Com muita honra recebi do Prof. José De Cusatis, a difícil tarefa de exaltar a memória de Tiradentes, neste abril de 1997, quando se completa mais um aniversário de sua morte. Honra por ser Tiradentes o expoente maior do civismo no Brasil, mas difícil por estar diante dos ilustres membros do Instituto Histórico de Petrópolis, vários meus ex-professores nos bancos escolares, que ainda hoje, me orientam, com seus conselhos na Escola da Vida e pela presença de tão ilustres convidados. Todos, sem exceção, com mais capacidade e conhecimento que a minha humilde pessoa, o que me deixa com o coração repleto de preocupação e expectativa. Mas, apesar das minhas limitações, com a benção de Deus, tentarei não decepcionar, tantos que em mim confiam. Nem manchar a memória deste verdadeiro herói nacional: Tiradentes.

Todo período de transição é rico em acontecimentos que contribuem decisivamente para transformar a história da humanidade. E o momento em que dos escombros da velha ordem se ergue uma nova.

O Século XVIII foi um desses períodos. Um século de transição da velha ordem monárquica – absolutista, mercantilista e estamental – para a nova ordem liberal burguesa. Foi a “Era das Revoluções”, “O Século das Luzes”.

No aludido século ocorreram o incremento das idéias filosófico-liberais burguesas (Iluminismo), a Revolução Industrial, a Independência dos Estados Unidos e a Revolução Francesa, revoluções que dinamitaram os alicerces do Antigo Sistema Colonial, destruindo-o.

O Iluminismo, questionava o despotismo monárquico o os privilégios da nobreza e do clero e defendia os princípios da liberdade, igualdade e fraternidade.

Defensores do liberalismo econômico, questionavam o mercantilismo, o pacto colonial e o intervencionismo estatal na economia e defenderam a livre iniciativa, a divisão internacional do trabalho e o livre comércio internacional.

Em síntese, tanto os filósofos iluministas quanto os economistas liberais questionavam as bases do Antigo Sistema Colonial.

O Pensamento liberal povoava as mentes de idéias libertárias e emancipacionistas. As 13 Colônias inglesas da América do Norte, sob influência liberal, foram as pioneiras no processo emancipacionista do continente americano. A independência, declarada em 1776, foi o grande exemplo de que era possível libertar-se de uma metrópole européia. A influência dessa independência pioneira foi extremamente marcante no processo que se desencadeou em todo o continente.

Entretanto, o que de fato simbolizou o fim da velha ordem foi a Revolução Francesa de 1789. Essa importante revolução, ocorrida no centro propagador de idéias liberais, resultou não só na derrubada da monarquia despótica francesa, mas no fim dos privilégios da elite nobre e clerical e na instituição de uma monarquia liberal. Vitória da Burguesia. Esfacelava-se o Antigo Regime e conseqüentemente o Antigo Sistema Colonial, já que este era parte integrante daquele.

No século XVIII ocorreram grandes transformação no processo histórico brasileiro. A sociedade se urbanizou, aumentou o fluxo de renda interna e, entre outros acontecimentos importantes, surgiram as classes médias urbanas que, enriquecidas, mandarem seus filhos estudarem em universidades européias.

Estudar na Europa, na segunda metade daquele século, era entrar em contato direto com as idéias liberais dos filósofos e economistas europeus que contestavam o Antigo Regime. Os estudantes foram os principais responsáveis pela divulgação dessas idéias no Brasil.

Na segunda metade do século XVIII recrudesceu o arrocho fiscal e a opressão metropolitana sobre a colônia. Para assegurar e ampliar as vantagens mercantilistas do Estado e da burguesia lusitanos o marquês de Pombal criou companhias privilegiadas de comércio, possuidoras do monopólio sobre os produtos essenciais das regiões por elas dominadas. Conhecemos de sobra os mecanismos usados por aquelas companhias para subjugar os colonos: vender produtos importados pelo preço mais alto e comprar produtos dos colonos pelo preço mais baixo possível. A insatisfação contra elas era geral, e até a elite aristocrata tradicionalmente fiel à metrópole contestava os impostos e os privilégios abusivos das companhias.

