CURSO VARNHAGEN – OLIVEIRA VIANA (1883-1951)

Paulo Gomes da Silva

Aos 20 de junho de 1883, na fazenda do Rio Seco, em Saquarema, Estado do Rio, nasceu Francisco José de Oliveira Viana, filho do fazendeiro Francisco José e sua esposa D. Balbina. Iniciou as primeiras letras na Escola Pública Estadual dirigida pelo afamado professor Quincas Sousa. Frequentou o curso primário até os 10 anos.

Em 1897 seguiu para Niterói a fim de continuar os estudos humanísticos. Cursou durante três anos um educandário mantido pelo professor Carlos Alberto, na Rua da Praia. Ao terminar o ano de 1900 inscreveu-se no Colégio Pedro II no Rio de Janeiro para prestar os exames finais do curso secundário. Matricula-se na Faculdade de Direito e se bacharela em 1905 na cidade do Rio de Janeiro. Formado em Ciências Jurídicas e Sociais passou a exercer o magistério, fazendo parte do corpo docente do Colégio Abílio, de Niterói.

Durante sua passagem pela Faculdade de Direito deixara-se logo impressionar sobre a controvérsia existente entre as escolas antropológica e clássica do direito penal e logo, com seu primeiro estudo nesse setor se manifesta eclético: “Inútil de todo se me representa esta contenda, que há pejado de monografias e tratados as bibliotecas: quem atentar nessas engenhosas doutrinas e sujeitá-las ao escalpelo da análise comparativa, descobrirá de pronto que, longe de colidirem, harmonizam-se e enfeixam num só corpo doutrinário. E são por isto como caudalosos afluentes do grande rio criminológico; todas elas vão engrossar as águas dele com as exuberantes riquezas das suas pesquisas e investigações” (Vasconcelos Tôrres – Oliveira Viana – pág. 33 – Ed. Freitas Bastos, 1956).

Nota-se que possuía apenas 17 anos quando assim se pronunciou. Outros estudos ainda podemos citar; valendo-nos do trabalho de Vasconcelos Tôrres que teve a primazia de revelá-los.

Darwinismo na literatura. Um ensaio sobre o Futuro do Espírito. Outro sobre a França e seu papel na História. Vários outros pequenos ensaios sobre A evolução da idéia do Direito, Futuro provável da idéia do Direito, A pena de morte, Sobre a literatura portuguesa.

Ainda consta da informação de seu biógrafo um ensaio por ele mesmo denominado de filósofo-nefelibata sob o título A Crise Social onde o então jovem e futuro sociólogo previa a transformação dos costumes sociais por força da penetração de “uma imensa onda de lama entrando lentamente, morosamente, compassadamente, os recessos mais íntimos da sociedade, e vai diluindo tudo e tudo corrompendo…” Demonstrou essa preocupação com os problemas sociais numa forte vocação para o estudo da sociologia de que seria, como de fato foi, um mestre consagrado. Cedo entrou também na atividade jornalística tendo colaborado com o Diário Fluminense, em A Capital, A Imprensa (de Alcindo Guanabara) e posteriormente O País. Não foi sem razão que ele mesmo mais tarde afirmava: “foi com jornais e jornalistas que comecei me entendendo e, para ventura minha, é ainda com eles que continuo a me entender”.

De 1916 em diante passou Oliveira Viana do magistério secundário ao superior, pois foi lecionar Teoria e Prática do Processo Penal na Faculdade de Direito do Estado do Rio de Janeiro (depois Faculdade de Direito de Niterói, atual Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense). Criada a cadeira de Direito Industrial e Legislação Social pediu transferência para aquela matéria com que estava mais identificado. Foi um grande mestre: tive a imensa ventura de ser seu aluno.

Perscrutador paciente e sério. Circunspecto, realista e por isso mesmo objetivo. Falava pouco mas era muito educado e calmo.

Resolvera empreender um estudo sério da evolução do povo brasileiro servindo-se das conquistas da técnica e da ciência relativa aos fatos sociais. Recorreu a todas as ciências auxiliares da Sociologia. Dedicou-se para isso ao estudo dos melhores tratadistas da Etnologia, da Antropogeografia, da Psicologia Diferencial e da Psicologia Social, da Antropologia e da História, encarando seriamente esta como ciência.

