CONSIDERAÇÕES SOBRE A BANDEIRA REPUBLICANA DO BRASIL
Vera Lúcia Salamoni Abad, Associada Titular, Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima

 

1 – INTRODUÇÃO

Em 2009 quando ruiu parte do teto do prédio que abriga o Templo da Humanidade, sede da Igreja Positivista do Brasil na cidade do Rio de Janeiro, tornou-se notícia a descoberta das relíquias do acervo ali guardado. Dentre elas, esquecidos numa gaveta estavam os desenhos do projeto de uma nova bandeira para o Brasil republicano idealizada pelos seguidores da filosofia positivista do francês Augusto Comte (1798 – 1856).

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Figura 1 e 2 site templodahumanidade.org.br desenhos atualmente em restauração

Tratava-se de dois desenhos da esfera central da bandeira: um em papel milimetrado com um esboço do todo e de alguns detalhes, como as estrelas, e outro em papel vegetal com o desenho definitivo do projeto. Além dos esboços em papel, existia uma pintura a óleo sobre tela com as cores que seriam usadas para realizar o projeto. (fig.1,2,3)

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Figura 3 acervo Igreja Positivista do Brasil. Tela de Décio Vilares, atualmente desaparecida

Causou surpresa a muitos e aos historiadores em particular que tais documentos estivessem assim descuidadamente relegados ao abandono assim como o próprio local onde costumavam se reunir pessoas que influenciaram diretamente a instalação do regime republicano no nosso país.

Ao mesmo tempo, considerando os desenhos encontrados, vemos a preocupação dos artífices do projeto na representação de uma esfera celeste na nova bandeira, a imagem do céu austral com destaque do “Cruzeiro do Sul”, o que parece vir de encontro ao conceito SULEAR criado um século depois da feitura de nossa bandeira pelo físico e antropólogo Marcio D’Olne Campos.

O termo SULEAR estabelece uma distinção no modo de se situar em relação aos pontos cardeais contrapondo-se à prática advinda dos povos residentes no hemisfério norte, notadamente os europeus.

Tal prática, comum no hemisfério norte, tomando por direção o sol nascente de dia e a Estrela Polar à noite, torna-se totalmente inadequada no hemisfério sul, de onde a Estrela Polar não é visível. À noite, é o Cruzeiro do Sul que indica a direção para o Polo Sul. Assim, o verbo Sulear se contrapõe ao verbo Nortear, por estar mais de acordo com a ótica do sul. Mas além disso, também problematiza o hábito de se aceitar o que sempre foi imposto como o certo ou melhor apenas por tradição colonial e constitui um rompimento com o caráter ideológico de aquiescência em termos e práticas criados pelo colonizador.

É interessante notar que em similar princípio, mesmo não se atendo a exatamente à mesma ideia, a criação da bandeira republicana do Brasil, seguindo os preceitos positivistas dos que a imaginaram, ao mesmo tempo que mantem alguns aspectos das bandeiras anteriores garantindo a continuidade da história da pátria, rompe com a ideia de imposição colonizadora ao se considerar o tratamento dado à representação e simbologia da esfera armilar e a ausência da cruz da Ordem de Cristo.

No presente trabalho procuraremos relatar os fatos e ao mesmo tempo tecer considerações sobre a feitura da bandeira republicana do Brasil que hoje nos representa. Afinal, que características ela tem e, principalmente, o que ela não tem que foi capaz de causar tanta celeuma quanto à sua aceitação.

2 – BANDEIRA – SIGNIFICADO E USO

Antes de fazer tais conjecturas, entretanto, para melhor compreensão, cabe aqui um breve estudo sobre a origem e evolução das bandeiras em sua simbologia e representatividade, tomando por principal referência, os detalhados estudos de Raimundo Olavo Coimbra publicados na obra “A Bandeira do Brasil” – Fundação IBGE, 1979.

Usamos o vocábulo BANDEIRA em diversas situações quotidianas sem atentar ao seu verdadeiro e histórico significado: sabemos qual a bandeira do nosso cartão de crédito, se o taxi está correndo em bandeira 2, distinguimos o bandeirinha, na partida de futebol, da bandeira que ele porta para sinalizar uma falta. Muita gente denomina o paulista de bandeirante, sem saber o porquê.

Na etimologia do vocábulo, BANDEIRA, no português, é evolução da palavra BANDWA no Gótico que significa SINAL.

Ao longo dos séculos os homens usaram símbolos representativos de seus grupos, como galhos de árvores, partes de animais, peles ou o que fosse para distinção, comemoração ou reconhecimento. É difícil dizer quando tais recursos ou sinais passaram a designar o próprio grupo de pessoas que as criava como seguidoras de um mesmo sinal. Registros de representações significativas existem em civilizações antigas datados de mais de 3 mil anos A.C. No uso de formas como estandartes, por exemplo, as cidade-estado gregas como Atenas, Tebas, Esparta escolhiam símbolos dentro de suas crenças religiosas, figuras de animais e divindades para as representar e/ou proteger, bem como aspectos da natureza para as distinguir. Verdadeiros pavilhões pátrios, eram também de certo modo educativos. Entre os romanos, os símbolos e estandartes passaram também a distinguir os grupos militares em sua hierarquia e as iniciais SPQR, inscrição definitiva em um fundo de tecido, descrevia e distinguia o Império.

Assim, em sua evolução, a bandeira tomou diversas formas para usos diferentes: comunicação, exortação, representação, distinção. O SINAL sempre se fez presente na simbologia das figuras, no uso de cores representativas de fatos, fenômenos e emoções, no uso de legendas, palavras e iniciais. A bandeira descreve os que a seguem, é parte e o todo de seus seguidores, acaba por nomeá-los, distinguindo-os.

Nas ações militares a bandeira é o país de origem, é o próprio batalhão, a qual o soldado aprende a defender com a própria vida. Nas manifestações populares vemos a queima da bandeira do “inimigo” – é a agressão direta ao que ela representa, seja uma ideia ou um país. Vale por uma declaração de guerra.