O mesmo Pombal combateu rigorosamente o contrabando, instituiu diversos tipos de impostos, proibiu a exportação de ouro, determinou que a exploração do diamante fosse feita diretamente pela colônia e decretou a primeira derrama.

Toda essa violência despertava as classes médias para o choque de interesses entre colônia e metrópole e fazia germinar os conflitos em prol da emancipação política. O processo de independência estava em gestação.

Não bastando a opressão pombalina e as que a antecederam, a rainha portuguesa D. Maria I, a Louca, decretou o Alvará de 1785 que proibia todas e quaisquer manufaturas no Brasil, com exceção às de tecidos de algodão mais grosseiros para as vestimentas dos negros escravos e para o enfardamento de alguns produtos de exportação.

Esse alvará prejudicou sensivelmente a colônia como um todo e particularmente a população das Gerais, habituada a abastecer-se de tecidos , calçados, etc., das pequenas oficinas locais, que agora era obrigada a comprar por preços muito maiores os produtos importados da metrópole. Essa proibição atingia também a siderurgia.

Apesar da crescente decadência da produção aurífera, devido ao rápido esgotamento das jazidas e da exploração assistemática, a Coroa insiste em cobrar os tributos sobre o ouro.

Era natural, portanto, que o sentimento da independência pairasse por todo o Brasil, como uma aspiração legítima que se avigorava à medida que a colônia se desenvolvia. Mas esta aspiração devia ser mais vivaz em Minas, que se tornou, no decorrer do século XVIII, o centro mais intenso de atividade industrial e nacional. Foi o que aconteceu.

Formou-se entre juristas e literatos aquele primeiro esboço de conjura que não passaria, talvez, de confabulação platônica, de vagas aspirações de teoristas, se lhes tivesse faltado o concurso de um homem de ação, que se tornou a alma do movimento – Tiradentes. Foi ele realmente o centro, o eixo, o único homem da conspiração, único não só pela atividade de propagandista que desenvolveu, como que se portou perante os juizes, como pela inexcedível grandeza moral que revelou ao sofrer o infamante castigo que lhe foi imposto. Seu vulto lendário viveu sempre na imaginação popular e foi crescendo com o decorrer dos tempos.

Joaquim José da Silva Xavier, por alcunha o TIRADENTES, mártir da independência e patrono cívico da nação brasileira, nasceu em 12 de novembro de 1746, na fazenda Pombal, entre S. José (hoje Tiradentes) e S. João Del Rey, em Minas Gerais, e morreu executado a 21 de abril de 1792, no Rio de Janeiro. Era filho de Domingos da Silva Santos, português, homem de posses, e de D. Antônia da Encarnação Xavier, brasileira. Foi o quarto de 7 irmãos, dois dos quais, Domingos e Antônio, mais velhos que ele, se ordenaram padres; o mais moço, José, seguiu a carreira militar, chegando a Capitão de Milícias. Aos 9 anos ficou órfão de mãe e aos 11, de pai. Aprendeu as primeiras letras com o irmão mais velho. Mesmo sem ter feito estudos regulares, adquiriu razoável soma de conhecimento. Do padrinho recebeu noções práticas de odontologia e segundo um seu contemporâneo “tirava com efeito os dentes com a mais sutil ligeireza, e ornava a boca de novos dentes, feitos por ele mesmo, que pareciam naturais”. Alem da odontologia, interessou-se pela medicina e pela engenharia. Foi autor de um projeto pioneiro de abastecimento de água para o Rio de Janeiro, mediante a canalização dos rios Andaraí e Maracanã, e projetou construir, na mesma cidade, armazéns e um trapiche para embarque de gado.

