O ACHAMENTO DO BRASIL

Carlos Oliveira Fróes

CAPITULO I

I – INTRODUÇÃO

Comecei a rabiscar estas linhas na Praia dos Lençóis – Porto Seguro – num local paradisíaco, repleto de coqueiros, ingazeiras, caxandós, bromélias praianas e amendoeiras – de onde se podia vislumbrar a Baía Cabrália em toda sua extensão, compreendida entre a Coroa Vermelha e a Ponta de Santo André. E dentro de cinco anos seria comemorada a Efeméride do 5º Centenário do Descobrimento do Brasil …

Era uma adorável manhã de julho, com céu azul, temperatura amena. Soprava uma suave brisa de nordeste que mal levantava pequenas marolas nas verdes águas do litoral sul da Bahia. Enfim, um cenário maravilhoso.

Não tardou a desabrochar em minha mente de “Velho Marinheiro” – mesclada com a de “pesquisador neófito” – um empolgante sonho. Pude vislumbrar, num local afastado cerca de meia milha da Foz do Rio Mutary, o “pouso mui seguro”, onde estiveram ancoradas as doze embarcações da Frota de Cabral.

Muita emoção! Logo percebi que não se tratava, apenas, de um inopinado resgate do mais importante evento da História Pátria. Aquele quadro também evocava reminiscências do meu passado, relativo à época em que comandei o glorioso Navio de Desembarque de Carros de Combate “Duque de Caxias”. Exatamente ali, eu passara quarenta dias com meu navio fundeado aguardando os horários para executar os muitos exercícios navais programados.

Daí por diante, venho passando longas temporadas em Porto Seguro, lugar que elegi como ideal para escrever e desenvolver os meus trabalhos historiográficos.

Uma vez desvanecida a visão do “lindo sonho”, comecei a refletir sobre a pesquisa que havia iniciado cerca de vinte e cinco anos atrás. Ali mesmo na praia comecei a escrever os prolegômenos desta narrativa, pois, durante minhas viagens, sempre tenho disponível em meu carro uma pasta com lápis, papel e borracha.

CAPITULO II

ANTECEDENTES DA VIAGEM DE CABRAL AO BRASIL

Ninguém põe dúvidas sobre as milhares de “viagens costeiras” pelo “Temível Mar Oceano” (Atlântico) executadas – antes do Século XVI – pelos audazes primitivos navegantes “Pré-Colombianos”:

pelo Atlântico Norte os Vikings, Batavos, Bretões, Celtas, Gauleses, Saxões e outros – até mesmo “Mediterrâneos como Egípcios, Gregos, Fenícios, Cartagineses, etc”.; e

pelo litoral ocidental africano e ilhas mais próximas, os Portugueses e, possivelmente, também os “Mediterrâneos”.

Porém – em contrapartida – existe um número excessivamente grande de especulações sobre “viagens fantásticas” que teriam antecedido os fatos épicos de Colombo e Cabral.

Mas nada me faz supor que algumas daquelas aventuras pudessem ultrapassar o caráter de “meramente costeiras”. Até então, diversos fatores limitavam as singraduras de longo curso, tais como:

fragilidade das embarcações;
capacidade de mantimentos e aguada;
total desconhecimento cartográfico;
mínimo conforto a bordo;
inexistência de equipamentos vitais; e
impossibilidade do cálculo da posição astronômica, indispensável para os retornos; e, sobretudo,
lendas apavorantes.

Para mim, tal marco só foi derrubado pela viagem de Colombo para as Índias Orientais.

Assim mesmo, para o sucesso desse magistral feito, a Frota Espanhola dispôs apenas de três precaríssimas embarcações – muito inferiores às naus portuguesas – valendo-se, apenas, do arrojo de seus tripulantes, aliado ao fator sorte.

Já a “Viagem para as Índias Orientais” – que seria ordenada por S.A. El Rey Dom Manoel de Portugal, no Primeiro Trimestre de 1500 – seria minuciosamente planejada e organizada, na conformidade da Nova Política Ultramarina Lusitana, com o emprego dos conhecimentos náuticos e dos resultados técnicos colhidos durante várias décadas de atividade profícua da “Escola de Sagres”.

Tais novidades conferiam aos portugueses uma inigualável capacidade para exploração do temido e ignoto “Mar Oceano”, bem como de todos os demais mares do planeta. E isso estava começando a ser provado na prática.