Nas saudações, música e literatura, a exortação à bandeira é a emulação ao que ela representa, povo e país.

No uso da linguagem literária são tomados por sinônimos diferentes vocábulos que denotam tipos distintos de bandeiras. Aceitamos em nossos hinos palavras como: “o lábaro que ostentas estrelado”, “o verde-louro desta flâmula”, “pendão da esperança” sem maiores considerações. Estandarte seria uma insígnia militar, também lábaro tem origem militar e flâmula (do latim, pequena chama) é um galhardete, bandeirola de cavalaria. Insígnia é um adorno emblemático para soberanos, autoridades e irmandades. Pavilhão é o símbolo marítimo de uma nacionalidade. Pendão e vexilo têm a mesma origem militar e entre os romanos, representava um destacamento. Aliás, a palavra vexilo deu origem a vexilologia com o significado de ciência que estuda as bandeiras.

3 – HISTÓRIA

Vemos então que historicamente bandeiras foram confeccionadas com vários materiais e em vários formatos para representar simbolicamente um estado, um soberano ou autoridade, um destacamento militar ou navio, uma crença ou ideia, uma equipe esportiva… constituindo sempre, porém, em sua essência o sinal de distinção dos que as portam.

Não cabe aqui nos deter na relação de bandeiras que foram usadas em nosso país desde a descoberta de Cabral posto que sempre foram portuguesas por força da colonização. Vamos, entretanto, nos ater a pontos que se tornam interessantes ao nosso estudo por se referirem à simbologia que herdamos ou deixamos de herdar de elementos presentes nas bandeiras usadas em Portugal e no Brasil colônia – a cruz, a esfera armilar, e certas cores ou campos.

3.a – A Cruz

Quando os romanos pararam de perseguir os cristãos e Constantino I converteu-se ao cristianismo ao vencer uma batalha depois de sonhar com uma cruz portando a inscrição “In Hoc Signo Vinces”, em 312 D.C., o cristianismo tomou vulto organizando-se e sendo difundido por toda parte. A cruz, símbolo da fé cristã, presente em todas as igrejas construídas foi usada em estandartes e bandeiras em procissões e festas religiosas. Em 1095 o movimento militar criado pelo papa Urbano II para libertar Jerusalém, foi denominado “Cruzadas” pois, naturalmente, ao serem organizadas as primeiras incursões, os participantes escolheram a cruz como símbolo aposto em suas bandeiras. Inicialmente os cruzados adotaram uma cruz vermelha sobre campo branco. Depois, para haver distinção quanto aos países participantes, convencionou-se formalmente que cada país portasse uma cruz de cor diferente. Por questões estéticas, o formato da cruz foi também variado assim como a cor do campo onde eram inscritas. Curiosamente esta foi a origem de muitas bandeiras de países europeus usadas até os dias atuais. A bandeira da Suíça deu origem à da Cruz Vermelha, organização mundial de assistência à saúde e a Grã Bretanha não se contentou com nada menos que três cruzes sobrepostas.

Acredita-se que a criação do Condado Portucalense por Henrique de Borgonha em 1095 ou 96, mesmo não tendo relação com nenhuma cruzada, recebeu uma bandeira portando uma cruz azul esquartelando o fundo branco uma vez que partia da iniciativa de um príncipe cristão. Tradicionalmente, esta é chamada pelos portugueses de Bandeira da Fundação. (fig.4) Desde então, em todas as bandeiras portuguesas a simbologia da cruz está presente. Seja na disposição dos escudetes, seja na imagem de uma cruz ao fundo do escudo ou encimando uma coroa.

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Figura 4 Evolução da bandeira de Portugal https://pt.wikipedia.org

A bandeira com a cruz que mais nos diz respeito é a bandeira da Ordem Militar de Cristo, sucessora da Ordem do Templários em Portugal. Quando da extinção desta última, em 1311, o soberano D. Diniz solicitou ao papa que os bens da ordem permanecessem em Portugal. Os Templários haviam se tornado instituição de grandes riquezas em terras, bens e ao que parece até embarcações. O nome da ordem religiosa-militar “templários “, desgastado pelos processos então instaurados, foi substituído por Ordem Militar de Cristo em 1319 e foi com sua riqueza e prestígio que Portugal deu partida para as conquistas marítimas. Em oportuna simbiose entre o estado e a igreja católica, a propagação da fé tornou-se um audacioso projeto político e econômico para a coroa portuguesa. A bandeira da Ordem de Cristo esteve presente em todas as naus portuguesas que aportaram na África, na Índia e no Brasil.(fig.5)

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Figura 5 Evolução da bandeira de Portugal https://pt.wikipedia.org

A cruz de esmalte vermelho aberta em branco sobre campo branco acompanhou Cabral no desembarque de 1500 e foi a primeira bandeira hasteada no solo brasileiro como tomada de posse do território por Portugal. A cruz da Ordem de Cristo está presente em várias bandeiras que mais diretamente nos dizem respeito:
Na bandeira para Índia e América, encimando a coroa sobre o escudo português e a esfera armilar sobre um globo azul; (fig. 6)

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Figura 6 Evolução da bandeira de Portugal https://pt.wikipedia.org

Na bandeira do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarve, sobre a coroa real;(fig.7)

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Figura 7 Evolução da bandeira de Portugal https://pt.wikipedia.org

Na bandeira do Principado do Brasil, encimando o globo azul sobre a esfera armilar. (fig.8)

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Figura 8 Evolução da bandeira de Portugal https://pt.wikipedia.org

Finalmente, na bandeira Imperial do Brasil, ela aparece no escudo por trás da esfera armilar e encimando a cruz da coroa imperial de D. Pedro I. (fig.9)

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Figura 9 Evolução da bandeira do Brasil https://pt.wikipedia.org

 

