DEZESSEIS DE MARÇO DE 1982

Ruth Boucault Judice, associada titular, cadeira n.º 33, patrono Padre Antônio Tomás de Aquino Correia

Autoridades presentes,
Prezados consócios,
Meus senhores, minhas senhoras

16 de março de 1982!

Hoje é aniversário de nossa Petrópolis.

Primeiro aniversário depois de ter sido transformada em Cidade Imperial pelo decreto federal de 25 de junho de 1981. Culminância de todos os anseios de uma população, que em pesquisa recente, disse sim à preservação do seu patrimônio na expressiva porcentagem de 90,4%.

Houve uma mudança legal, mas … nenhuma mudança real.

A nossa experiência e os conhecimentos adquiridos nos mostram, não só na História da Humanidade, como na História das Artes e no nascimento e evolução da Técnica, que nada acontece de repente.

Todos os fatores históricos ou técnicos passaram por um processo primeiro de estudo, seguido de conclusões, mutações, para chegar ao estágio de maturação.

E a nossa Petrópolis não fugiu à regra.

Nasceu com D. Pedro I, comprando a Fazenda do Córrego Seco em 1830.

Seguiu com D. Pedro II, que arrendou a fazenda ao major Julio Frederico Koeler e separou para si, um terreno para seu palácio de verão; nosso atual Museu Imperial.

Aos moldes europeus, D. Pedro II encomendou um projeto de urbanismo, o primeiro do Brasil, um projeto de arquitetura e futuramente os trabalhos de um paisagista Jean Baptiste Binot.

Evolui na República, quando o nosso primeiro presidente, o Marechal Deodoro da Fonseca, seguindo a trilha do ex-imperador começou a passar seus verões aqui a partir de 1890. O endereço de Deodoro ainda não era o Palácio Rio Negro, mas sim o número 57 da Av. General Osório.

Até a capital federal mudar-se para Brasília, era Petrópolis no verão, a capital provisória. Vinham para cá os presidentes, com pequenas exceções, as embaixadas e toda a “entourage” dos mesmos.

O Palácio Rio Negro se abria; os palacetes da Av. Koeler festivamente se arrumavam para receber seus proprietários; os hotéis, que eram em maior número que hoje, se enchiam do vai-e-vem alegre dos veranistas, que fugiam do verão carioca, para a amenidade do nosso clima.

E hoje? O verão é de fato representativo para o comércio? Para a municipalidade, enfim, para toda a cidade?

Temos que reconhecer que já não é o mesmo.

Por que?

Numa cidade imperial que fica apenas a 1 hora e pouco do Rio, com clima excelente, tendo todos os requisitos para ser eleita a cidade de férias de jovens e adultos, ela perde o lugar para as praias das cidades litorâneas, seu cada vez mais.

Por que? Novamente.

Porque paramos, ou pior retroagimos no tempo. Hoje não há mais atrativos coletivos. Tínhamos que recriar atrativos para as férias. Construir ciclovias, diminuir ou até acabar o trânsito pesado nas ruas centrais para proporcionar mais fácil acesso ao comércio central, subsidiar as charretes, criar campos de esportes populares para que os moradores dos conjuntos verticais existentes tivessem onde se distrair, estimular os exercícios físicos, tão decantados nos nossos dias, e aumentar as áreas verdes coletivas, através de parques. O montanhismo no Morro Açu é conhecido e louvado fora do Brasil, e quantos de nós já estivemos lá, ou quantos sabemos que ele existe?

A Petrópolis de ontem que deu origem ao título de Cidade Imperial foi nossa herança. Mas a Petrópolis de amanhã, será a nossa responsabilidade e a herança dos nossos filhos e netos.

Já nos demos conta disso? Do que teremos que realizar?

Seguindo nosso raciocínio, vimos Petrópolis nascer, crescer, passar a ser a Versailles brasileira trazendo sempre pra cá nos verões, primeiro a corte imperial e posteriormente o “staff” republicano.

Neste desenvolvimento foi criando lastro e valores históricos. De repente um grupo pequeno se dá conta que Petrópolis já tinha um passado a ser preservado. Muitos nomes, muita fisionomia que o tempo apagou, mas que a memória conserva, batalharam para que ela continuasse aprazível. São eles que vão conseguir que o então IPHAN, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, tombe a paisagem da Av. Koeler. Era o primeiro passo.

O verbo “tombar” dá calafrios em alguns e mau humor em outros.

Mas, tenho impressão que é apenas falta de informação. O tombamento não deve ser encarado como ônus e sim como prêmio, pois poucos são os bens de valor histórico, ambiental ou arquitetônico que existem nesse Novo Mundo e que são dignos de ser tombados. Diferente do Velho Mundo, onde em cada canto se acha um bem, com valor expressivo que preenche estas condições.

Se nós temos uma cidade que merece ser preservada, vamos nos considerar privilegiados, e não perseguidos!

Mas nada impede que uma Cidade Imperial proteja sua indústria, que é também uma fonte de renda.

Vamos lembrar que a indústria é tão antiga como a cidade, que nasceu agrícola, como Fazenda Imperial, mas que ao se organizar já implantou as primeiras indústrias.

A indústria têxtil, que foi uma das primeiras a surgir e já tem história. A primeira cervejaria brasileira – Bohemia – nasceu aqui. Chegamos a ter lapidação de brilhantes na cidade.

Somos hoje uma cidade diferente. Temos que mudar o raciocínio de nossa classe empresarial.

