De Petrópolis, o imperador desceu para deparar-se com uma traição.

A origem da palavra História vem de “histor”, vocábulo grego, que significa “o que se sabe porque se viu”. As fontes históricas entretanto evoluíram.

Elas não são só o resultado do que se viu, mas também do que se contou fidedignamente (tradição oral – importantíssima nos tempos antigos), do que se encontrou em matéria de documentos escritos e do que se observou em “documenta monumenta”, onde salientam-se como ciências auxiliares da História, a Arqueologia, a Antropologia, a Etnologia, a Museologia, a Paleografia, a Bibliografia, a Genealogia, a Numismática, a Heráldica, etc…

A História deixou de ser só “a narrativa literária de fatos passados”, mas, sem perder sua característica de arte, adquiriu também seu aspecto científico, onde se encontram causas e conseqüências do “fato histórico”, sob o aspecto religioso, sob o aspecto político, o econômico, o sociológico, o cultural, etc…

Entretanto, a narrativa fidedigna, literária do fato histórico, dela não se pode prescindir. É a partir dela, da narrativa do fato histórico, que tudo se faz. Às vezes ela até se explica sozinha, pois suas causas estão implícitas e óbvias.

Causas, interpretações, doutrinas, conseqüências, teses… do que? Do fato histórico. Conseqüentemente a narrativa “tout court” é essencial.

No caso presente, da Proclamação da República no Brasil, a narrativa dos acontecimentos do 15 de Novembro de 1889, ao nosso ver, são por si só, tão eloqüentes, que toda a historiografia passada republicana quase que se desvanece. Há aqueles que procuram concatenar manifestações rebeldes contra a Coroa Portuguesa no período colonial, com o surgimento de idéias alienígenas vindas especialmente dos iluministas e enciclopedistas franceses do século XVIII (inconfidentes), com a revolução de 1817, com a de 1824, com a Balaiada, com a Cabanagem, com a Sabinada, com as revoluções liberais, estas últimas na minoridade de D. Pedro II e finalmente com a pequena tropa que cercou o Palácio do Governo, comandada por Deodoro no 15 de Novembro (que não proclamou a República) ou com o verdadeiro ato de Instauração Republicana, motivado pelos ciúmes e ódios de Deodoro (decreto nº 01 da República). Estes fatos nada tiveram a ver uns com os outros. Não havia concatenação. Não existiu um movimento republicano lentamente elaborado no Brasil, que tivesse atingido o seu ponto de saturação no dia 15 de Novembro. Deodoro, provavelmente nunca ouvira falar de Beckman, nem mesmo corretamente da inconfidência mineira e se conhecia algo sobre as revoluções aludidas acima contra a Coroa, fosse a portuguesa ou a brasileira, conhecia-as como estudante de História Militar (revoltas sufocadas pelas forças das armas). Que tenha havido alguns poucos republicanos autênticos, que procuraram, ao fazer a História do Brasil, ligar estes acontecimentos, com um dinamismo próprio do ideário republicano na nossa pátria, uma verdadeira evolução da idéia republicana, certamente existiram tais idealistas, mas foram, na realidade, românticos que não desceram das nuvens à terra. “Os inconfidentes, por exemplo, tinham, pouco apoio popular. Nem, conheciam fatos passados que, emergissem no Brasil como idéias republicanas. Além disto havia vários inconfidentes que eram monarquistas, desejavam a independência de Minas Gerais na forma monárquica de governo. Mas… não havia Príncipes brasileiros. Assim, o que fazer?

Os revoltosos de 1817 em Pernambuco assim como os 1824 eram movidos muito mais por nacionalismo do que por republicanismo (os de 1824 consideravam D. Pedro I mais português do que brasileiro, o que é uma injustiça).

O certo é que nunca houve no Brasil um processo histórico nacional republicano, que se originasse ainda nos tempos coloniais, passasse pelo Reino Unido e atingisse o Império.