3.b – A Esfera Armilar

Do que se trata afinal este instrumento que figura em tantas bandeiras? Que significado tem? Na Biblioteca Nacional da França encontra-se uma esfera de cerca de 19cm de diâmetro em cobre lavrado com a representação das estrelas em 48 constelações conforme descritas no Almageste de Ptolomeu. É circundado por uma faixa eclíptica representando a trajetória anual do sol e os 12 sinais do Zodíaco. Proveniente da Espanha ou talvez do Marrocos, data de cerca de 1080 e atesta a difusão do conhecimento astronômico e matemático entre os árabes. No objeto, a representação da Ursa Maior e Ursa menor nos faz crer na sua utilização para a localização na terra em relação à posição dos astros utilizando as constelações visíveis no hemisfério norte. (fig 10)

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Figura 10 Globe céleste arabo-coufique / https://www.bnf.fr/fr/agenda/le-monde-en-spheres

No desenvolvimento da ideia, a partir dos conceitos da redondeza da terra, da posição central da terra e finalmente da posição do sol, surgiram instrumentos como astrolábio e a esfera armilar para localização na superfície terrestre e indicação de rumos ou destinos de viagens. A esfera armilar é uma modelização mecânica do universo, utilizado para verificar o movimento aparente dos astros, do sol e da terra. É construido com anés ou armilas articuladas que circundam uma esfera representando a terra ou o sol de acordo com as teorias de Pitágoras ou Copérnico. No século XVII, as primeiras esferas armilares heliocêntricas conviviam ainda com aquelas tradicionalmente geocêntricas. Foi muito utilizado em navegação para efeito de cálculo de rumos e situação pelo estudo da posição das estrelas à noite e da trajetória do sol durante o dia. (fig.11)

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Figura 11 modelo de esfera armilar

Por sua utilização pioneira pelos navegadores portugueses, tornou-se um símbolo do poderio naval português quando estes empreenderam conquistas de outras terras traçando novas rotas de comércio ao redor do mundo. D. Manuel I, o Venturoso, rei de Portugal a partir de 1495, adotou a figura de uma esfera armilar em sua bandeira pessoal, representando o poderio marítimo que seu reinado houve por bem trazer a Portugal: a abertura do caminho para as Índias descoberto por Vasco da Gama e a descoberta do Brasil por Cabral. (fig.12)

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Figura 12 Evolução da bandeira de Portugal https://pt.wikipedia.org

Desde então, de várias formas ela se encontra presente nas bandeiras nacionais portuguesas.

3.c – As Cores

As cores ou esmaltes das bandeiras portuguesas pouco se alteraram ao longo dos séculos. Do azul da cruz da bandeira da fundação ao acréscimo do vermelho variaram as figuras e a disposição dos elementos: escudo, escudetes, besontes em prata, castelos, esfera armilar e coroas em ouro. O azul, vermelho e branco são predominantes na maioria das bandeiras, enquanto que o verde aparece ocasionalmente em apenas algumas

– na cruz de Aviz, acrescentada à bandeira anterior, para marcar o início da dinastia da Casa de Aviz com D. João I em 1385 (fig. 13);

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– em ramos de oliveira guarnecendo o escudo central na bandeira durante o domínio espanhol (fig.14);

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– como fundo para a Cruz da Ordem de Cristo na bandeira da revolução de 1640, data em que a casa de Bragança assume a coroa portuguesa com D. João IV (fig.15);

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– assim como também serve de fundo para o escudo português na bandeira de Pedro II Imperador de Portugal em 1669.(fig.16)

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Figs.13,14,15,16 Evolução da bandeira de Portugal https://pt.wikipedia.org

O verde dividindo com o vermelho o campo da bandeira só aconteceu finalmente na bandeira republicana de Portugal.

 

4 – AS BANDEIRAS DO BRASIL

Seguindo o critério de bandeira representativa exclusiva do Brasil, tivemos apenas 3 bandeiras: a do principado do Brasil de D. João IV, a do império, de D. Pedro I e depois de D. Pedro II e a da república.
Embora existisse de fato um principado do Brasil criado por D. João IV para agraciar o herdeiro presuntivo ao trono português, a bandeira do principado que traz uma esfera armilar em ouro encimada por uma esfera azul com a coroa e a cruz sobre campo branco é também considerada apenas como uma bandeira comercial. Há controvérsias sobre seu nome oficial, mas é fato que se trata de uma representação exclusiva para o Brasil.

A bandeira do império brasileiro, criada por D. Pedro I com desenho de Debret merece algumas considerações por ser a precursora direta da bandeira republicana do Brasil. (figs.17 e 18)

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Figura 17 e 18 https://pt.wikipedia.org Evolução da bandeira do Brasil

O desenho original de Debret havia sido criado dois anos antes, atendendo pedido de D. João VI. Não há registro da finalidade do projeto. Podia ser para estandarte pessoal dos príncipes reais, um novo pavilhão para o Reino do Brasil ou mesmo a bandeira de uma futura nação independente. Este projeto ficou esquecido no arquivo pessoal de D. João VI em Lisboa e só foi descoberto em 1940 pelo historiador português Augusto de Lima Júnior. Era em tudo semelhante ao apresentado a D. Pedro I, com pequenas modificações. O retângulo verde e o losango amarelo já apareciam nele. Apenas em lugar do laço havia um dragão verde relembrando os primórdios da nação portuguesa e da casa de Bragança por sua cor. (fig. 17 e 18)

As cores verde e amarelo foram escolha pessoal do Imperador, não importa exatamente quando a fez. Na pintura de Pedro Américo representando o “Grito do Ipiranga” vemos o momento em que dois soldados da guarda atendendo à ordem de “laços fora!” atiram fora as fitas com as cores de Portugal. Se foi naquele momento ou não que ocorreu a D. Pedro adotar o “verde de primavera e o amarelo de ouro”, não importa. Assim foi colocado no decreto de 18 de setembro determinando o formato e cor dos novos topes para as fardas militares e, logo em seguida, no decreto do dia 21 criando a bandeira imperial.

