A CONDESSA DE BARRAL

Aurea Maria de Freitas Carvalho, ex-Associada Titular, Cadeira n.º 4 – Patrono Arthur Alves Barbosa, falecida

Luisa Margarida Portugal de Barros, a Condessa de Barral e de Pedra Branca, merece mais de que uma simples e fria menção nas biografias das princesas Isabel e Leopoldina como preceptora; também não deve haver espaço para risinhos maliciosos ou irônicos quando seu nome é associado ao do Imperador Pedro II. Ela merece muito mais do que isto; foi uma mulher nada vulgar, possuidora de uma inteligência aguda, de uma cultura muito superior à que possuíam as mulheres de sua época, mormente as brasileiras, e possuidora de qualidades invejáveis. Luisa Margarida nasceu na Bahia em 13 de abril de 1816, filha de Domingos Borges de Barros, homem culto, literato, poeta e político que logo ocupou cargos no exterior, primeiro representando a Bahia nas Cortes Portuguesas, mesmo antes da Independência do Brasil, depois em França onde trabalhou pelo reconhecimento da nossa Independência e tão bem desempenhou esta função que mereceu o título de Barão de Pedra Branca em l825, logo depois elevado para Visconde. Embora fosse nomeado senador no Brasil ia-se deixando ficar em França. Havia, por certo, boas razões para isso e uma delas era certamente a filha que em Paris poderia cursar educandários bem superiores aos colégios para meninas do Rio de Janeiro de então, também a vida social no Brasil era acanhada e não se comparava à de Paris. Além disso levava-a a viajar por outros países como Suíça, Alemanha, Itália etc. proporcionando-lhe o conhecimento de várias línguas.

Em l831 Luisa Margarida perdeu a mãe e em 1833 veio ao Brasil mas a estadia foi curta e logo pai e filha retornaram à Europa.

Ainda bem jovem cogitou-se do futuro casamento de Luisa Margarida com Miguel Calmon du Pin e Almeida, que veio a ser mais tarde Marquês de Abrantes mas o pretendente era vinte anos mais idoso do ela e radicado no Brasil, o que naturalmente não agradou à jovem que opôs-se com energia aos planos paternos casando-se com o escolhido de seu coração, o Chevalier de Barral, filho do Conde de Barral e Marquês de Monferrat, com quem veio à Bahia passar uma temporada em 1839.

Por esse tempo realizou-se o casamento de D. Francisca, irmã de D. Pedro II com o Príncipe de Joinville, devendo esta portanto ir viver na Corte do marido, em Paris, porém, consciente de que iria encontrar dificuldades em adaptar-se de pronto a hábitos tão diferentes e não dominando bem a língua, quis perto de si uma brasileira que já tinha conhecimentos em Paris e que já brilhara na sociedade parisiense, tendo possuído um salão à rua d ‘Anjou freqüentado por intelectuais e artistas, inclusive Chopin, e que já fora comparado ao salão de Madame de Sevigné. Foi, pois, chamada a servir como dama de honor, vindo a ser, anos mais tarde, a primeira brasileira a ser nomeada dama do Paço pelo rei dos franceses, Luis Felipe.

Em 1847 veio a viscondessa de Barral a Bahia passar o que pensava ser uma simples temporada junto a seu pai, porém os acontecimentos na França e a deposição de Luis Felipe obrigaram os Barral a uma permanência muito mais demorada.

Esta estadia no Brasil foi abençoada por uma gravidez tardia que resultou no nascimento, a 17 de fevereiro de 1854, de um menino que recebeu o nome de Horace Dominique.

O velho Visconde de Pedra Branca teve a alegria de ver o nascimento do neto e o orgulho de saber que sua descendência estava assegurada, vindo a falecer no ano seguinte a 20 de março.

Por esta época o Imperador procurava alguém que se encarregasse da educação de suas filhas D. Isabel e D. Leopoldina preparando-as, uma para o papel de Imperatriz e ambas para futuros casamentos com príncipes estrangeiros, acostumados a Cortes mais exigentes que a Corte brasileira. Ora, a Barral prestava-se inteiramente a esse papel pois tivera oportunidade de viver na Corte francesa e conviver com a melhor sociedade européia. Ordenou pois D. Pedro II ao mordomo Paulo Barbosa da Silva, que aliás já a conhecia da Europa, que lhe escrevesse convidando-a a assumir o lugar.

Nessa ocasião mais uma vez patenteou-se a firmeza e a praticidade do caráter da Barral, embora mostrando-se honrada e agradecida com a distinção, fez questão de saber todos os detalhes do cargo que lhe propunham pois, sendo casada e tendo família, não poderia ficar no Paço de São Cristóvão, devendo lhe ser posta à disposição uma residência mobiliada e carro para seu transporte; além disso, devendo deixar seus engenhos e suas propriedades da Bahia entregues a mãos inexperientes que certamente lhe ocasionariam prejuízo, devia saber como seria ressarcida; interessava-lhe também saber qual seria sua posição na Corte, que tratamento teria nos dias comuns e nos dias de gala, quais seriam as aulas que deveria administrar às princesas, quem seria a “institutrice” que deveria acompanhar as princesas em sua ausência e de quem dependeria a mesma e como seriam o cerimonial e a etiqueta a seguir.