Além das teorias que estudou com a realidade brasileira, jamais pretendeu fugir dessa realidade resultante não só da ação do nosso meio físico como também da assimilação das raças. Tinha razão quando assim procedia.

Em verdade não se pode separar em compartimentos incomunicáveis o historiador do sociólogo. A sociologia, no dizer de um outro grande historiador brasileiro, Oliveira Lima, História da Civilização (Ed. Melhoramentos, 1946, pág. 4) é rigorosamente uma ciência, e a história logicamente também o é. A Sociologia até pressupõe as demais ciências, não só as morais como as naturais. E conclui: Determinar a ação de cada fator mesológico é a função primordial da Sociologia. Fornece-lhe a História os elementos necessários para ela operar, projetando sobre as investigações que lhe são oferecidas à luz da decomposição analítica; seguida da reconstituição sintética do produto social como expressão de civilização. Considerou mesmo a Sociologia como a síntese das ciências sociais, de que a História faz parte.

Explica-se o rápido progresso que as ciências sociais iam alcançar. Ao iniciar-se a segunda metade do século XIX recrudesce um forte movimento antagônico às tendências metafísicas. Passaram a ser atacadas as investigações transcendentes que ultrapassassem o limite dos dados fornecidos pela experiência. Durante a primeira metade do século XIX o método experimental proporcionara às ciências naturais um êxito considerável em seu desenvolvimento. Era natural que a mesma observação cuidadosa fosse, como método, aplicada aos acontecimentos ou fenômenos sociais. Da observação passaram os estudiosos às pesquisas, procurando investigar os fatos segundo uma relação permanente entre causa e efeito. Sendo experimental e, consequentemente positivo esse método, iria dar, como de fato aconteceu, absoluta supremacia à lei de causalidade no domínio da conduta social do homem.

Para compreender-se bem a posição que Oliveira Viana ocupou na literatura científica brasileira torna-se mister se considere a total transformação que os estudos dos fatos sociais experimentaram com o advento do novo método.

Em verdade o positivismo como processo de investigação segundo a lei de causa e efeito dominou a todos os ramos da ciência social.

“Toutes les sciences sociales particulières sont science du concret, masse de faits, classés par pays, peuples, époques”, na observação feliz de La Gresseaye e Laborde-Lacoste (Introduction Générale à L´Etude Du Droit).

Sobre a necessidade de adoção dos novos métodos no estudo dos fenômenos sociais já escrevera, em 1828 – Augusto Comte o seguinte: Possuímos atualmente uma física celeste, uma física terrestre, seja mecânica ou química, uma física vegetal, e uma física animal; desejamos ainda uma outra, e última, a física social, a fim de completar o sistema de nosso conhecimento da natureza. Entendo por física social a ciência dos fenômenos sociais considerados sob o mesmo espírito que os fenômenos astronômicos, físicos, químicos ou fisiológicos, isto é, sujeitos a leis naturais invariáveis, cuja descoberta constitui a meta específica da investigação.

Considerando o binômio estática e dinâmica, traduziu-o em ordem e progresso, isto é, a existência da sociedade num dado momento e o seu movimento ininterrupto. Esse último se traduzia num progresso contínuo.

Esse progresso humano, constante e ininterrupto passa a constituir a lei fundamental da História. É bem uma soma de conquistas acumuladas que a humanidade foi alcançando impelida pelas atividades fundamentais e irredutíveis do homem: a religiosa, a científica (compreendendo a filosofia), a política (compreendendo a moral e o direito), a artística e a industrial, tais como as concebeu outro grande vulto de nossas letras que foi Sílvio Romero.