Não se pode negar, evidentemente, que a partir de 1870, com a fundação, em Itu, do Partido Republicano, o seu ideário não tenha sido negado, não tenha crescido, não tenha dado seus frutos. Entretanto esses frutos eram tão insignificantes, menores do que jabuticabas, que, como é sabido, os republicanos nunca conseguiram eleger mais de dois ou três deputados em cada legislatura, mesmo possuindo o partido, diretórios em todas as províncias e municípios brasileiros. Estamos defendendo o ponto de vista de que os acontecimentos do 15 de Novembro de 1889 foram mais importantes para o advento da República, do que tudo o que se tinha feito antes, simplesmente porque o que se tinha feito antes, pela República, foi nada ou quase nada. Pelo menos, da parte dos republicanos. Porque se algo foi feito pela República, antes do 15 de Novembro, seus autores foram os monarquistas e não os republicanos e portanto não houve ação, antes omissão e traição daqueles, que tinham como obrigação defender o Trono e não o fizeram, movidos por interesses econômicos feridos pela Lei Áurea – Estes Barões do Império foram muito mais culpados do que qualquer Benjamin Constant, Silva Jardim, Quintino Bocaiúva ou Aristides Lobo. Estes, chamados de republicanos históricos, perceberam que a guerra contra o Paraguai e o Abolicionismo, tinham gerado duas situações a eles favoráveis:
1) Os militares galardoados com títulos e comendas, durante o conflito platino, se sentiam importantes e conseqüentemente passaram a desejar participar na Política Imperial, o que contrariava a índole do Imperador e dos políticos que preferiam que cada classe “cumprisse o seu dever” e exercesse as suas funções precípuas: Os Militares, para a defesa da pátria, do Imperador, da ordem pública e da Constituição, a Lei Magna. O Monarca, os Gabinetes de Ministros (civis) e o Parlamento para governarem a Nação. Conseqüentemente os militares, como é óbvio, deviam obediência ao governo. Entretanto, não era isto que estava se verificando. Os militares não só se imiscuíam na Política, queriam dela participar e muitas das vezes, desobedeciam, abertamente, ao governo, não ao Imperador… mas ao governo, sim!
2) O abolicionsimo, cada vez mais defendido pela Família Imperial e de modo especial pela Princesa Isabel fazia nascer um mal estar entre a Coroa e a Aristocracia Rural, como já dissemos, por uma falta de sentimento cristão e de fidelidade ao Trono, daqueles senhores que só viam em seus escravos, fonte de lucros econômicos.

Em face a estas duas situações, qual seria a estratégia do punhado de “republicanos históricos”? Já tinham constatado pelos resultados das eleições parlamentares, a ineficácia do regime democrático para a vitória republicana. A República teria que ser imposta pela força. Naturalmente pela força militar, daí a adoção à doutrina positivista. Por isso os republicanos viviam a pôr lenha na fogueira dos atritos entre militares e governantes civis (gabinetes de Ministro), contando assim conseguir a adesão dos militares à causa republicana, como explicamos no item 1 acima. Sabedores da felonia de grande parte da aristocracia rural em relação ao Trono (explicada no item 2 acima), era só espicaçar o exército contra a Coroa, que esta não seria defendida pelos seus naturais defensores, a nobreza rural, já que o povo nada podia fazer. Por esta razão, os acontecimentos do dia 15 de Novembro de 1889 assumem uma dimensão especial no advento da República, pois a tal questão militar, como veremos, fracassara, e a questão escravocrata, se não fossem os acontecimentos do 15 de Novembro, acabaria se diluindo, pela acomodação da aristocracia rural, ao fato de não possuir mais escravos. A questão militar só conseguirá derrubar um Gabinete de Ministros e não a Monarquia, como passamos a ver: Havia, sem duvida, uma indisposição entre os militares (principalmente os do exército) e os governantes civis do Império. No dia 15, um grupo de republicanos procurou o Marechal Deodoro da Fonseca, em sua casa, onde acamado, se curava de diversas enfermidades dolorosas. Os republicanos pediram ao velho Marechal que se levantasse, se fardasse e montasse a cavalo, para comandar uma tropa, que cercasse o Palácio em que se reunia, na ocasião, o Gabinete de Ministros, presidido pelo Visconde de Ouro Preto, e o derrubasse do poder, pois, diziam eles, este governo estava ferindo seriamente o brio dos militares. Deodoro podia não ser republicano, mas era mais militar do que monarquista. Jamais se oporia ao Imperador, a quem devia muito, mas aos “casacas”, como ele chamava aos políticos civis, era uma outra coisa. Os militares encontravam-se ressentidos com atitudes autoritárias dos Gabinetes de Ministros? Urgia então fazer alguma coisa. Aceitou comandar a pequena tropa (os soldados por ele comandados e os poucos populares, que assistiram à pantomima, pensaram tratar-se de uma parada militar), cercou o Palácio, adentrou pessoalmente, teve um agressivo bate boca com o Presidente do Conselho de Ministros, o Visconde de Ouro Preto, considerou-o demitido e preso, pela força das armas. Ao descer pela escadaria do palácio e novamente montado a cavalo e reassumindo o comando, teve entretanto, um gesto, que bem esclarece que a chamada questão militar não derrubaria o Trono. À frente da tropa e obedecendo ao cerimonial militar de saudação ao Chefe de Estado, com o quepe erguido pela mão direita acima da cabeça deu um “viva ao Imperador”. A questão militar derrubara inconstitucionalmente o governo, mas não a Monarquia. O Visconde de Ouro Preto, mesmo preso, teve autorização de telegrafar ao Imperador, que se encontrava em Petrópolis, pedindo uma descida ao Rio, a fim de reorganizar o Governo Imperial Parlamentar, já que o Brasil não podia ficar acéfalo. Isto também nos esclarece que, da parte da maioria dos militares, que Deodoro bem representava, não havia a menor intenção de proclamar nenhuma República. Aliás dias antes o Marechal escrevera a um sobrinho, na Bahia, dizendo: “No Brasil, república é sinônimo de desgraça completa”. Portanto, contrariando os historiadores que armam uma rede conectada de idéias e de homens, desde Beckman, ao decreto nº 1 da República de 15 de Novembro de 1889, passando pelas conspirações mineiras e baiana do século XVIII, às revoltas de 1817 e 1824, à Cabanagem, à Balaiada, à revolução Sabina da Bahia, às revoltas liberais de Minas e São Paulo, à guerra dos Farrapos na minoridade de D. Pedro II, e finalmente a derrubada do gabinete Ouro Preto, se formos estudar cada uma dessas manifestações de revolta, observaremos que: 1) Cada uma delas se explica por causas próprias, contemporâneas; 2) Que portanto não estão interligadas por uma mesma linha de pensamento que aos poucos teria evoluído; 3) Na realidade, elas todas foram absolutamente insignificantes, quase merecedoras de não serem mencionadas na História, talvez com a única exceção da “Guerra dos Farrapos”, que além de sua longa duração, constitui uma verdadeira guerra internacional, do Império do Brasil contra potências do Prata, que já naquela época (bem antes das intervenções brasileiras contra Oribe, Rosas, Aguirre e Solano Lopes) pretendiam incorporar o Sul do Brasil a elas (velho sonho do Império Platino) uma vez que os Bentos Ribeiros, estavam, consciente ou inconscientemente traindo o Brasil ao servir aos interesses platinos. 4) Que elas só se destacam na História do Brasil pela vontade de historiadores republicanos, que foram descobrir no fundo do baú da História brasileira, estas quarteladas com as intenções cínicas de desejarem divorciar o brasileiro de uma de suas tradições mais orgânicas, naturais e autênticas que foi a Monarquia, tanto a portuguesa, quanto a brasileira.