Na última Década do Século XV os portugueses concentrariam suas ações para a conquista das Terras e Ilhas Atlânticas Africanas e já voltavam seus olhos para o Nascente em busca das “longínquas terras das Índias Orientais”, na Direção Geral oposta à de Colombo.

Porém constata-se que os espanhóis – apesar de disporem de uma inequívoca capacidade naval bem menor, isto é, navegando em diminutas e improvisadas embarcações, nitidamente costeiras – largaram na frente na corrida em busca das terras do Poente. E, já no segundo ano da Década em pauta, haviam chegado, por acaso, às Índias Ocidentais, valendo-se apenas do indômito espírito marinheiro de sua raça. E mais que isso, foram paulatinamente tomando posse das áreas adjacentes às novas terras descobertas.

Numa dessas incursões para o oeste chegaram, comprovadamente, ao caudaloso Amazonas e, após tê-lo investigado, prosseguiram, além de sua foz, na direção do Nascente, possivelmente alcançando, pelo menos, o litoral que hoje é o Maranhão ou Rio Grande do Norte, quem sabe? A verdade é que os espanhóis não se contentavam apenas com sua conquista das Antilhas.

Enquanto isso, os portugueses ampliavam suas posses para o sul da Costa Ocidental Africana e, já haviam dobrado o Cabo das Tormentas.

Voltando novamente alguns anos para trás, ou seja, logo após o notável feito de Colombo, o Papa Alexandre VI havia decidido impor uma disciplina para a disputa entre Portugal e Espanha pelas “novas térreas no Mar Oceano”, tendo baixado a Bula Inter Caetera no ano de 1494.

Essa Carta Pontifícia definia em linhas gerais:

que as novas conquistas deveriam ter como objetivo principal aumentar – através a catequese – o número de cristãos no mundo de então;

concedia à Espanha o direito de posse de todas as terras já descobertas e as que viessem a sê-lo, situadas a oeste do meridiano que distava 100 léguas das Ilhas dos Açores; e

a Portugal caberia o direito às terras pelo leste desse limite.

Ao contrário do que possa parecer à primeira vista, isso não era um privilégio para os conterrâneos de S. S. o Papa. Desde 1479 Portugal obtivera o direito de posse das “terras e ilhas ocidentais” africanas, à exceção do Arquipélago das Canárias.

Porém os portugueses recorreram quanto ao posicionamento do citado limite, tendo o Sumo Pontífice autorizado que todas as pendências fossem discutidas e negociadas bilateralmente. Após as discussões necessárias foi assinado, em 7.VI.1494, o “Tratado de Tordesilhas” e o meridiano limite foi deslocado para a distância de 370 léguas da mais ocidental ilha do Arquipélago de Cabo Verde.

Para os portugueses esse tratado foi bastante promissor, mas apenas com o remanejamento do “meridiano limite” não estaria assegurada a possibilidade de “imediata ocupação das incultas terras do novo continente”.

Ocorre que naquele ocaso de Século, a Ciência Náutica ainda engatinhava no processo em busca de determinação das longitudes, que só podiam ser obtidas empiricamente através de medidas ou avaliações, apenas nas áreas terrestres nas quais pudesse ser feita uma “amarração a outras longitudes já conhecidas em relação ao Meridiano de Greenwich”.

Ao contrário, as latitudes podiam ser obtidas facilmente, com o emprego das balestilhas ou astrolábios, associados a uma simples ampulheta.

Mister se faz afirmar que ainda faltariam vários Séculos para que a Astronomia – em particular a Mecânica Celeste – se desenvolvesse a tal ponto que se tornasse viável o “cálculo da reta de posição de um astro”.

CAPITULO III

A AÇÃO PRÁTICA DE CABRAL NA TERRA DE VERA CRUZ

Para que eu pudesse analisar plenamente todos as ações práticas de Cabral e seus comandados, bem como, toda a movimentação das embarcações componentes, durante sua aproximação e permanência na Terra de Vera Cruz, assumi o compromisso de doravante só levar em conta aquilo que estava explicitamente contido na carta de P. V. de Caminha, pertinente a esse específico propósito de minha parte.

Isso implicava em abandonar as interações ambientais gerais e em relação ao gentio e tudo o mais de poético e aventuresco que acontecera.

Esta análise começa no ponto em que o gajeiro de Nau-Capitânia grita: “TERRA À VISTA, PELA BOCHECHA DE BORESTE”.