Apresentava-se assim, um novo sinal. As pessoas foram encorajadas a usar a flor verde dentro de um ângulo de ouro com a inscrição “Independência ou Morte” como divisa voluntária dos patriotas do Brasil. (fig.19)

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Figura 19 Modelos de topes para farda militar

Diz o decreto do dia 21 de setembro: “ (…) o escudo de armas deste Reino do Brasil, em campo verde uma esfera armilar de ouro, atravessada por uma cruz da Ordem de Cristo, sendo circundada a mesma esfera de 19 estrelas de prata em uma orla azul; e firmada a coroa real diamantina sobre o escudo, cujos lados serão abraçados por dois ramos de plantas de café e tabaco como emblemas de sua riqueza comercial, representados na sua própria cor, e ligados na parte inferior pelo laço da nação. A bandeira nacional será composta de um paralelogramo verde, e nele inscrito um quadrilátero romboidal cor de ouro ficando no centro deste o escudo de armas do Brasil.” (fig.20)
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Figura 20 Modelo oficial da bandeira imperial do Brasil

A escolha do verde e do amarelo trazia mais implicações que os arroubos românticos em que querem crer alguns. O verde é a cor da Casa de Bragança à qual pertence o imperador e cuja dinastia estava instalada no trono português desde 1640. D. Pedro continuava tendo ligação direta com o reinado de Portugal, tanto assim que indicou sua filha para a sucessão e depois assumiu ele próprio o trono. O amarelo é também a cor da casa de Habsburgo à qual pertence sua esposa, a Imperatriz Leopoldina, e consequentemente também seu filho e herdeiro do trono brasileiro. Naquele momento, porém, representava a ruptura com o antigo reinado pela substituição das cores até então presentes nos pavilhões que tremulavam no país. No entanto, conquanto o Brasil se tornava independente, seu governante permanecia preso à sua hereditariedade.

O desenho da bandeira foi idealizado pelo artista Debret talvez calcado em formatos de certas bandeiras militares francesas que conhecia e foi de grande ousadia, pelo inusitado do formato. Como sempre, houve críticas, o losango sobre o paralelogramo não aparecia normalmente em composição de bandeiras e a estranha combinação de cores foi até considerada de mau gosto. Na composição das Armas, a cruz, a esfera armilar, a coroa e até os ramos são provenientes de acepções portuguesas anteriores. Novidade foram as estrelas sobre a orla azul representando as províncias. A coroa de reinado foi depois modificada para coroa imperial quando se resolveu dar ao país a denominação de Império.

Aí estava, um novo sinal, mas ainda pleno de ligações com o antigo.

A confecção da nova bandeira levou algum tempo, só foi finalmente abençoada e distribuída em novembro de 1822. O sucessor, o novo imperador D. Pedro II, não fez modificações e deste modo tivemos a mesma bandeira por 67 anos seguidos.

O tempo fez com que o verde amarelo se tornasse a representação aceita pelo povo brasileiro.

 

5 – A BANDEIRA REPUBLICANA DO BRASIL

 

5. a – O positivismo e a república no Brasil.

A filosofia positivista teve importante influência na criação do regime republicano como sequência da deposição do Imperador Pedro II. O Coronel Benjamin Constant Botelho de Magalhães (1836 – 1891) era reconhecidamente positivista e na época, professor na Escola Militar do Rio de Janeiro onde suas tendências filosóficas por certo devem ter encontrado grande receptividade. Além disso, gozava de grande influência política nos meios governamentais.

Ao lado de Benjamin Constant, militavam à frente do positivismo no Brasil Teixeira Mendes e Miguel de Lemos.

Raimundo Teixeira Mendes (Caxias, MA,1855 – Rio de Janeiro, RJ, 1927 ) era filósofo e matemático, e havia se tornado adepto do positivismo por influência de Miguel de Lemos (Niterói, RJ,1854 – Petrópolis, RJ, 1917), seu cunhado. Este, aderiu à corrente positivista dita “religiosa”, defendida por Pierre Lafitte, e foi com este intuito que o positivismo acabou por se tornar mais difundido no Brasil, exercendo influência nas questões políticas e sociais da época a partir da Igreja Positivista do Brasil, sediada no Rio de Janeiro, então capital do Império e depois, da República. Enquanto Miguel Lemos era Diretor da Igreja, Teixeira Mendes tornou-se vice-diretor. A Igreja Positivista sucedeu a antiga Sociedade Positivista do Brasil, de caráter acadêmico, mas pouco atuante e logo tomou posição a respeito de questões políticas, sociais e religiosas. Seus membros participaram das campanhas abolicionista e republicana. Defendiam os direitos sociais e trabalhistas, bem como a separação entre o Estado e a Igreja.

O positivismo no Brasil ganhou força como novidade filosófica e, apesar de caracterizar-se como religião, negava as crenças aceitas a partir de concepções espirituais ou metafísicas. Intitula-se Religião da Humanidade. Desconsideram-se formas de conhecimento humano que não possam ser provadas cientificamente, sendo o avanço da sociedade para um futuro de compreensão e harmonia guiado pelo progresso da ciência de modo positivo. Seu criador, Augusto Comte (1798 – 1857), na concepção do positivismo definiu a palavra positivo com sete acepções: real, útil, certo, preciso, relativo, orgânico e simpático. Na construção do relacionamento social de modo ético, pregava o respeito e consideração ao “outro” e é de sua criação a palavra “altruísmo”.

Mesmo que na Europa o positivismo não tivesse tido uma aceitação significativa, na América do Sul, principalmente, tais ideias caiam bem entre a juventude ávida de novidade e entre os que procuravam razões para servir de base às reformas desejadas.

A importância da difusão do positivismo tomou forma na influência de seus membros no movimento abolicionista, mas culminou na proclamação da república. Em 1889, Benjamin Constant foi o líder do movimento que derrubou o Gabinete do Visconde de Ouro Preto. Na manhã de 15 de novembro proclamava-se a república.