Também Spencer não foi contrário a isso. Em Sociedade afirmou: há uma ordem de coexistência e progresso. Atribuiu à Sociologia o dever de explicar o presente estágio da sociedade pela concentração nos estágios iniciais e pela aplicação a estes das leis da evolução. Procurou distinguir a história da sociologia, definindo aquela como narração de acontecimentos na vida das sociedades enquanto que a sociologia estudava a sua evolução. É claro que também as demais ciências sociais teriam que acompanhar a sociologia. Isso aconteceu principalmente após a origem e desenvolvimento das escolas sociológicas. Estas, desde de Le Play com sua Escola da Reforma Social, em que preconizava em suas célebres monografias a restauração da ordem moral. Com Henry de Tourville (1842-1903) e sua Escola da Ciência Social onde já se manifestava um forte interesse em considerar a relevante importância na explicação das sociedades humanas (espécie de prelúdio da antropogeografia). Vem a seguir a escola de Durkhein (1858-1917). Este em Les Règles de La Méthode Sociologique (1895) parece que também, como os dois primeiros exerceu considerável influência na obra de Oliveira Viana no que tange ao conceito de consciência coletiva como resultado da agregação, da interpretação e a fusão das mentalidades individuais, gerando espécie de unidade psíquica distinguível dos próprios indivíduos. Será isso a que Oliveira Viana denomina “Povo massa”? Durkhein mais tarde noutro trabalho Judgements of Reality and Judgements of Value em 1911 sustentava que as idéias sociais originam a consciência coletiva e esta última, por sua vez gera idéias sociais. Adotando o método comparativo procurava tirar as conclusões de suas investigações.

Em verdade a grande contribuição do novo método de investigação e estudo dos fenômenos sociais proporcionaria um desenvolvimento imenso do conhecimento desse campo fértil que passou a ser explorado pelos pesquisadores de todos os países.

Pela complexidade dos fenômenos sociais todas as ciências relacionadas com a sociologia passaram a reivindicar, como objeto de seu estudo, matéria comum a todas elas. Particularmente, no que tange à Geografia e à História, consideradas irmãs gêmeas como nos evidencia o feliz aforismo de Reclus de que a História é a Geografia no tempo e a Geografia a História no espaço, a disputa se torna mais renhida. Lucien Fabvre in La Terre et l´evolution humaine – Paris, 1938, pág. 25 – acolhendo uma tese de Albert Favre, sustentou: “A geografia abrange todas as ciências, abre todos os horizontes, comporta todos os conhecimentos”. Por outro lado o grande Rafael Altamira que imprimiu com suas teorias e seus estudos uma nova orientação relativamente à maneira de escrever e interpretar os fatos históricos, dando um cunho rigorosamente científico à historiografia, em seus preciosos trabalhos, ao prefaciar a edição espanhola da monumental História Universal de Guilherm Oncken (Barcelona, 1934), sustentou que “siempre quedará en pie esta doble afirmacion basada en los hechos de la História: que el progreso existe como ley o línea de trayectoria de casi todas las actividades fundamentales del ordem social, y que con respecto a todas, la Humanidad tieve el anhelo y el propósito consciente de mejorarlas, haciendo de esto la orientacion substancial de sus movimientos históricos y el plan de sus luchas encaminadas a preparar e hacer posibles, cada vez, estados de civilizacion mas perfectos, mas justos e humanos”.

Assim também aconteceu com as ciências étnicas. Seria desnecessário invocar a importância da obra de Quatregges – Introduction à L´Etude des races Humaines, como um marco decisivo na orientação de novos rumos seguidos pela etnologia; assinalando a sua importância no desenvolvimento dos estudos sociais.

Principalmente no Brasil pelas suas condições de geografia e história, esse campo imenso como um grande laboratório, melhor se prestaria à observação, ao estudo e às conclusões sobre o método positivo.

Três fluminenses ilustres seriam despertados para esses estudos face ao imenso campo para a sua aplicação na terra brasileira: Euclides da Cunha, Oliveira Viana e Alberto Lamego. É nosso escopo tratar aqui de Oliveira Viana mas a simples referência aos outros dois, bem justifica a nossa observação de que nenhum outro campo melhor do que o Brasil, pelas suas condições de Geografia e História poderia ser explorado.

Efetivamente em 1920 vem a publicação de seu primeiro livro – Populações Meridionais do Brasil. Muito valeu ao seu autor a boa vontade de Monteiro Lobato. A impressão foi muito demorada e essa demora inquietava a Oliveira Viana, a quem me acostumei a chamar de Mestre, pelo fato de ter sido seu discípulo na Faculdade de Direito. Mesmo depois de formado nunca deixei de visitá-lo e dele receber as luzes de seu saber.