Esqueçamos todas as belas versões que já nos foram ensinadas desde os primeiros bancos escolares e toda excelente literatura a nossa disposição.

Ademais, tenhamos em mente que maravilhosos trabalhos sobre o “descobrimento” já foram executados pelos grandes mestres.

Portanto, “mãos a obra”.

Concentremo-nos nas seguintes perguntas:

A- Em que ponto da “TERRA DE VERA CRUZ” o Cap. Mor avistou o cume do Monte Pascoal?

B- Em que ponto da “TERRA DE VERA CRUZ” foi feita a primeira aproximação – “Ponto de aterragem” – à orla litorânea?

C- Qual ponto da costa o Cap. Mor considerou como “Ponto de Chegada”?

D- Qual foi o “Porto Seguro”, escolhido pelo Cap. Mor, para abrigar suas embarcações?

E- Qual o significado da 1ª Missa na Coroa Vermelha?

F- Qual o significado da 2ª Missa em Terra Firme?

G- Por qual razão Cabral não tomou posse oficial das “terras achadas”?

A seguir serão emitidas as opiniões do autor sobre as perguntas formuladas:

Em que ponto da “TERRA DE VERA CRUZ” o Cap. Mor avistou o cume do Monte Pascoal?

O ponto oceânico de onde foi avistada a terra é razoavelmente capaz de ser imaginado a partir do que consta na carta de P. V. Caminha.

A profundidade do local do 1º fundeio foi explicitamente citada como “XIX BRAÇAS (sic)”.

A marcação do cume avistado foi registrada pela Agulha magnética.

A distância da costa foi estimada por métodos práticos e, posteriormente, recalculada por meios geométricos.

Em que ponto da “TERRA DE VERA CRUZ” foi feita a primeira aproximação – “Ponto de aterragem” – à orla litorânea?

No mesmo dia 22 de abril de 1500 a Frota fundeou sobre o alinhamento do 1º Fundeio e o Monte Pascoal, numa distância de meia légua (3,5 km) da costa, que pode ser constatada pela profundidade obtida com grande precisão – IX BRAÇAS (sic) – local do segundo fundeio.

Do local onde ancorara seus doze navios, o Cap. Mor designou ao Capitão Nicolau Coelho que embarcasse num batel a fim de que fizesse levantamentos junto ao rio – que os nativos cognominavam CAHY – cuja foz vista do ponto de fundeio ficava na direção do Monte Pascoal.

Prosseguindo, os batéis navegaram em mar muito encapelado até a orla, naquele local repleto de corais rasos e muito perigosos.

Explicitamente, a Carta de P. V. Caminha mostra que nenhum tripulante desembarcou em terra, donde se conclui que todos os contatos com os índios locais foram feitos pelas bordas dos batéis, inclusive troca de presentes.

Os batéis retornaram ao fim do dia. O mar se tornara mais violento. A “Lestada” intensificava-se prevendo “mau tempo” para breve.

A noite chegou junto com a vanguarda de uma das terríveis frentes frias de abril, do litoral Sul da Bahia. Pela madrugada o Sudoeste engrossou. Algumas amarras partiram-se, algumas âncoras deslizaram.

Qual ponto da costa o Cap. Mor considerou como “Ponto de Chegada?”

O Cap. Mor ordenou que a frota suspendesse. Positivamente aquele local “não era um pouso seguro”.

O rumo adotado para o deslocamento era o rumo Norte; as Caravelas seguiram próximo ao litoral e as Naus afastaram-se cerca de 4 km.

A singradura alcançou dez léguas e meia, facilmente constatáveis pelo astrolábio. O ponto de chegada ocorreu no través de “uma coroa vermelha”, um pequeno “atol”.

Pelo mesmo método de náutica o ponto de fundeio próximo à foz do Cahy, ficou perfeitamente determinado, com o feliz testemunho do Monte Pascoal.

A base topográfica assim formada por esses três últimos pontos é a prova mais concreta do local de aterragem da Frota na “TERRA DE VERA CRUZ”: Incontestável!

Qual foi o “Porto Seguro”, escolhido pelo Cap. Mor, para abrigar suas embarcações?”

A proteção que a ponta, a coroa e o parcel da Coroa Vermelha propiciavam garantiriam abrigo para embarcações sujeitas aos “mares de Sudoeste”.

Por isso, a baía que ali se forma para o norte, foi assim qualificada: “UM POUSO MUITO SEGURO, ONDE HÁ UM PORTO CAPAZ DE ABRIGAR MAIS DE DUZENTAS NÁUS”.

