniente;
5º – Estudo da planta e orçamento da estrada de Cantagalo a Campos dos Goitacazes, com desenvolvimento pelos lugares mais vantajosos;
6º – Exame dos rios Iguá e Várzea para averiguar-se a possibilidade da comunicação dos mesmos e de sua navegabilidade;
7º – Exame da estrada da Mambucada pelas serras da Bocaina a Lorena, de modo a poder-se aquilitar de sua conveniência;
8º – Plano e orçamento da despesa para que fosse melhorada a estrada de Niterói a Maricá, pelo Morro da Paciência.

Examinaremos agora algumas das principais obras enumeradas na lei nº 35 e no decreto nº 41, ambos de maio de 1836.

A Estrada Geral de Cantagalo foi em linhas gerais, concebida nos termos da lei nº 25 de 14 de abril de 1835.

Este diploma legal no seu artigo 1º rezava o seguinte:

O Presidente da Província é autorizado para contratar com a companhia que oferecer maiores vantagens, o melhoramento e conservação da estrada que se dirige da capital da Província às vilas de Friburgo e Cantagalo, desde o lugar denominado Registro, até o fim da última descida da serra da Boa Vista, segundo o plano que o mesmo Presidente aprovar, tomando por base do contrato as disposições seguintes:
1º – a estrada teria que permitir trânsito de carros e carruagens;
2º – os trabalhos na estrada começariam dentro de seis meses contados da data do contrato;
3º – o empresário da estrada para compensar-se de suas despesas teria o direito de criar barreiras para cobrar taxas de passagem.

Seria ocioso comentar, que a via em apreço já existia de há muito, não passando de primitivo caminho por onde só podiam transitar pedestres, cavaleiros ou tropas. A vereda foi utilizada pelo viajôr inglês John Mawe, que no princípio do século XIX visitou Cantagalo, tendo deixado em livro suas sempre mal alinhavadas impressões.

A bem da verdade, quando da lei de 14 de abril de 1835, a estrada já apresentava boas condições de trânsito entre Niterói e a cachoeira grande do rio Macacu, no então município de Santo Antonio de Sá, tanto que o diploma legal em apreço referia-se a “melhoramento e conservação da estrada” a partir do chamado registro, que se localizava justamente na altura da referida cachoeira.

Mas, a história da viabilização desse cometimento, máxime no difícil trecho da serra, é longa e cheia de incidentes. Não caberia nesta resenha de caráter genérico. Entretanto a ligação rodoviária entre a Capital da Província e Cantagalo, que juntamente com Campos dos Goitacazes dividia a hegemonia no norte fluminense, tinha grande alcance integracionista, pinçando inclusive uma parte da Mata mineira, além de ser o escoadouro natural dos grandes produtores de café da terra de Euclides da Cunha.

Tem a mesma data a lei provincial de nº 26, que versa sobre a estrada do Porto da Estrela ao rio Paraibuna. Mas este é assunto para um próximo artigo.