Li com a atenção natural despertada pelo tema, a entrevista que Júlio Ambrósio concedeu ao eminente jornalista José Mariano D’Almeida e Silva, publicada na edição de 26 de novembro desta folha.

Quem conhece Júlio Ambrósio e sobretudo a obra que já produziu tendo por argumento esta urbe serrana, percebe que o autor da “Geografia Petropolitana”, tem tudo a ver com a cultura da cidade, seja do ponto de vista do conhecimento das raízes psicodemológicas deste rincão da Serra da Estrela, seja no concernente a realizações que possa levar a efeito, se eventualmente for guindado a um posto de vanguarda na área cultural da cidade.

Num romance chamado “No Sereno do Mundo”, único no gênero nestas paragens, Júlio Ambrósio vai aos intestinos da psiquê petropolitana, vasculhando os meandros da vida da sociedade urbana neste privilegiado pedaço da pátria fluminense.

Trabalho completamente diverso daquele escrito há quase um século por Afranio Peixoto – “A Esfinge”, que em sua primeira parte trata de uma Petrópolis frívola, periférica, adventícia, forânea, segundo o próprio jargão ambrosiano.

“No Sereno do Mundo” é em síntese a sociologia da servidão, elemento típico da paisagem urbana aqui da terra, mercê da topografia local e da concepção urbanística a partir dos quarteirões e dos prazos.

Há servidões em rampa e em escadaria, retas ou sinuosas, pavimentadas umas, piçarradas outras. Há servidões com nomes pomposos e outras sem batismo ou ostentando a denominação que o povo dá, sempre mais autêntica e pitoresca. Mas nenhuma delas deixa de cumprir o seu papel precípuo: o de facilitar o acesso a todas as subdivisões dos prazos originais.

Está aí uma peculiaridade da cultura local que ainda não foi suficientemente estudada, mas que não passou desapercebida à fina sensibilidade de Júlio Ambrósio, espírito vocacionado para a pesquisa de campo, naquilo que tange ao estudo e à compreensão da alma popular.

A “Geografia Petropolitana” é um ensaio de roupagens singelas, mas de suculento conteúdo. Engana-se aquele que subestimar a obra ao simples contemplar de seu aspecto.

É livro de sideração: corajoso, ágil, instigante. Tem lá seus exageros até mesmo alguns erros de avaliação, quiçá ensejadores de discussões e polêmicas válidas e saudáveis.

Mas, ainda que não tivesse outros méritos, um pelo menos valeria volume de quatrocentas páginas: é que Júlio Ambrósio sustenta, com imensa razão, que antes de ser germânico, o petropolitano é mineiro. O angú venceu o chucrute.

Ninguém antes de Ambrósio ousou tocar nesse assunto e muito menos aborda-lo com todos os condicionamentos científicos que o tema requer.

Enquanto muitos nesta urbe passaram a vida discutindo se D. Pedro II adentrava os jardins do Palácio pelo portão dos fundos ou pelo da frente, Júlio Ambrósio inveredou pelo caminho da investigação das verdadeiras marcas culturais petropolitanas, para com base nelas construir programas de incentivo à cultura local.

De nada adiantam elaborações divorciadas da maneira de sentir, de pensar e de agir de um povo. Trata-se da necessidade de se construir uma comunidade, um estado, um país, com lastro naquilo que verdadeiramente move as pessoas no seu meio social. Fora disso, haveremos sempre de cair naquela velha história: a lei não pegou. E não pegou porque foi feita ao arrepio das ações e reações da gente a qual ela haveria de vincular, produzindo seus devidos efeitos.

O direito é a sociologia aplicada e é ademais, segundo Edgar Sanches, o reflexo biológico do sentido mais profundo de liberdade.

Neste século de ódios que acabamos de viver, na desesperança de um paraíso que não virá, o consumismo barato tomou conta do mundo, inibindo muita vez a espontânea manifestação cultural de cada grupo humano, segundo sua formação étnica e suas práticas tradicionais.

É desse resgate que nos fala Júlio Ambrósio, na entrevista aludida, criando-se oportunidades para que o petropolitano autêntico e cioso de sua cultura, extroverta sem constrangimento toda a sua criatividade, todo o seu potencial herdado dos ancestrais.

Na verdade, as políticas públicas nessa direção, como bem exemplificou Júlio Ambrósio, não têm trazido qualquer benefício ao todo cultural da cidade, deixando de estimular as elaborações locais – atividades artesanais, manifestações da cultura espiritual – e não investindo em publicações voltadas para o levantamento e divulgação da chamada demopsicologia.

Tudo aqui segue sendo importado. E, o forâneo, que agora atende por mídia, é a grande referência. Miami está mais perto que Secretário.