Preferencialmente, dependendo do porte de cada uma, as embarcações optavam por lançar âncoras mais próximo à face norte da Coroa Vermelha até a foz do Rio Mutary, provavelmente.

Qual o significado da 1ª Missa na Coroa Vermelha?

Pela forma descrita na Carta P. V. Caminha a missa celebrada no dia 25 de abril na Coroa Vermelha – oficiada por Frei Henrique de Souza, natural de Coimbra, e acompanhada pelos clérigos e demais Capelães da Frota – teve o caráter de “ação de graças” e principalmente de “Entronização de Cristo” naquelas novas terras do ocidente.

Qual o significado da 2ª Missa em Terra Firme?

A missa celebrada em 1º de maio de 1500, preparada com muito zelo pelo Capelão da Frota, teve como lugar selecionado um ponto 300m ao norte da foz do Rio Mutary, nas proximidades do ponto escolhido por Cabral para fundeio da Frota.

Para maior gala, mandou confeccionar por experientes marceneiros uma “alta e elegante cruz de madeira-de-lei”, onde seriam fixadas as “ARMAS LUSITANAS” e as “INSIGNIAS DE EL-REY”.

Desde seu formato até seus complementos, esta era, sem dúvida, uma “CRUZ OFICIAL PORTUGUESA”.

Daí, o autor considerar o presente evento como o “ATO INFORMAL DE POSSE DAS TERRAS DE VERA CRUZ PARA PORTUGAL”, caso estas não pudessem ser enquadradas nos limites da “BULA INTER CAETERA” e do Tratado decorrente.

Apesar de Cabral contar com o competente Cosmógrafo Mestre João Ribeiro – o “FABORDÃO” – e com uma excelente equipe de oficiais peritos em náutica, somente conseguiu-se obter medições corretas de latitude.

Por qual razão Cabral não tomou posse oficial das “terras achadas?”

Quanto às longitudes, o Mestre João deixou bastante claro que até então não haveria meios para cálculos das longitudes de áreas isoladas e muito afastadas daquelas nas quais as longitudes eram conhecidas.

Assim sendo, das coordenadas geográficas da “Terra de Vera Cruz”, somente seria possível assegurar a latitude de 23°.

Conseqüentemente Cabral foi instado a não opinar que “Vera Cruz” estivesse inscrita na área prevista para Portugal pelo “Tratado de Tordesilhas”.

CAPITULO IV

EPILOGO

O desfecho da missão de Cabral no Brasil teve prosseguimento por dois rumos opostos:

REMESSA DA CARTA DE PERO VAZ DE CAMINHA PARA EL-REY DE PORTUGAL – Após a celebração da Santa Missa, a Nau de Abastecimento, devidamente “rearmada”, foi desincorporada da Frota e, sob comando do Cap. Gaspar de Lemos enviada para a Metrópole a fim de conduzir a Carta de Pero Vaz de Caminha e amostras obtidas no local.

RETOMADA DA MISSÃO PARA AS ÍNDIAS ORIENTAIS PELO CAPITÃO MOR PEDRO ALVARES CABRAL – Na manhã do dia 2 de maio de 1500 a Frota de Cabral – agora com 11 navios e ostentando nas velas a “CRUZ DE CRISTO” – tomou a rota prevista para “montar” o Cabo da Boa Esperança, com destino à Costa do Malabar.

Indiscutivelmente, as “pistas claras e precisas para uma eventual reconstituição de uma base geodésica destinada à locação das terras achadas”, constituíram-se num inestimável argumento para afastar eficazmente quaisquer especulações sobre o local exato das ações físicas de Cabral durante a fase de aproximação e permanência na Terra de Vera Cruz.

Quanto à questão relativa à chegada à Terra de Vera Cruz, entendo não ter ocorrido “o acaso”, de forma alguma. É enorme o número de evidências contraditórias. Não é possível ignorar que várias buscas já tivessem sido desencadeadas, tendo como alvo as terras do Sudoeste do “Novo Continente de Colombo”. No meu entender, o argumento mais positivo de todos é que em nenhum trecho pertinente da Carta de Pero Vaz de Caminha há qualquer menção a “DESCOBRIMENTO”, sempre figurando o termo “ACHAMENTO”, que na época conceituava o fato de se encontrar / achar algo que estava sendo procurado.

Mas isso é uma outra questão muito interessante que merece análises muito específicas.