O que nossos empresários de visão deveriam fazer é aproveitar essa história e criar um Museu da Técnica – aos moldes do de Munich – que narrasse ao vivo toda a evolução têxtil na cidade. Seria uma distração para os jovens que, se instruindo dariam de volta grande rentabilidade ao capital empatado.

Ao lado das maquininhas que o mercado já explora, a indústria do turismo também poderia criar várias maquininhas instrutivas que também dependeriam de um níquel para andar e para ver funcionar: o primeiro tear, os teares seguintes até a sofisticação dos atuais. E a evolução do transporte ferroviário? Quantas moedas pagaria um jovem para fazer uma locomotiva apitar! E nossas estações antigas? Nossas fábricas de cerveja, de cristal, nossas cerâmicas, nossas malharias, meu Deus, quanto material industrial a ser explorado turisticamente.

Mas que fique claro, que não queremos Museus Mortos e sim um Museu Vivo, que é o que Petrópolis teria que ser depois de ter sido nomeada Cidade Imperial. Mostrando a todo Brasil que o passado pode coexistir com o presente. Que podemos seguir crescendo sem destruir o que herdamos. A questão é programar.

Seria uma co-existência pacífica entre preservação e desenvolvimento.

Nossa geração petropolitana vive um momento histórico de grande importância. É a grande mutação que nos levará à maturação.

Vários pedidos chegaram ao IPHAN partindo de Petrópolis, dos representantes expressivos de seu povo. E como resultado, tivemos alguns tombamentos que culminaram com o decreto que transformou a ex-fazenda imperial em Cidade Imperial.

Surge a Fundrem.

No segundo semestre de 1980 são iniciados os primeiros contatos entre a então Assessoria do Planejamento com a Fundrem (Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana) para a elaboração do anteprojeto de regulamento de zoneamento e parcelamento da terra.

A primeira reunião foi dia 28 de outubro de 1980, juntando-se aos membros dos órgãos púbicos os representantes da construção civil que seria, por lógica, a primeira entidade a ser consultada.

Surge o Fórum de Debates.

Seguiram-se as reuniões de novembro e dezembro de 1980 (note bem, o decreto só aconteceu em junho de 1981).

A administração sofre uma mudança; troca-se o assessor. E o novo Assessor de Planejamento vai criar uma Comissão Consultiva, feita com representantes de classes.

Ficou programado que a partir dali, teríamos um grupo de pessoas capacitadas, da terra, para o seguimento dos trabalhos, formando uma Comissão Consultiva de Preservação de Patrimônio. A própria SPHAN (Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) faria parte com um membro seu, que seria nosso contato com a secretaria federal.

Que passo grande nós dávamos!

Trabalho feito à portas abertas com cooperação das classes petropolitanas, permitindo a assistência e sugestão de quem lá quisesse ir. Alguns grupos de bairros chegaram a comparecer e até a reivindicar.

Não sei porquê essa Comissão ainda não foi formada: agilizaríamos assim todo o andamento dos processos, hoje em consultas.

A mudança dos administradores, a urgência de outros assuntos, devem ter sido a causa. Mas justamente para não sofrer solução de continuidade quando houvesse mudanças políticas, queríamos um grupo apolítico, apenas cultural, para dar seguimento ao trabalho iniciado. É uma sugestão que levamos aos atuais administradores, visando ao bem geral.

Queremos que o título de Cidade Imperial não seja apenas “pro forma”.

É preciso torná-lo realidade, mudando toda uma mentalidade através de conscientização.

Aceitando o desafio que o Governo Federal nos fez, de preservar o nosso patrimônio histórico, ambiental, arquitetônico, sem alijar o progresso que não é antagônico, que pode e deve vir e até se utilizar do patrimônio que nossos ancestrais nos deixaram.

Importante será nessa fase de transição, pensarmos também na imagem da cidade. Trazê-la mais limpa, mais florida, revitalizando seus rios.

O arquiteto Gunther Weiner que nos visitou no final do ano passado, deixou-nos uma frase que exige reflexão: – “Em Petrópolis, o rio é a vida ou a morte da cidade”.

De fato, não tiramos partido dele para que seja a vida da cidade.

Apenas esperamos, de braços cruzados, que ele caminhe a passos largos, para ser sua morte. Vimos isso nas últimas enchentes. É preciso desassorear os rios, é preciso aumentar a capacidade volumétrica dos mesmos para os dias de chuvas fortes,criando como Koeler, paredões inclinados e não perpendiculares, para vazão mais rápida nos temporais.

E depois… exigir que sejam conservados limpos, sem lixo, sem produtos químicos, enfim, com todo o auxílio que a Feema possa dar, para que eles voltem a ser novamente acidentes geográficos e não depósitos de lixo.

Que volte a ser vida e não a morte da cidade!

Muito nos falta para chegar ao estágio final de maturação que os outros países de mais idade já chegaram, em matéria de Preservação. Mas todos eles tiveram um começo e nós estamos tendo o nosso começo árduo porque a tarefa é mais difícil. Teremos que aprender a preservar crescendo, pois estamos em pleno desenvolvimento. Saber conciliar os dois fatores será o segredo de nosso sucesso.

Vamos crer nos nossos administradores, vamos esperar deles, vamos mesmo exigir deles, pois esse ano é ano de eleição!

Que o nosso voto seja dado àqueles que tenham essa capacidade e essa vontade de transformar de fato, Petrópolis na progressista Cidade Imperial.