 

5.b – A primeira bandeira

De imediato, bandeira adotada pela nova república foi a do Clube Republicano Lopes Trovão hasteada na redação de um jornal. Não chegou a ser usada pelas forças armadas, mas tremulou na fragata que levou Pedro II ao exílio. Apresentava treze listras intercaladas de verde e amarelo e um quadrado azul com 21 estrelas de prata. Era uma cópia fiel da bandeira americana e como tal foi criticada por Miguel de Lemos como “cópia servil do pavilhão da república norte-americana”. (fig. 21)

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Figura 21 Evolução da bandeira do Brasil https://pt.wikipedia.org

 

5. c A bandeira republicana

 

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Os papéis encontrados no templo positivista em 2009 traziam dois desenhos: no papel milimetrado, além da esfera com a faixa e os dizeres, havia esboços das estrelas mostrando dimensões e disposição em constelações; no papel vegetal, o desenho definitivo. Parece que a preocupação se concentrou no que deveria ser colocado no centro da bandeira em substituição ao que lá existia visto que não se pretendia modificar o losango inserido no retângulo. Do ponto de vista estético apenas uma combinação de formas geométricas. O formato de esfera sugeria uma esfera celeste e por que não o céu do Brasil? No quadro de Décio Vilares também encontrado no mesmo local, vemos que as cores da bandeira do império haviam sido mantidas. Tudo o que se encontrava no miolo do losango, porém, fora substituído pela esfera, uma abóbada celeste, sem dúvida.

Difícil acreditar que em tão pouco tempo conseguiu-se uma concepção tão abrangente e universal para se inserir numa bandeira. Tão inovadora que ao seu tempo suscitou reações de apreço e aceitação e crítica e repúdio as mais diversas e até hoje é passível de novas interpretações.

No dia 19 de novembro, Teixeira Mendes apresentou a Benjamin Constant o projeto da bandeira idealizado pelos positivistas o qual foi aprovado, tornando-se a nova bandeira republicana do Brasil.

Além de Teixeira Mendes e Miguel Lemos, participaram da construção do projeto o pintor Décio Vilares (1851 – 1931) que fez a cópia pintada a óleo, e Manuel Pereira Reis, (1837 – 1922), astrônomo e engenheiro, catedrático da Escola Politécnica que os orientou quanto à disposição das estrelas na esfera central.

O projeto foi apresentado pelo Ministro da Agricultura, o também positivista Demétrio Ribeiro e aprovado em seguida. Redigiu-se o decreto n°4 em 19 de novembro de 1889, data que passou a ser conhecida como o “dia da bandeira”. Pela liderança e empenho, houve quem a chamasse “bandeira de Benjamin Constant”.

O decreto, redigido por Rui Barbosa dizia:

“O Governo Provisório da República dos Estados Unidos do Brasil:

Considerando que as cores da nossa antiga bandeira recordam as lutas e as vitórias gloriosas do exército e da armada na defesa da Pátria;

Considerando, pois, que essas cores, independentemente da forma de governo, simbolizam a perpetuidade e a integridade da Pátria entre outras nações;

Decreta:

Art. 1º – A bandeira adotada pela República mantém a tradição das antigas cores nacionais – verde e amarelo – do seguinte modo: um losango amarelo em campo verde tendo, tendo no meio a esfera celeste azul, atravessada por uma zona branca, em sentido oblíquo e descendente da esquerda para a direita, com a legenda – Ordem e Progresso – e pontuada por vinte e uma estrelas, entre as quais a constelação do CRUZEIRO, dispostas na sua situação astronômica, quanto à distância e ao tamanho relativos, representando os vinte estados da República e o Município Neutro, tudo segundo o modelo debuxado no Anexo nº 1.

Art. 2º – As armas nacionais serão as que se figuram na estampa anexa, nº 2.

Art. 3º – Para os selos e sinetes da República, servirá de símbolo a esfera celeste, qual se debuxa no centro da bandeira, tendo em volta as palavras – República do Estados Unidos do Brasil.

Art. 4º – Ficam revogadas as disposições em contrário. – Sala das sessões do Governo Provisório, 19 de novembro de 1889, 1º da República.”

O Decreto traz estas assinaturas: Marechal Deodoro da Fonseca, chefe do Governo Provisório – Q. Bocaiúva – Aristides da Silveira Lobo – Rui Barbosa – M. Ferraz de Campos Sales –Benjamin Constant Botelho de Magalhães – Eduardo Wandelkolk. (Apud COIMBRA, 3.1.6.1) (fig22)

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Figura 22 Evolução da bandeira do Brasil https://pt.wikipedia.org

Levaram ao governo provisório um pavilhão imbuído do significado positivista de “transformação na continuidade”. Para assegurar a continuidade entre as gerações, o desenho da nova bandeira foi calcado na bandeira imperial criada por Jean-Baptiste Debret. Foram mantidas as formas geométricas (o losango e o retângulo) nas cores verde e amarelo. O verde representando a dinastia da Casa de Bragança e o amarelo, a Casa dos Habsburgos às quais pertenciam respectivamente D. Pedro I e D. Leopoldina. O verde estava de acordo também com a ideia de esperança e paz e o formato do losango que era representativo dos escudos femininos, casava bem com o culto ao “feminino” dentro da doutrina positivista. Também o conceito “matas e riqueza” aventado por D. Pedro I na época de seu reinado era ainda pertinente no novo regime. Nos 67 anos de Brasil-Império as cores verde-amarelo tinham sido incorporadas ao sentimento de pátria independente e eram aceitas na bandeira como representação válida do país. Como são até hoje.

Do centro, entretanto, foram retirados os símbolos do regime imperial, o escudo, a coroa, a esfera armilar e a cruz da ordem de Cristo. Os ramos de café e fumo foram retirados por não serem mais representativos de nossa riqueza comercial, e o círculo com as estrelas foi substituído pelas constelações na abóbada celeste.