Era sonhador e idealista. Eloqüente, facilmente se arrebatava ao discorrer sobre os seus planos de emancipação da terra natal. “Tiradentes, diz um historiador contemporâneo, transfigurava-se quando falava no povo oprimido, quando falava na pátria vilipendiada e violentada. Nesse momento a sua voz eloqüente assumia tons emocionantes, as suas faces acendiam-se, os seus olhos fulguravam, e lágrimas ardentes saltavam em punho, dos “olhos”. Silva Jardim assim o descreveu: “podia de um olhar apreender o valor e a extensão de uma idéia; era um coração bem formado, generoso, cheio de bondade… Sua ambição tinha os mais nobres fins; seu amor e veneração à pátria foi sem limites. Sua franqueza selvagem; sua imaginação por toda vileza, seu anseio pela idéia que o possuíra, eram tais que os vulgares apodavam-no louco, e os bem-nascidos estimavam-no herói”.

Com pouco mais de 30 anos, sentou praça no regimento de dragões das Minas Gerais. Do posto de Alferes, entretanto, não saiu Tiradentes que se queixava de haver sido preterido 4 vezes. Morreu solteiro. Mantinha ligação com uma viúva, moradora nos arredores de Vila Rica, da qual teve uma filha natural, de nome Joaquina.

A idéia de uma revolução libertadora, amadureceu no pensamento de Tiradentes à medida que tomava consciência da riqueza de sua terra, da exploração de que era vítima seu povo por parte da metrópole, do conhecimento direto que tinha da situação da colônia, da opressão de que via serem vítimas os seus concidadãos, das extorsões de que todos se queixavam; em suma pelos vexames a que estavam sujeitos os brasileiros, vexames que ele mesmo experimentara, não podia deixar de tomar corpo em seu cérebro a ânsia coletiva de emancipação política. A 2 de março de 1787, viajou para o Rio de Janeiro, a fim de tentar levar à prática os seus projetos de canalização de água e outros, dos quais esperava auferir recursos para tornar realidade os seus planos políticos. Começou a falar com ardor e sem cautela sobre seus planos, entretanto, os requerimentos sobre os seus projetos públicos não andam. Destes projetos, zombaram os letrados e os entendidos da época; entretanto, alguns deles, foram realizados no governo de D. João VI. Às vésperas de retornar a Minas Gerais conheceu José Álvares Maciel, recém-chegado da Europa, onde fora estudar, adepto das novas idéias políticas e interessado na emancipação do Brasil. Com esse encontro fortaleceu-se decisivamente a vocação política do alferes Joaquim José. Sua chegada a Vila Rica em setembro de 1788, marca o início da articulação do levante, que ele passou a anunciar abertamente. Começa a tomar corpo o movimento que passou à história com o nome de CONJURAÇÃO MINEIRA.

Costuma-se qualificar a Conjuração de “revolução de poetas e de sonhadores”, que, embebidos de profundo idealismo, sonhavam uma república ideal, uma república platônica e uma libertar bucólica: Libertas quae sera tamem.

É verdade. Os chefes da revolução eram poetas, idealistas, sonhadores, portanto, pouco temíveis. Como se explica então o fato de que contra esses sonhadores tão pouco temíveis acirra-se de forma verdadeiramente feroz a sanha dos juizes, por ordem da própria rainha? – Pode-se superar esta contradição estridente só lembrando as duas faces que o movimento mineiro apresentava: a face idealistas, personificada nos literatos, nos poetas, em Cláudio Manuel da Costa, Tomaz Gonzaga e outros; e a face realista, isto é, a voz do povo explorado, angariado, personificada em Tiradentes.

Finalmente uma feliz oportunidade se apresentava para os revolucionários. O Visconde de Barbacena, lançou a Derrama, isto é, a cobrança do imposto em atraso, que chegava a 539 arrobas de ouro. O povo não podia pagar tão alta soma, considerava-a uma extorsão. Era chegado o momento revolucionário. Após uma reunião ficou assentado o plano revolucionário, com início para o dia da Derrama, e distribuído o papel de cada um dos conjurados. A Tiradentes tocou a missão de partir para o Rio de Janeiro e conseguir a adesão da capital do movimento.

