CASA BARÃO DE MAUÁ: CONSTRUINDO E DESCOBRINDO MEMÓRIAS

Norton Ribeiro, Associado Titular, Cadeira nº 9 – Patrono Mário Aloysio Cardoso de Miranda

 

O imóvel conhecido pelos petropolitanos como casa do Barão de Mauá, situado à Avenida Rio Branco n. 3, assim como várias residências da elite do século XIX, guarda muitas histórias, algumas muito conhecidas, outras nem tanto. Redescobrir os fatos ocorridos em outras épocas nas ruas, praças e imóveis da cidade contribui para compreender nossa própria história e resguardar o patrimônio material que compõe parte de nossa cultura e memória. Assim, Petrópolis aparece como uma das cidades brasileiras com grande patrimônio histórico relativo ao século XIX e início do XX, bem como um conjunto arquitetônico variado, compondo-se de muitos estilos diferentes. Sua preservação depende de uma série de fatores que envolvem tanto a sociedade quanto os poderes públicos e precisa ser encarada com seriedade, pois eles são capazes de nos revelar aspectos da cultura e do tempo, as relações sociais de outrora, questões políticas, a interatividade entre o homem e seu meio, enfim, diferentes questionamentos que dependerão das necessidades históricas.

A Casa Barão de Mauá preserva memórias de diferentes momentos de nossa história local e nacional. Atualmente ela funciona como a Casa da Educação, promovendo cursos e atividades extracurriculares para alunos da rede municipal.  O trabalho com projetos de educação patrimonial, pesquisas sobre o imóvel e a vida de seu idealizador Irineu Evangelista de Souza, Barão de Mauá (depois Visconde), me tem possibilitado verificar e revelar fatos interessantes sobre a Casa inaugurada em março de 1854. 

Um deles foi a localização no acervo do Museu Imperial da fotografia do dia inauguração da placa de bronze colocada na frente da Casa em 21.03.1928. O exame da imagem suscitou várias perguntas: De quem foi a ideia da homenagem? Por que de tanta pompa na homenagem ao Barão? Quem esteve presente na cerimônia? A ideia foi do vereador Alcindo Sodré em 1927, que obteve a autorização do prefeito Paula Buarque e certamente contou com a aquiescência do proprietário do imóvel, o biógrafo de Mauá, Alberto de Faria, grande entusiasta do Barão e suas realizações. A Tribuna de Petrópolis (22.03.1928) noticiou o fato exaltando a relevância das realizações de Mauá para o país e sua ligação com Petrópolis. O cronista Walter Bretz, sob o pseudônimo João de Petrópolis, procurou reforçar esta relação destacando a primeira estrada de ferro do Brasil e transcreveu o discurso do próprio Barão quando aqui esteve na inauguração da Estação Ferroviária do centro em 1883, completando a subida da serra, sendo esta, entretanto, uma realização da Cia. Príncipe do Grão Pará.

O artigo revelava a simpatia que a notícia criara na sociedade petropolitana, tratando Mauá como “compatriota”, “na cidade em que viveu durante longos anos e sob cujo céu exalou o último suspiro”. Do mesmo modo, parece que a partir desta inauguração seria fixada a memória de Mauá ao seu “palacete”, ocorrendo ali um momento de concretização de um lugar de memória coletiva para a sociedade petropolitana. 

A solenidade de inauguração da placa de bronze colocada na frente da Casa do Barão, junto à escada que dá acesso à sacada, ocorrida em 21.03.1928, foi bastante concorrida, contando com a presença do chefe da nação, o presidente Washington Luís e a sua esposa D. Sophia. Compareceram vários políticos, jornalistas e convidados como Antônio Joaquim de Paula Buarque, prefeito de Petrópolis; Antônio Azeredo, vice-presidente do Senado; Alfredo Rudge, presidente da Câmara Municipal; vereadores Alcindo Sodré e Álvaro Lopes de Castro; comendador Henrique Irineu de Souza, baronesa de Ibirá Mirim e Irene de Souza Ribeiro, filhos de Mauá; Arthur Barbosa, diretor da Tribuna de Petrópolis; ministros da Hungria e Espanha; Ramos Monteiro, ministro do Uruguai no Brasil. Destacando-se, entre eles, o proprietário da casa na época, o advogado, embaixador e biógrafo de Mauá, Alberto de Faria, grande entusiasta do Barão.

É interessante notar que uma cerimônia aparentemente simples acabou reunindo personagens que ainda indicavam uma determinada centralidade de Petrópolis em diversos fatos da história recente do Brasil. Por ter sido o melhor caminho entre a região mineradora e a capital devido ao deslocamento do eixo econômico para o sudeste, um local que se tornou a cidade escolhida pela Corte para sua vilegiatura de verão, uma região que atraiu o investimento de capitais e mão de obra de diversos pontos dando origem a um dos maiores polos industrial até meados do século XX, Petrópolis se destacou na primazia de ser o foco inicial da primeira ferrovia do país; da primeira estrada (União e Indústria) macadamizada para carros movidos a força animal; primeira rodovia para automóveis inaugurada pelo presidente Washington Luís no mesmo ano da homenagem a Mauá com a referida placa de bronze; e por aí vai…

A referência ao imóvel como a Casa do Barão ou Casa do Visconde, numa associação explícita entre Irineu, a Casa e Petrópolis, algo que se consubstanciou com a inauguração da placa que, como afirmou Alcindo Sodré em seu discurso naquele dia, para que Mauá “recuperasse de modo simbólico e eterno a posse deste edifício.”.

A partir das declarações de Alcindo Sodré, notamos que este pode ter sido um dos momentos no qual a narrativa em torno do imóvel gerou a patrimonialização de seu passado, criando a demanda para a sociedade perceber a Casa como fonte de lembranças e histórias de uma época idealizada. Assim, aqui a escrita da história assume uma outra forma para além de sua forma tradicional, evidenciando o patrimônio também como narrativa de tempos pretéritos.

Em tempos de revisionismos infundados sobre o passado e desqualificação da ciência histórica e da manutenção da memória, neste caso através do patrimônio histórico, cabe aqui resgatar um pouco dos fatos que ajudaram a construir nossa trajetória social, na tentativa de alertar para a importância de nosso acervo a outras gerações.

 

Referência:

NEVES, Flavio Menna Barreto. Traços de Koeler. Globalmidia, 2016, p. 17.