A eliminação dos símbolos imperiais seria criticada pelos imperialistas, evidentemente, como quebra de tradição, desrespeito ao passado e ignorância dos laços que nos prendem a Portugal, enquanto que os novos símbolos – a esfera estrelada e a faixa com os dizeres ORDEM E PROGRESSO foram discutidos e contestados também por muitos republicanos não positivistas. Reclamou-se da dificuldade do desenho, da ausência da cruz e da esfera armilar, da imprecisão da disposição das estrelas e da escolha das mesmas, enfim, discursos inflamados e publicações contra e a favor se sobrepunham à simples aceitação popular. Entidades religiosas protestavam quanto a ausência da cruz e negavam-se a abençoá-la por ter sido criada à luz de uma religião sem Deus.

As dificuldades para aceitação do novo pavilhão foram tantas, que apenas 5 dias após a publicação do decreto nº4 determinando a criação da bandeira, Teixeira Mendes foi obrigado a redigir explicações que intitulou “apreciação filosófica” e o documento foi publicado no diário oficial.

Fruto do idealismo de um grupo que no momento fazia parte do poder, a concepção do símbolo da pátria não poderia ser diferente dos princípios básicos da filosofia que os moveu. Acreditavam na criação de um estado republicano, igualitário, laico, capaz de promover pela nova ordenação social o progresso do país.

Não havia muito a explicar, mais havia a fazer aceitar o novo, de modo que tais apreciações mais soavam como um modo de contemporizar a grita do que justificar o projeto.

Dentre as várias publicações da Igreja Positivista, o folheto nº110, intitulado A Bandeira Nacional, relata as controvérsias e reações de repúdio à bandeira republicana e traz também tal publicação como justificativa quanto às escolhas estéticas, simbólicas e filosóficas traduzidas no pavilhão.

“(…) Destinada a lembrar a fraternidade, base de todo civismo, a bandeira deve ser um símbolo de amor antes de tudo. Contemplando-a, cumpre que os cidadãos sintam com energia todas as convergências sociais através das discordâncias individuais.” Ou seja, como já vimos, a bandeira representa a todos sem distinção, é a conjugação das características e ideais que unem o povo que a segue. Continua, “Ela nos deve recordar o Passado de onde viemos, a Posteridade por que trabalhamos, e o Presente que forma o elo movediço dessas massas indefinidas das gerações humanas”

Explica ainda Teixeira Mendes na continuação do texto “(…) devia também eliminar tudo quanto pudesse perturbar o sentimento de solidariedade cívica, por traduzir crenças que não são mais partilhadas por todos os cidadãos” a modernização dos símbolos devia “traduzir as novas aspirações nacionais”.

Neste ponto tentava justificar a eliminação da Cruz da Ordem de Cristo, mas não foi feliz ao classificar crenças não mais partilhadas. O Brasil, naquela época e até hoje considera-se um país cristão. E se era para falar de crenças, o positivismo como religião era praticado por parcela ínfima da população brasileira e, no entanto, a bandeira portava dizeres da máxima positivista.

“Para satisfazer a esta dupla necessidade foi que se adotou a representação idealizada do aspecto do Céu na Capital dos Estados Unidos do Brasil, no momento em que a constelação do Cruzeiro do Sul se acha no meridiano, estampando-se na direção da órbita terrestre a legenda: – Ordem e Progresso. Este símbolo corresponde a tudo quanto o outro tinha de essencial. Ele lembra naturalmente a fase do Brasil-Colônia nas cores azul e branca que matizam a esfera, ao mesmo tempo que esta recorda o período do Brasil-Reino, por trazer à memória a esfera armilar. Desperta a lembrança da fé gloriosa dos nossos antepassados e o descobrimento da América, não já por meio de um sinal que é atualmente um símbolo de divergência, mas por meio de uma constelação cuja imagem só pode fomentar a mais vasta fraternidade porque nela o mais fervoroso católico contemplará os mistérios insondáveis da crença medieval, e o pensador mais livre recordará o caráter subjetivo dessa mesma crença e a poética imaginação de nossos avós. Finalmente, foi mantida a ideia de representar a independência e concursos cívicos por um conjunto de estrelas”.

A ausência da Cruz da Ordem de Cristo é mais perfeitamente justificada não pelo seu sentido religioso, mas por representar o domínio colonial português. Do mesmo modo, a menção feita à esfera armilar não procede, visto que de modo algum a esfera celeste a faz lembrar. Tal abóbada celeste remete às primeiras esferas representativas da posição dos astros conhecidos no mundo oriental conforme atesta o modelo acima citado presente na Biblioteca Nacional da França a qual representa o céu do hemisfério norte com a estrela Ursa Maior presente na indicação da direção do polo. É precursora da invenção do instrumento que, aliás, foi inserido primeiramente na bandeira de D. Manuel I como símbolo do poderio marítimo e colonizador português. Sua memória não seria abonadora para um país que se tornava de fato então, independente do colonizador em pessoa e em sistema de governo. A esfera na bandeira representa o céu do hemisfério sul. As estrelas que nos orientam e nos situam.

Se a intenção era traduzir as novas aspirações da nação, o símbolo principal da colonização precisava ser retirado. E foi.