A esse tempo, porem um dos revolucionários, Joaquim Silvério dos Reis, traiu os companheiros, levando ao Visconde de Barbacena a denúncia do movimento planejado e o nome de todos os conjurados. A derrama foi suspensa, os conjurados presos e levados para a capital da colônia. No dia 10 de maio de 1789, Tiradentes foi preso, no Rio de Janeiro, numa casa em que se refugiria, na rua dos Latoeiros, atual Gonçalves Dias.

Começa o processo, onde mais uma vez refulge a altivez e a superioridade moral do Tiradentes. Os poetas, os homens de letras, os sonhadores, diante da dura realidade e do perigo que os ameaçava, acovardaram-se; choramingaram, consideravam-se perdidos. O único que se manteve na altura da posição em que se tinha espontaneamente colocado, foi Tiradentes. Foi submetido nos 3 longos anos de prisão a onze interrogatórios. Nos 3 primeiros negou, pois que admitindo, sem mais nem menos, a existência da Conjuração, Tiradentes acusaria não só a si mesmo, mas também a seus companheiros. Vendo porém, o procedimento acovardado dos demais conjurados, expôs francamente os seus ideais republicanos, a propaganda que fizera, a parte que tomara no conluio, mas sem incriminar ninguém. Pelo contrário, chamou sobre si só toda a responsabilidade da Conjuração. No dia 19 de abril, os Ministros da Alçada, vindos de Portugal para este julgamento, leram a sentença, onde 11 conjurados eram condenados à morte. Na madrugada do dia 21, a Alçada reformou sua sentença, por autorização de D. Maria I, através de uma carta régia datada de 15 de outubro de 1790, condenando à morte somente Tiradentes, como chefe ostensivo e reconhecido da projetada rebelião. Os que tiveram a sentença modificada, davam gritos de alegria, riam-se, abraçavam-se. Tiradentes, mais uma vez mostrou que era digno das bênçãos da posteridade e da glória que havia de circundar-lhe o nome. Do lugar em que se achava, acenava aos companheiros, dizendo que se sentia feliz por morrer sozinho, sem a mágoa de os arrastar consigo ao cadafalso. Disse, Tiradentes ao seu confessor “Dez vidas daria se as tivesse, para salvar as deles”. Pouco após o meio-dia, no Campo da Lampadosa, atual Praça Tiradentes, com altivez e dignidade, ele sobe à forca e, estóica e cristãmente, nela perde a vida. A seguir foi decapitado e esquartejado; a cabeça exibida em Vila Rica no alto de um poste e os 4 quartos pregados em postes pelos caminhos que ele percorrera.

E por que? Porque Tiradentes aspirou com enorme intensidade, aquilo que desejavam tantos patriotas clarividentes: uma pátria grande e livre. Uma pátria emancipada de todos os grilhões que a estivessem tolhendo, instruída, laboriosa, e, cuja liberdade somente fosse delimitada pelo direito. Uma pátria enfim que se governasse por si mesma, cujos filhos não fossem menosprezados pelo estrangeiro e que, ao percustrarem as vistas pelos campos sidéreos e pelo ondear ilimitado das serranias, pudessem exclamar, cheios de incontida ufania: minha terra.

Tiradentes, expuseram-te à irrisão do público; a realeza viu em ti, não o criminoso que vai pagar na forca os crimes que cometeu, mas o instrumento de vingança contra as aspirações de independência nacional, a vítima que devia pagar pelo povo brasileiro o crime de sonhar com a liberdade política. Que importa? A cada instante tornava-se mais difícil a Portugal impedir que as idéias liberais se propagassem pelo Brasil. E, em cada novo pensamento rebelde, em cada gesto de desobediência política, estava a sombra de um homem enforcado. Tiradentes mostrara o caminho. O seu sangue, como boa sementeira, germinou, propagou-se e produziu a Independência de Brasil.

Salve, Tiradentes !