PESQUISA HISTÓRICA – III – ENCRUZILHADAS NO CAMINHO DA HISTÓRIA

Carlos e Jany Limongi, Associado Titular falecido e Associada Emérita

6. Encruzilhadas no caminho da história:

Nestas nossas caminhadas pelo campo da pesquisa, nos deparamos com obras valorosas de pessoas sérias que se preocupavam em reconstruir a História Fluminense. Para o presente título, muito nos valemos da obra do historiador João Fernandes, focalizando e mesmo transcrevendo artigos de sua autoria publicados no “Jornal de Petrópolis” de 25 de dezembro de 1933.

Toda a composição, que merecia ser republicada na íntegra, é um relato interessantíssimo sobre as múltiplas dependências de São José a outras localidades. Por isso, pondo luz sobre antigas dúvidas e erros de interpretação.

Todos sabem, mesmo porque nunca escondemos o fato de que somos pesquisadores empíricos. Isto é, não temos formação científica. Com esforço, nos submetemos a certos princípios básicos consubstanciados em autores de obras metodológicas.

Em função das nossas pesquisas locais, sempre julgamos estranho o relato encontrado em vários autores, afirmando que a Freguesia de São José teria, em 1857, sido anexada ao novo Município de Petrópolis. A dúvida surgiu porque, pesquisando os livros da Câmara de Paraíba do Sul, encontramos, no citado ano, vereador representante da Freguesia de São José atuando naquela Casa Legislativa. O que confirmava a continuidade da dependência de São José à Vila da Paraíba do Sul.

Acreditamos que o engano se deu porque, realmente, o segundo distrito da Freguesia foi anexado a Petrópolis pela Lei nº 961, de 29 de setembro de 1857. A propósito deste fato, seria melhor ouvir o próprio João Fernandes: (Trabalho publicado em 25-12-1933 no “Jornal de Petrópolis”).

“Em 1677, a Freguesia de N. S. da Piedade do Inhomirim compreendia o território semeado de vertentes da importante bacia da planície fluminense; mais tarde, transpondo o planalto, dilatou-se sertão adentro, até a margem do Parahybuna, abrangendo a Serra da Estrela e a longa margem aberta do Piabanha com todos os vales que lhe são atribuídos.

O respectivo distrito judiciário obedeceu até 1789 ao termo da cidade do Rio de Janeiro. Creando-se então o Município de Magé, passou o distrito de Inhomirim a pertencer-lhe, sofrendo, ao mesmo tempo, sensível restrição territorial, que atingiu igualmente à freguesia eclesiástica. Os limites de ambos passarão a confinar com os da Freguesia de Parahyba do Sul, que também se creara, constituída, entre outras, das antigas capelas filiais do Senhor de Matosinhos do Sardoal e de Sant’Anna de Cebolas, ereta em Curato.

Por fim, Inhomirim tornou a circunscrever-se à baixada, perdendo a capacidade que exercia em serra acima…”

Das “Memórias Históricas do Rio de Janeiro” de Monsenhor José de Souza Azevedo Pizarro de Araújo, obra impressa em 1820, livro 5, pág. 292, transcrevemos o seguinte trecho que nos fala da criação do Curato no distrito do Rio Preto: “Contendo a freguesia de N. S. da Piedade do Inhomirim numeroso povo em seu distrito sobre a serra, onde se acham diferentes fazendas bem estabelecidas, e essas cultivadas, cuja paroquiação era difícil do parocho, e igualmente sensível a sua falta aos paroquianos, que por não poderem recorrer à Matriz sem trabalho e muito incomodo, se valiam dos socorros espirituais administrados nas diversas capelas, das quais viviam mui distantes os novos colonos domiciliados no território do Rio Preto; foi necessário providenciar sobre esses inconvenientes em benefício de tantas almas, como providenciou o atual Ordinário em visita de 20 de setembro de 1813, a requerimento dos moradores da Serra do Sumidouro, desunindo o longo terreno paroquial sobre a serra, a que ajustou parte do de Magé para crear no distrito do Rio Preto um Curato.

Dele foi encarregado o padre Manoel Moreira de Souza Firmo, cujo sacerdote principiou a exercer as funções paroquiais em um oratório ali levantado, por não haver capela alguma no mesmo sítio.

E por serem as quatro subsistentes no termo acima da sobredita serra mui remotas, e situadas em logares não só menos aptos, porém apartadas do centro do Curato, foi este por imediata Resolução de 25 de Novembro de 1815 elevado á categoria de Parochia confirmada com o título de São José da Serra.

Voltando a João Fernandes transcrevemos dele mais um trecho: (…Em 1828, um decreto creava na Freguesia que passava a ter o nome de São José do Rio Preto, um distrito de Polícia e de Paz, sujeito ao Termo da Vila de Cantagalo.