Tais explicações, “singelas”, em suas próprias palavras, ainda não soavam convincentes a todos. A presença e posição do Cruzeiro do Sul também criou opositores. Para apaziguar ânimos mais exaltados reclamando com a eliminação da Cruz da Ordem Militar de Cristo que vinha nos acompanhando de algum modo estampada em todas as bandeiras, a Constelação foi requisitada para supri-la evocando o descobrimento quando pela primeira vez Mestre João, astrônomo e físico mor de D. Manuel, juntando seu relatório à carta de Vaz de Caminha, quando da viagem de Cabral, menciona “la Crus del” como a formação estelar a indicar o rumo sul. Terra de Vera Cruz, Terra de Santa Cruz teria sido abençoada nas estrelas pelo Cruzeiro do Sul. Toda esta simbologia se aplica e carece de contestação, porém, a figura de esmalte vermelho da Cruz de Cristo também nos lembra da dominação posto que mais que para propagação da fé estava ela para reconhecimento de posse do território anexado à coroa portuguesa. Sua representação na bandeira do império é natural, na republicana não se aplica. Sua exclusão, entretanto, foi desastradamente explicada, como símbolo de divergência “por traduzir crenças que não são mais partilhadas por todos os cidadãos”. A constelação do Cruzeiro do Sul nos situa no hemisfério sul, com já foi dito, e pode ser tomada com justiça como representativa da fé cristã da maioria do povo brasileiro.

“(…) resta-nos fundamentar a maneira porque foi representada a esfera celeste. Para isso cumpre reconhecer em primeiro lugar que não se tratava de construir propriamente uma carta do Céu. Era preciso figurar um céu idealizado, isto é, compor uma imagem que em nossa mente evocasse o aspecto do nosso céu, bem como os sentimentos que a nossa evolução poética tem ligado a semelhante imagem. O relativismo estético e mesmo científico traça as regras a seguir em tal idealização.”

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disposição das estrelas representativas dos estados atuais

“Figurou-se a esfera inclinada sobre o horizonte segundo a latitude do Rio de Janeiro, e assinalou-se o polo sul pelo sigma do Oitante, que se tornou o símbolo natural do Município Neutro”.

Este tipo de projeção é naturalmente aceito. Tendo como referência a posição do Cruzeiro do Sul em culminação superior, manteve-se a relação das estrelas em suas posições na hora e data escolhidas: do céu do Rio de Janeiro às primeiras horas da manhã do dia 15 de novembro, data da proclamação da república. A esfera azul com as vinte e uma estrelas é representada como se a víssemos a partir do infinito e assim as constelações aparecem invertidas como vistas através de um espelho. Teixeira Mendes não cita porque decidiu-se por fazer a representação de tal modo.

Usa os termos “idealizado”, “relativismo poético” como justificativa, mas entra em detalhes quanto às escolhas das constelações com bastante fundamento científico. Mesmo sem a intenção de fazer uma carta astronômica, tudo acaba tendo sentido lógico.

A escolha de estrelas de diferentes grandezas para representar os estados e o distrito federal também foi bastante criticada. Ponderavam que todas deviam ser iguais como na bandeira do império ou na bandeira americana. Nisto também foi registrada a inovação e independência. Temos estados de superfícies e características diferentes irmanados harmonicamente numa federação como as estrelas dentro das constelações. Teixeira Mendes escorregou na explicação da extensão do nosso território ao colocar uma estrela Procion da Constelação do Pequeno Cão que não é austral “ para significar que a União Brasileira tem um estado que se estende ao Hemisfério Norte” referindo-se ao estado do Pará. Tínhamos já na ocasião parte do Amazonas na mesma situação. Hoje temos ainda Rondônia e Amapá. No fim, a estrela que representa o Pará é a Espiga da constelação de Virgem que é colocada acima da faixa. Nada disto parece ter importância, mesmo porque a faixa não representa o equador. Importante foi a escolha da estrela Sigma de Oitante para representar o município neutro, o Distrito Federal, porque é uma estrela que se encontra sempre presente no céu de todos os estados. Na bandeira é uma estrela bem pequena, embaixo de todas.

A meu ver, considerando o feito do ponto de vista que a distância de tempo decorrido pode nos dar, as objeções e discussões da época pouco ou nada versaram sobre a razão da escolha de se dispor as estrelas sobre a esfera representada na bandeira como se fossem vistas a partir do infinito, parecendo como se estivessem refletidas num espelho. Houve reclamações classificando como ridícula a disposição invertida, visto que do Rio de Janeiro ninguém via o céu daquela forma. Também a escolha desta ou daquela estrela para compor o conjunto, certas grandezas e posições foram contestadas à exaustão. A razão do ponto de vista chegou a ser atribuída ao uso de uma esfera armilar. Considerando o resultado obtido, nada disso parece ser realmente importante. A decisão de projetar um céu na bandeira, fosse idealizado ou livremente concebido é que constituía a inovação, o propósito. Em substituição ao antigo tínhamos a representação do presente (o céu na data da proclamação da república) e o futuro representado pela dimensão infinita da abóbada celeste.

Nunca saberemos se a intenção apenas esboçada nas palavras “sentimentos de nossa evolução poética” vai além do que se podia ver na época ou se foi por acaso que tiveram a felicidade de escolher a representação projetada na esfera, o observador fora da terra, em algum lugar do infinito a apontar as estrelas que povoariam nosso céu.

Como disse no início, os símbolos inscritos em nossa bandeira podem ser a qualquer momento de nossa história novamente interpretados, por sua abrangência e universalidade.

Podemos ver, deste modo, hoje, uma mensagem de grandeza, de independência do olhar colonizador acostumado a nos ver a partir de um ponto terrestre considerado superior, a partir do norte. Ao mesmo tempo, nos posiciona à vista das constelações austrais e nos dá o Cruzeiro do Sul como distinção e situação. A simbologia de tal representação estabelece além do rompimento com a situação anterior de subordinação a um sistema político herdado, o posicionamento do nosso país não em relação ao norte ou a qualquer canto da terra, mas em relação ao infinito, ao universo de cujo ponto de vista não existe nem em cima – mais importante, mais real, dominante, nem embaixo _ subalterno, inferior, dominado; uma situação de igualdade em importância uma vez que de fora, qualquer ponto da terra tem igual valor. Como se verifica no referido conceito Sulear. (Campos, 2019)

Sem abandonar o passado, mantendo-se as cores com que D. Pedro nos distinguiu, completava-se a independência que ele nos quis legar, banindo-se o vínculo da colonização.