O livro saiu em formato grande e com boa impressão. Sente-se nele a influência do método monográfico. Percebe-se na obra uma investigação científica dos fatores que concorreram para a estrutura nacional. Todos os conhecimentos que o mestre auriu na literatura científica relativa às ciências sociais revelam o cuidado que observava em busca de conclusões verdadeiras. Ele mesmo, já na 4ª edição, assim se pronunciava: “Neste livro revelo falhas, acentuo defeitos, mostro linhas de inferioridade e desfaço, com certa franqueza, um sem número de ilusões nossas a nosso respeito, a respeito de nossas capacidades como povo. No confronto que faço entre a nossa gente e os grandes povos, que são os nossos mestres e paradigmas, evidencio muitas deficiências de nossa organização social e política… Quis ser apenas exato, sincero, veraz”.

Em verdade o mestre recomendava uma reformulação necessária nos métodos de educação, de política, de legislação e até de governo.

Já seriam essas recomendações resultantes do que aurira no estudo das Escolas de Reforma Social e de Ciência Social de Le Play e Turville? De qualquer forma só vejo mérito em sua atitude. Certo é que o professor Miguel Couto, pronunciando-se em carta que lhe dirigiu, assim se manifestou: “Se fosse ditador, na plenitude dos poderes discricionários, decretaria: – Será publicado diariamente, por tempo indeterminado e por conta do governo, em todos os jornais do Brasil, o prefácio do Dr. Oliveira Viana à sua obra Populações Meridionais do Brasil. Assim como em certos organismos, embotados pela doença, se faz necessária a somação das excitações para despertar o mínimo reflexo, talvez só as suas profecias e os seus conselhos, repetidos a todo momento, consigam ainda vibrações no organismo da nossa Pátria”.

O próprio Monteiro Lobato (que fora o editor) assim se manifestou em carta:

“Viana:
Teu livro continua a entusiasmar. Todos os lêem e o gabam, sem reserva, demorando-se em louvores. Vou mandar um exemplar ao Bernardes e outro ao Washington intimando-os a lerem-no. O futuro presidente tem que ser orientado por ti” (In Vasconcelos Tôrres, ob. citada).

Estava consagrada a obra. Apoiara-se nos mais eruditos escritores como Ratzel, Gobineau, Lapouge e Ammon, Ribot, Le Bon e Gabriel Tarde e outros. Perscrutar a realidade brasileira sem circunlóquios “graças em grande parte ao seu método rigorosamente científico, já temos uma sociologia brasileira”. Assim se expressou Assis Chateaubriand. Consagrados homens de letras como Tristão de Ataíde, Eloi Pontes, Agripino Grieco e outros, tecem-lhe encômios pela obra.

Surge outro livro do Mestre – Evolução do Povo Brasileiro. Nasceu esta obra da participação que tivera junto à Diretoria Geral de Estatística que, após muitos apelos, obtém a cooperação dele para que fosse feito um estudo sério sobre a situação do Brasil, segundo desejava e recomendava o Presidente Epitácio Pessoa. Deram-lhe vários dados que foram coletados na pesquisa censitária. Efetivamente em 1922, no volume primeiro do Recenseamento do Brasil, a fls. 279, consta um estudo sob o título: “O povo brasileiro e sua evolução” de autoria de Oliveira Viana, assim distribuída a matéria: I – evolução da Sociedade; II – evolução da raça; III – evolução das instituições políticas: o período colonial; o século da Independência e a proclamação da República. Esse estudo provocaria uma celeuma que o levou ao debate em que se discutia a obra. Transformou-se este estudo no livro Evolução do Povo Brasileiro, por ele mesmo prefaciado, explicando a certa altura o seguinte: “dos meus livros foi este o único que teve uma crítica pouco simpática e isto mesmo porque esta se limitou a focalizar a sua atenção exclusivamente sobre um ponto único, entre muitos outros abordados no livro: a questão da presença do famoso dólico – louro do H. Europeus, de Lapouge, na aristocracia do bandeirismo”. Em verdade o mestre ficara no terreno de uma hipótese. Não havia motivo para tão grande reação.