Foi-lhe respondido satisfatoriamente em todos os quesitos; ela seria nomeada Dama da Imperatriz, tudo que se referisse à educação das princesas estaria sob sua responsabilidade e vigilância; como já ficara estipulado anteriormente, ela receberia a quantia de 12.000 francos anuais e depois de completa a educação das princesas teria uma pensão vitalícia de 6.000, comeria à custa do Imperador, teria sege à disposição e a educação para o filho; quanto às lições, as princesas teriam mestres para as diversas matérias podendo a preceptora e a “institutrice” ministrarem as aulas que quisessem desde que seguissem os métodos dos mestres. É interessante acrescentar que a Barral, notando a falta de um compêndio sobre história do Brasil bem como um que contivesse uma história detalhada de Portugal, compôs, ela mesma, um livro contendo essas duas matérias.

Tendo resolvido as questões de ordem prática, a Barral assumiu seu cargo junto às princesas em setembro de 1856 e até 1864, ano do casamento destas, desempenhou-se do cargo com desvelo, seguindo-lhes o desenvolvimento intelectual e artístico, velando-lhes pela saúde, polindo-lhes as maneiras, formando-lhes o caráter. De tudo dava conhecimento aos imperadores em vasta correspondência.

Não se limitava porém a essas atividades; de espírito vivo e inteligência brilhante, logo passou a ter destaque na Corte, granjeando muitas amizades com sua simpatia e espírito de solidariedade mas também suscitando invejas e intrigas por parte de pessoas mesquinhas. Contou sempre, porém, com o amparo e a força do Imperador a quem devia fascinar, pois que ele cultuava os dons da inteligência e da cultura, somando-se a isso que a Condessa tinha maneiras requintadas e uma certa coqueteria natural a uma mulher jovem e bonita.

Deixando de existir a razão que a prendia no Brasil depois dos casamentos das princesas, em 1864, a Barral fixou residência na França onde permaneciam os remanescentes da família de seu marido bem como suas propriedades; porém estabeleceu-se um contato epistolar entre o Imperador e a Condessa do qual existem no Museu Imperial cartas dos anos de l865 até 1868; de 1876 a l877 e de l879 até 1881. Acredita-se que as lacunas são devidas às viagens do Imperador à Europa ocasião em que a Barral acompanhava a Família Imperial como Dama da Imperatriz, às viagens da própria Condessa inclusive ao Brasil e a um ou outro extravio.

As missivas apresentam um caráter intimo e afetuoso embora o Imperador sempre se mostre contido em suas expressões, deixando que o silêncio bem colocado e as entrelinhas falem com mais veemência do que as palavras.

Sabe-se que havia a combinação de que as missivas, tanto de uma parte quanto da outra, seriam queimadas. Da parte do Imperador parece que o pacto foi mantido, porém a Barral, talvez levada pelo sentimentalismo peculiar às mulheres, guardou a correspondência, bem como os diários que tinha o hábito de escrever e mandar a D. Pedro, que os anotava, às vezes, e devolvia para que fossem continuados.

Alguns destes diários é que nos serviram para fazer estes pequenos comentários à pessoa da Barral, seu caráter, sua cultura, seu modo de pensar.

Na Europa dedicou-se de corpo e alma à educação de seu filho que possuía, segundo os conceitos da época, saúde delicada e com quem fazia grandes excursões, visitando todos os pontos famosos, as obras de arte do mundo europeu. Não só visitava, mas em cada Igreja, em cada Museu ela comentava, dava sua opinião refletida e conhecedora. Também as paisagens notáveis ou devidas a qualquer fenômeno da natureza eram devidamente apreciadas.

Mulher corajosa e destemida não recuava diante de qualquer sacrifício ou mesmo perigo quando julgava estar cumprindo seu dever familiar ou de amiga. Assim é que durante a guerra prussiana refugiou-se na Inglaterra, mas precisando tratar de negócios de sua família não hesitou em viajar a Paris estando esta ainda ocupada pelas tropas vencedoras, enfrentando o desconforto das estradas semidestruídas e sujas e as tropas hostis, para saber em que pé estavam suas finanças e, portanto, a herança de seu filho. Aproveitou também, a ocasião para rever amigos e conhecidos, levando-lhes o conforto de palavras amigas e também, segundo suas possibilidades, coisas que julgava lhes iam ser de muita utilidade na ocasião; um pão para um, um pedaço de carne para outro e assim por diante.