Esta pode soar como uma interpretação moderna de um fato histórico do passado. Entretanto, não modifica o fato, trata-se apenas de um novo ponto de vista somente possível por ser despido do calor das discussões no evento da instalação do novo regime. Seguramente, o pensamento positivista, de origem francesa, não trazia ainda este sentimento de independência do pensamento europeu, mas como o próprio Teixeira Mendes mencionou, na evolução do sentimento…

O certo é que, previsto ou não, desejado plenamente ou pela metade, a esfera celeste colocada em nossa bandeira em tudo nos representa: como um país austral, de grande superfície, livre, de características únicas e distintas, de importância igual a qualquer outro diferentemente situado sobre a terra.
A discussão a respeito da faixa, se seria uma armila, enclítica ou o quê, não tem conclusão, os autores divergem. Raimundo Coimbra a trata como zona branca como no decreto nº4 e observa que o sentido oblíquo dá ao círculo azul a perspectiva de esfera. Parece-me o suficiente.

As palavras Ordem e Progresso nela inscritas são parte do lema positivista “O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por meta, representando as aspirações a uma sociedade “justa, fraterna e progressista”. Mereceram maior debate que as estrelas e o céu apesar da intenção óbvia de inserir o pensamento positivista no projeto oriundo daquela filosofia.

A inclusão da máxima, explica Teixeira Mendes, reflete o anseio do povo brasileiro pela “conciliação da Ordem com o Progresso” sem a qual não poderia existir a verdadeira fraternidade; na frase do fundador da Religião da Humanidade o progresso é o desenvolvimento da ordem como a ordem é a consolidação do progresso”.

Sobre este ponto, a origem da máxima teve maior repúdio que a própria, aceita e analisada por escritores e filósofos. Por ter sido imaginada pelo criador de uma religião não significa que seja expressão única de seu credo e precise ser descartada pelos que não pratiquem a mesma religião. O preconceito aí não prevaleceu.

Uma curiosidade: Além da nossa bandeira apenas duas mais têm estampado um dizer na língua pátria.

Quanto às cores da bandeira pouco ainda há a acrescentar. O verde-amarelo totalmente aceito a partir da bandeira imperial havia que permanecer como permanece até hoje como símbolo pátrio em qualquer representação. O azul celeste e a faixa branca nos irmana às outras nações sul americanas que representam nestas cores a devoção à Maria, feita nossa protetora desde tempos coloniais. Que o Cruzeiro supra a necessidade de nos representar como país cristão.

 

CONCLUSÃO

O prestígio dos positivistas no governo republicano durou poucos anos. Benjamin Constant faleceu em 1891. Com a morte de Miguel de Lemos em 1917, Teixeira Mendes assumiu a direção da Igreja da Humanidade, vindo a falecer dez anos depois. Em 1933 por ocasião da votação da nova constituição, vários projetos para substituição da bandeira foram apresentados e as críticas anteriores foram reforçadas. O Governo nomeou uma subcomissão para estudar a matéria. Mesmo assim, o modelo da bandeira foi mantido. A fala de João Mangabeira na sessão da Comissão de 27 de abril de 1933, publicada no Jornal do Commercio no dia seguinte, encerra a questão: “A Bandeira é o símbolo do povo, da tradição e traduz o sentimento brasileiro. Não importa que o lema seja sectário. Ele representa hoje a tradição da República. Fiquemos, pois, com a tradição”. (Apud Coimbra 3.5.15.4)

Passados 130 anos, ninguém mais discute a simbologia e o formato de nossa bandeira. Seu desenho permanece único, difícil sim de ser reproduzido corretamente de acordo com os ditames dos decretos oficiais que a regem, mas único e distinto, reconhecível em qualquer apresentação. (Fig. 23)

Nossa bandeira nos representa integralmente, em nossos anseios, em nosso espírito, em nossa localização, grandeza e crença. Como uma bandeira deve ser: SINAL, DESCRIÇÃO, COMUNICAÇÃO, EXORTAÇÃO.

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Figura 23 Desenho modular da Bandeira Nacional, segundo a Lei nº 8.421

 

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Figura 24 Estados da federação e suas estrelas correspondentes na bandeira. http://setasparaoinfinito.blogspot.com/

 

REFERÊNCIAS:

COIMBRA, Raimundo Olavo – A bandeira do Brasil: raízes histórico-culturais. 2ª ed. Rev. e Atual. Rio de Janeiro – IBGE, 1979

CAMPOS, Marcio D’Olne (Org.). Por que SULear? Marcas do Norte sobre o Sul, da escola à geopolítica, p. 10-35. In Dossiê Sulear, Revista Interdisciplinar Sulear, Unidade Acadêmica Ibirité UEMG, Ano 2, n.2 (Setembro/2019), Belo Horizonte, MG: EdUEMG, 2019, p 180. Disponível em <http://revista.uemg.br/index.php/Sulear/index>. Acesso em 4 out. 2019 http://revista.uemg.br/index.php/Sulear/index

Le Monde en Sphères – exposição da Biblioteca nacional da França – 16 de abril a 21 de julho de 2019. https://www.bnf.fr/fr/agenda/le-monde-en-spheres

SENA, Fabio – notícias do Brasil https://blogdofabiosena.com.br/v2/noticias/brasil/esquecidos-por-125-anos-desenhos-originais-da-bandeira-do-brasil-sao-encontrados-no-rio/

Site do Templo da Humanidade – Artigo: “135 anos de um tesouro em perigo”. Acervos. http://templodahumanidade.org.br/a-religiao-da-humanidade/a-igreja-positivista-do-brasil/

WIKIPÉDIA – Evolução da Bandeira do Brasil https://pt.wikipedia.org/wiki/Evolu%C3%A7%C3%A3o_da_bandeira_do_Brasil

WIKIPÉDIA – Evolução da Bandeira de Portugal https://pt.wikipedia.org/wiki/Evolu%C3%A7%C3%A3o_da_bandeira_de_Portugal

 

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