Destacamos um pequeno trecho do livro que bem evidencia o seu valor: “Na obra da colonização do nosso interior sertanejo não há agente mais poderoso e eficiente do que o pastoreio. Ele é a vanguarda da nossa expansão agrícola. O curral precede a fazenda e o engenho. Depois do vaqueiro é que vem o lavrador; o gado preludia o canavial e a plantação cerealífera” (Evolução do Povo Brasileiro, pág. 60).
Em 1923, além da publicação da Evolução do Povo Brasileiro, foram editados, também em São Paulo, Pequenos Estudos de Psicologia Social (em 2ª edição).

Em 1925, é publicado o livro O Ocaso do Império. Nessa obra que, segundo Raimundo de Morais, em Cartas do Amazonas, honraria a pena de Macauley, pela nobreza e elevação moral com que foi escrita, o Mestre não foi inferior a Montesquieu em suas considerações sobre as causas da grandeza dos romanos e de sua decadência.

Recebera a honrosa incumbência do Instituo Histórico que escolhera onze dos mais categorizados homens de letras para comemorar condignamente o centenário de D. Pedro II, mediante apresentação de trabalhos relativos à história do Império, cabendo a Viana o exame da questão militar, a campanha abolicionista e a grandeza e decadência do Império. “Realmente (concluiu), nenhuma das grandes forças que determinaram a queda do Império se havia gerado dentro do período de 1887-1889; todas tinham as suas manifestações iniciais fora daquele limitado espaço histórico: o abolicionismo, o republicanismo, o federalismo, o militarismo. Este partia de 1870 – pelo menos. O pensamento abolicionista recuava ainda mais – aos primeiros dias do Império. O espírito republicano e federativo, esse vinha ainda de mais longe – mergulhava em cheio as suas raízes no período colonial”.
Antes de entrarmos em considerações sobre a sua obra máxima – Instituições Políticas Brasileiras, em dois volumes, para que não pequemos por omissão, seja-nos lícito resumirmos o nosso trabalho.

Além das obras que já estudamos, citamos do mestre ainda: O Idealismo da Evolução Política do Império e da República (São Paulo, 1922); O Idealismo na Constituição (Rio, 1927); O Crédito sobre o Café (Rio, 1927); Problemas de Política Objetiva (São Paulo, 1930); Raça e Assimilação (São Paulo, 1932); Novas Diretrizes da Política Social; Problemas de Direito Comparativo; Problemas de Direito Sindical, e Formation éthnique du Brésil colonial. Era óbvio que ocupasse as relevantes e seguintes posições: Membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro; da Societé des Americanistes de Paris; do Instituto Internacional de Antropologia e Etnologia do Porto; da Academia Dominicana de História; da União Cultural Universal de Sevilha; da Academia de Ciências Sociais de Havana; do Conselho Nacional de Geografia; da Academia Fluminense de Letras e da Academia Brasileira de Letras.

Ocupou cargos de real importância como o de Procurador do Ministro do Trabalho onde exerceu grande influência com seus estudos, idéias e experiências para o nosso Direito Trabalhista e nossa Legislação Social.

Convidado para Ministro do Supremo Tribunal Federal declinou daquela investidura, pois achava-se muito velho para aprender Direito Civil. Foi, contudo, nomeado Ministro do Tribunal de Contas da União.

Faleceu em 28 de março de 1951.

Viveu na grandeza de sua simplicidade deixando à Pátria um patrimônio imperecível. Estamos certos de que sua obra servirá de guia, de estímulo e orgulho para os discípulos que a queiram continuar.

“Com a morte de Oliveira Viana, escreveu Gilberto Freire (O Jornal, 31-5-51), o Brasil perdeu um dos seus maiores e melhores mestres: mestre precisamente, da ciência de descobrir, explicar e interpretar a chamada “realidade brasileira”. Mestre que foi um exemplo admirável de devoção de um homem à sua ciência e à sua vocação”.

Cumpre-nos agora apreciar, embora em síntese, pela contingência do tempo que dispomos para fazê-lo, a mais importante obra de Oliveira Viana. Ele mesmo considera Instituições Políticas Brasileiras sua obra máxima. Em dois preciosos volumes ressalta a figura não só do sociólogo mas também do historiador e jurista.