Espírito adiantado para a época não hesitava em dizer e fazer o que lhe parecia justo e direito. Assim é que, em plena época da escravidão mais dura, seus escravos idosos ou doentes conseguiam a alforria e podiam permanecer vivendo em suas fazendas.

Era a favor do voto e do reconhecimento da opinião feminina em todos os assuntos, mesmo na política.

Relações com o Imperador

As relações, embora respeitosas, mostram-se, às vezes, um tanto sem cerimônia e, após a morte do marido da Condessa, bem mais afetivas e descontraídas.

Falando de haverem instalado um quartel próximo ao local onde morara no Rio da Janeiro:

“Esse quartel improvisado no cortume muito me agradou porque lhe faz passar por minha casinha. Assim estivesse eu lá para lhe saudar! E a furtos lhe soprar um beijo!

Não posso deixar de achar graça nos conselhos que V. dá a Mr. Gobineau sobre a viagem com Mme Posno[?] – Se V. fosse livre não me teria acompanhado à Europa? (O imperador escreveu por cima “Sem dúvida”. E ela retornou: “Então?” ) – Ora deixe-se de fingimentos e o pobre Gobineau que preste a sua amiga os serviços de boa amizade não se importando com as más línguas principalmente se sua consciência não lhe morda.

E é V. que se deixa iludir com o ar de Gobineau e é V. quem lhe diz que no seu caso não demoraria sua partida? E é V. que se mostra tão escrupuloso e tão zeloso “du quoi dirat’on?”. Diário n. 4 p. 48 – 1870.

No entanto a moral da época era a expressada por ela mesma um pouco antes, comentando a ligação de Solano Lopes, ditador do Paraguai com Mme. Lynch:

“Que direito tinha Mme. Lynch de exigir fidelidade nem moral ela que só era la maitresse de Lopez. Há gente que entende drôlement a moral. Não há duas morais – por que não casava ele com Mme Lynch, ou se ela não era viúva por que vivia ele com ela. Tudo o mais é imoral. Caderno n. 4 p.38.

“Sem olhar para o livro intitulado Guerra do Paraguai do Visconde de Inhaúma, logo disse deve ser tremenda maçada e jurei de não o ler – o que é curioso é V. achando que nem adianta idéia nem é bem escrito me o mandasse. Diga se chama isso fineza” – O imperador retruca: “Eu não imponho minhas opiniões a ninguém.” A Barral triplica: “Que mentira! Até a impõe a toda uma província não se importando de rejeitar o homem mais votado para fazer primar sua opinião.” Diário n. 4 p. 41

Sábado, 30 de abril – “Sua constante lembrança de nossa primeira separação muito me penhora mas não foi a 25 de março que eu parti do Brasil mas a 24 se estou bem lembrada, e oh se estou bem lembrada! Desculpo esse seu descuido bem natural no meio de todos os seus afazeres e sei perfeitamente que cada dia é o da separação para V!” O imperador retruca: “Assim é!”. Caderno n. 4 p. 54.

Em outra passagem: “Quando eu fiz a griffonage na parede já era prelúdio da triste separação. Como V. me atormentava então e que lutas e que desesperos! Prefiro me lembrar de outros tempos felizes de Petrópolis de nossos longos passeios e mais do que tudo do Corcovado! Frère Jacques s’ést réveilé avec …

Também eu já lhe acompanhei à portinhola do Alto da Serra a seu Palácio! Diário n. 4 p. 56.

Falando da princesa em Petrópolis, na ausência do conde d’Eu pergunta: Onde dorme ela agora, na ausência do marido? Ao que o imperador responde: “No quarto da lição creio eu.” Ao que a Barral diz: “Como crê V. então não sabe com certeza o que se faz na sua casa?” D. 4 p. 62

“V. desenvolve às vezes atividade que me assusta . Tudo concebo quando se dá ao corpo tempo de dormir mas andar assim caindo de sono e dormindo em pé cansa o cérebro e V. deve cuidar mais na sua saúde.” D. 4 p. 66.

Super-mãe

“Vou agora assistir à lição de esgrima de meu filho com dois camaradas.”
“Não foi mal.”
D. n. 4 p. 1

Comentando o fato de que talvez não pudesse ler uma revista mandada pelo imperador: “…com que olhos quer V. que eu leia tanto, estudando agora dobradamente com meu filho?”. D. n. 4 p. 30.

“Estudei com meu filho até as 2 horas…”
“Dei uma hora de lição de piano a Dominique…” D. 4 p. 56.

Sábado 30 de junho. “Bonsoir já é muito tarde e temos amanhã catecismo.” D. 4 p. 58

“Jantamos sós, tocamos piano e estudamos o papel de P. Daudin que D. deve recitar em classe.” D. 4 p. 60.

“Dominique foi o quarto em tema latino e em inglês 3 – São excelentes lugares que denotam mais trabalho soutenu do que essas raras brilhaturas de ser l. de longe em longe e recair nos lugares inferiores. Eu estou mto. Satisfeita.” D. 4 p. 65