Assim, voltando aos fatos históricos do dia 15 de Novembro de 1889, únicos que realmente foram importantes para a instauração da República, dizíamos que Ouro Preto, mesmo preso, solicitou a presença do Imperador, que, de Petrópolis desceu calmamente para jogar água fria na fervura militar. O Brasil não podia ficar sem governo, isto era o mais importante. D. Pedro II, seguindo as normas parlamentaristas, reuniu-se com os políticos do partido majoritário, com a intenção de constituir um novo Governo. O que viria a fazer com Deodoro que agira fora da lei, ficava para depois. No momento, o importante, era formar um Governo. Durante a reunião os deputados do Partido Majoritário sugeriram o nome de Gaspar da Silveira Martins. Este nome, entretanto, logo foi alijado, pois o político gaúcho viajara ao sul, para contatos com suas bases eleitorais. Por acaso, na sala de reuniões, provavelmente como oficial ajudante, encontrava-se o Major Sólon Ribeiro; este, autêntico republicano. Conhecedor que era de rusga seríssima que havia entre Deodoro e Silveira Martins, teve ele uma idéia, que, no seu parecer, o qual estava absolutamente correto, seria a mola propulsora da Proclamação da República.

Quando Deodoro exercera o Comando Militar do rio Grande do Sul, Silveira Martins ocupara a Presidência da Província. Tornaram-se inimigos acérrimos, não só do ponto de vista político, mas principalmente no âmbito doméstico. Embora ambos fossem casados, nas horas vagas dispunham dos favores de uma mesma dama viúva. E, tudo indica… ela dava preferência ao Silveira Martins.

Isto tudo rodopiou na cabeça do malévolo Major Sólon, que pedindo licença ao Imperador, retirou-se da sala e partiu a galope, com sua calúnia venenosa que definia-se em dois boatos maquiavélicos: 1) Que o Imperador nomeara Presidente do Conselho de Ministros ao Gaspar da Silveira Martins; 2) Que dera ordem de prisão ao Marechal Deodoro da Fonseca.

Em sua casa, o velho Marechal recusara-se a assinar, peremptoriamente, ao decreto de Proclamação da República que uma dezena de republicanos já tinha redigido. Estes, não se conformando da “questão militar” não ter resultado na queda da Monarquia, não largavam a sombra do Deodoro, não saiam de sua casa, como que esperando um milagre, que mudasse a situação. O que veio a acontecer, não foi o milagre esperado, mas sim, um artifício ardiloso daquele que é o rei da mentira, e que pontifica no fogo eterno, que usou como seu instrumento o boateiro Major Sólon Ribeiro. Quando ele chegou à casa de Deodoro e transmitiu ao velho homem alquebrando pelas doenças, a noticia caluniadora e falsa, o militar derrotado pela vida, enfureceu-se e julgando que o Imperador fazia aquilo diretamente para feri-lo, destemperou em um grito aos líderes republicanos: “Dêem-me este papel” e assinou-o. Estava proclamada a República no Brasil. Quando a notícia verdadeira chegou, ele só pode dizer: “Tarde demais”. Para ele foi “tarde demais”. Para os brasileiros foi o entardecer da pátria.