A futura cidade de Petrópolis, bem como a área que formou o seu município na bacia do Piabanha, constituíam um simples Curato daquela freguesia e obedeciam administrativamente às autoridades de São José.

O decreto de 15 de janeiro de 1833 que deu à povoação de Parayba do Sul o predicamento de Vila, compreendeu São José do Rio Preto, com sua Parochia e sua administração policial e judiciária, como parte do novo município.

Quando ficou assentado, em 1843, entre a Mordomia da Casa Imperial e a Administração Fluminense, o aproveitamento das terras do Córrego Seco para a creação, não só da residência estival da família dynástica, como de um povoado que constituísse uma pequena côrte em villegiatura, e igualmente para o estabelecimento de núcleos de colonos europeus, estava ainda Petrópolis subordinado a São José, e portanto à Parahyba.

Não tardou porém a obter prerrogativas civis e religiosas…

Pelas Lei nº 397 de 2º de maio de 1846, um ano depois de chegados os colonos germânicos, desmembrava-se Petrópolis de Parahyba. O Curato de Petrópolis foi erecto em freguesia sob a invocação de São Pedro de Alcântara.

O arraial do Porto da Estrella, que pertencia ao Município de Iguassu, passou a categoria de villa, e o distrito policial de Petrópolis passou a representar um distrito municipal da nova Villa.

Submetidos à Câmara Municipal da Estrella, viveram treze anos a povoação e o distrito petropolitanos, até que em 1859 com a efetivação da Lei nº961, de 29 de setembro de 1857, que conferiu à Colônia de Petrópolis os foros de cidade, se constituíram municipalmente. O Município da Estrella, privado da soberania sobre a serra, entrou a definhar, ao ser extinto em 1892, foi seu território partilhado entre Iguassu e Magé.

Formou o Município de Petrópolis apenas o seu antigo distrito de Paz, que ao norte, não ultrapassava o morro do Pegado. A freguesia eclesiástica, confinante com a de Cebolas, terminava no Sumidouro, antes de Pedro do Rio. Não entrava na órbita administrativa de Petrópolis as propriedades agrícolas que correspondem hoje ao interior de Pedro do Rio, isto é, o trecho do Retiro das Pedras à margem do Fagundes, compreendendo justamente a região cafeeira; todo o vale do Secretário continuou pertencendo à Parahyba.

Não coube a Petrópolis, também, o território, que hoje, representa o seu grande distrito agrícola de São José, a fértil bacia do Rio Preto conservou-se dependente da administração de Parahyba.

Quisera Petrópolis, instalar a cidade, completar o seu quadro municipal, promovendo a anexação da Freguesia de São José; os moradores rio-pretanos teriam mesmo requerido, nesse sentido, ao Governo da Província.

Todavia quando, quinze anos depois, São José se desmembrou de Parahyba, não foi para se unir a Petrópolis.

O decreto nº 2.068, de 7 de dezembro de 1874 elevou o arraial de Sapucaia à categoria de villa, entrando na composição do novo município, entre outras, a freguesia de São José…

Quando incorporado à Sapucaia, o distrito de São José limitava-se também com o Município de Friburgo, pela estrada do Peão até a barra do córrego Mundo Novo, que deságua no Rio do Capim; transferido à Petrópolis, sofreu então amputações territoriais, perdendo o contato fronteiriço com Friburgo.”

Se não bastassem as esclarecedoras informações do historiador João Fernandes, poderíamos ainda invocar o excelente trabalho “Geopolítica dos Municípios” de Gerardo Brito Raposo da Câmara que nos conta com detalhes todo o andamento na Assembléia Provincial do Projeto N. 11 T. de autoria do ilustre deputado, Amaro Emílio da Veiga, defensor constante da elevação do povoado de Petrópolis à categoria de município. Trata-se de um relato histórico que merece ser lido com atenção para o bom entendimento das várias posições políticas da época, manifestando-se através de pareceres, emendas, muitas discussões, substitutivos e, finalmente, a redação final, apresentada pelo projeto N. 103 T. que se transformou na Lei N. 961, de 29 de setembro de 1857, promulgada pela assembléia Legislativa Provincial.

O art. 2. da referida Lei fala claramente que fica anexado ao novo município de Petrópolis apenas o segundo distrito da freguesia de São José do Rio Preto, e não a Freguesia toda, como indicam alguns autores, inclusive de livros didáticos.

Levantando o problema, julgamos que as entidades que são as guardiãs naturais da História de Petrópolis deveriam realizar estudos e se pronunciarem, de forma definitiva, sobre o assunto, evitando que tais dúvidas permanecessem e fossem levadas às classes escolares.

A História se desenrola de forma abrangente e, por isso, a verdade histórica interessa a muita gente de diferentes locais que viveram os mesmos fatos na mesma época.