Dir-se-ia que os conceitos de ciência e técnica de François Geny influíram bastante em Oliveira Viana ao considerar que todo o direito positivo oscila entre dois pólos distintos que se podem denominar o dado (le donné) e o construído (le construit). Num dos pólos encontra-se a “natureza Social” que deve ser interpretada segundo as inspirações de um ideal Superior – é o “dado” que revela a regra do direito, tal qual emerge da natureza das coisas e, “tanto quanto possível, em estado bruto ainda”. Ora, o trabalho a realizar, partindo desses dados naturais, adquiridos pela observação e a experiência, visa aplicá-los, transformá-los, adaptando-os às necessidades de que emanam e a cujo ordenamento jurídico se destinam e isso é o construído, “fruto de artifício exercendo-se processos próprios” trabalho subjetivo de construção jurídica pelo qual se erige a regra bruta em preceito capaz de se inserir na vida social e animá-la em vista dos fins supremos do direito. O direito positivo pressupõe, portanto, ciência e técnica; a ciência lhe fornece os dados sobre os quais a técnica levanta as construções jurídicas.

Promana, então, de duas ordens de fontes: fontes reais, de onde vem a substância, que a ciência encontra nos dados que a natureza social fornece; fontes formais, de onde provêm as formas, que a técnica constrói e, por força das quais o direito, como princípio de ordem e de equilíbrio, se manifesta e se realiza. (Geny: Science et Technique en Droit Privé Positif e o meu grande mestre e amigo Paulino Neto in Cadernos do Direito Civil.)

Apresentou Geny quatro categorias de dados: naturais (fenômenos antropogeográficos, etnologia, condições econômicas – a “rerum naturae”); históricos (vasto e fecundo campo de investigações científicas que se encontra nas diferentes fases evolutivas realizando no tempo e no espaço as instituições jurídicas); racional (“que conterá a direção capital para assegurar, tanto quanto possível, a elaboração científica do direito positivo”) e, finalmente, o dado ideal (elemento preponderante de desenvolvimento jurídico, espiritualizando e afirmando as conclusões da razão, clareando, tornando mais compreensível a natureza das coisas e continuamente aproximando a vida social dos superiores princípios da Justiça, postulados pelas mais altas aspirações humanas em constante mutação (Geny).

Tendo especializado os seus estudos nos problemas brasileiros, perscrutando com seriedade e realismo os fatos de Geografia e História, ninguém melhor que Oliveira Viana estaria indicado para escrever Instituições Políticas Brasileiras. Daí o objetivo desta importantíssima obra analisando: I – Direito-lei e Direito-costume. Conceito estritamente legal do direito entre os juristas. II – Setores costumeiros do nosso direito. O nosso direito esportivo: suas regras e instituições. III – O direito costumeiro das nossas classes trabalhadoras e o seu reconhecimento oficial pelo Estado: Origem costumeira da nossa legislação social. Setores do nosso direito trabalhista ainda não institucionalizado. IV – O setor de nosso direito público costumeiro: Sua significação e importância. Os problemas que encerra e a metodologia do seu estudo. V – O direito político costumeiro e a culturologia do Estado.

Falar-vos sobre cada um desses importantes temas seria tarefa para um curso de longa duração sobre a obra desse consagrado mestre fluminense.

Mestre erudito da sociologia, procurou salientar no problema do estudo das fontes do direito em face do pensamento jurídico moderno, como a ciência mostra o erro de certo positivismo jurídico que considera antes de mais nada “o direito quando na sua transubstanciação na lei, isto é, na norma promulgada pelo Estado: o direito é a lei”, desprezando “as revelações trazidas pelas outras ciências da sociedade à ciência do direito”.

Para finalizar devo recomendar aos cursistas e estudantes brasileiros um estudo profundo em toda obra desse grande vulto de nossa história que nos legou, com a seriedade e carinho com que perscrutou os mais importantes problemas brasileiros, excelentes “dados para reformarmos as nossas instituições jurídicas em construções que resultam desta atividade espontânea da sociedade” como “direito-costume, o direito do povo-massa, que as elites, em regra, desconhecem, ou mesmo desdenham conhecer, embora, às vezes, sejam obrigadas a reconhecê-lo e legalizá-lo”.

Petrópolis, 13 de agosto de 1966.