EDMUNDO JORGE (1921 – 2005)

Antônio Eugênio de Azevedo Taulois, Associado Titular, Cadeira n.º 29 – Patrono Luiz da Silva Oliveira

Faz um mês que os petropolitanos perderam Emundo Palma Jorge. Ele nos deixou marcados exemplos de dedicação extremada à cultura através da arte e da literatura. Sua atividade cultural sempre teve tanto o sentido subjetivo do desenvolvimento intelectual do homem, como também o significado objetivo da criação artística, da produção cultural e da gestão administrativa dessas práticas. Assim pudemos acompanhar Edmundo como pintor reconhecido, escritor e poeta, do mesmo modo que o vimos como conferencista e professor de História da Arte, diretor municipal de cultura, criador e participante ativo das entidades culturais petropolitanas, organizador de exposições e eventos culturais de peso na nossa comunidade.

Edmundo Jorge nasceu no Rio de Janeiro, mas viveu sempre serra acima. Descendente de italianos de Petrópolis, foi em 1987 reconhecido como Cidadão Petropolitano pela Câmara Municipal. Ainda garoto, pelos dez anos, mostrava seu pendor para o desenho, segundo sua irmã Myriam. Mas ele gostava mesmo era de uma bolinha. Destacou-se no futebol escolar e chegou a fundar o Condor Futebol Clube que, “… depois de grandes façanhas, morreu jovem de anemia financeira”, conforme explica na suas Memórias da rua Paulino Afonso. Ele conta que “… jogávamos futebol sadiamente descalços. As bolas eram muito criativas, feitas com meias femininas recheadas com qualquer coisa, desde retalhos até jornais amassados, borracha, tiras de couro, tudo isso amarrado firmemente com cordame resultando num formato sem definição”. Valorizava tanto o esporte que resolveu mudar de casa porque queria um campo de futebol no fundo do quintal para seu filho de dez ou doze anos.

Como aluno da Faculdade Nacional de Filosofia, foi reconhecido pelo saudoso Alceu Amoroso Lima como “um futuro escritor”. Concluiu também o curso de Odontologia, exercendo a profissão por trinta anos. A luta pela vida, os encargos de família, retardaram a manifestação do seu talento em toda a sua plenitude. Aos poucos porém, seu pendor para as artes plásticas foi se impondo e ele passou a pintar com muito afinco, ao mesmo tempo que se aprimorava culturalmente.

Edmundo Jorge era um idealista que considerava o pensamento como sendo a essência da realidade, mas a seu jeito, por um viés muito romântico. Certa vez ele me garantiu com toda a convicção, que o excesso de racionalidade poderia levar a loucura. Essa crença fica bem clara na sua metáfora “Falares”, que descreve a fada Celena disfarçada em moça, “… ela já andara ruminando que a ciência com a qual convivia andava um tanto espacial, estática, sensorial, enquanto o real, ao contrário, fazia-lhe caretas inconsistentes”. Em certo momento a fada diz: “Sem o consolo do palavrório tudo voltaria ao instinto”. E mais, a seguir, “Nem era preciso referenciar o miserável mundo físico”.

Tenho lembrança que em uma de suas palestras ele defendia firmemente que a apreciação da arte faz parte da vida de cada indivíduo e que a nossa cultura geral, num sentido sociológico, tinha sido criada por essa arte, que assim operava como um elemento de ligação da sociedade. E que esse fenômeno era uma constante em todas as civilizações humanas que já existiram.

A primeira exposição de arte abstrata realizada no Brasil foi uma iniciativa sua, em 1953, no Hotel Quitandinha. Ele foi o que seria hoje o curador da mostra, buscando patrocinadores, selecionando os trabalhos e artistas e todas as demais providências. Para comemorar os cinqüenta anos desse importante evento, o Museu Imperial montou uma grande exposição semelhante, que teve mais de 6000 visitantes e que mereceu a primeira página do Globo e de outros jornais. A exposição prestava uma expressiva homenagem a Edmundo Jorge, que infelizmente estava muito debilitado e não participou dela, a não ser pelos seus três trabalhos expostos.

Na grande exposição de 1953, ele ensinava o que era a arte abstrata. Explicava que, com a fotografia que surgiu em torno de 1840, foi sepultada a cópia da natureza pela pintura clássica. E os artistas, libertos desse compromisso, se voltaram para questões mais específicas da pintura como criatividade, cor, luz, formas etc. Nos anos seguintes e numa ordem sistemática, surgiram diferentes modos de enfocar a pintura. Por exemplo, dos anos 1830 em diante, o impressionismo se preocupou com a luz. Décadas depois, os fauvistas pesquisaram os efeitos da cor. O movimento ficou com os futuristas, já nos anos 1900s. A forma e o espaço com os cubistas e a essência do conteúdo com os expressionistas. E na década de 1940, com a pintura abstrata, a preocupação foi a cor e a forma, tendência que Edmundo Jorge adotou com todo vigor.

Publicou seis livros e dezenas de artigos sobre política, preservação, meio ambiente, memória, história e claro, sobre cultura e arte. Certificando essa trajetória bem sucedida, apesar de sua modéstia e timidez, ele foi verbetado em 1968 por Carlos Cavalcanti no seu “Dicionário de Pintores do Brasil”, por Roberto Pontual em 1969 no seu afamado “Dicionário de Artes Plásticas do Brasil” e no “Guia Internacional das Artes”, editado no Rio, em 1977.

Edmundo Jorge, durante os seus muito bem vividos oitenta e quatro anos, sempre contou com o incentivo e o apoio permanente de sua mulher Gilda e de seus filhos Cristina e Álvaro, esse, seu parceiro em dois de seus livros. E com a colaboração certa de sua irmã Myriam, sempre solidária com o seu trabalho.

Os que se lembram dele, ficam com a doçura de seu caráter e com a influência de seu entusiasmo, do seu talento e do seu imenso saber..