“No inverno de 1864-1865, senti a saúde tão abalada que os médicos me aconselharam a abandonar todo trabalho e mudar de clima. Houve quem lembrasse uma viagem à Europa; mas o interesse que deveria sentir um naturalista em se achar de novo no meio do ativo movimento científico do Velho Mundo constituía justamente um obstáculo. Não era aí que eu deveria procurar repouso para o espírito.
Por outro lado, eu me sentia atraído pelo Brasil por um desejo de quase toda a minha vida. Aos vinte anos de idade, quando era eu apenas um estudante, Martius encarregou-me, por morte de Spix, da descrição dos peixes colecionados no Brasil por esses dois célebres viajantes. Desde então, veio-me repetidas vezes a idéia de ir estudar aquela fauna no seu próprio país; era um projeto sempre adiado, por falta de ocasião oportuna, mas nunca abandonado. Uma circunstância particular aumentava o atrativo da viagem. O imperador do Brasil, que se interessa profundamente por todos os empreendimentos científicos, havia testemunhado uma viva simpatia pela obra, a que eu me consagrara, da fundação de um grande museu zoológico nos Estados Unidos; cooperara mesmo para isso, enviando coleções feitas por ordem sua, especialmente para tal fim. Sabia, portanto, que poderia contar com a benevolência do soberano desse vasto Império em tudo o que dissesse respeito aos meus estudos.
Eram perspectivas bastante sedutoras. Mas, por isso mesmo, eu recuava diante da idéia de realizar uma simples visita de turista ao Brasil. Contando apenas com os meus recursos – que partido poderia tirar das mil e uma oportunidades que se me ofereceriam? – Bem pequeno, sem dúvida. Voltaria do Brasil cheio de recordações agradáveis, mas sem um único resultado científico de importância. Dominavam-me essas preocupações, quando por acaso, encontrei Nathaniel Thayer. Tendo escutado com vivo interesse a exposição dos meus planos de viagem, disse-me: “O Sr. não há de deixar de dar um cunho científico a esta excursão. Leve consigo seis auxiliares, gente moça, que eu me encarregarei das despesas com eles e com toda a expedição” (1).
(1) Prefácio do livro de Louis Agassiz, “Viagem ao Brasil (1865-1866)”.
Em 1865 chega ao Brasil a Expedição Thayer, chefiada pelo ictiólogo – (especialista em ictiologia – parte da zoologia que trata dos peixes) e geólogo Louis Agassiz. Esta expedição científica tinha como objetivo, não só descobrir e reunir as espécies de plantas e animais, mas, sobretudo, estudar as relações fundamentais que existem entre os seres.
O itinerário traçado pela expedição incluiu uma viagem do Rio de Janeiro a Juiz de Fora pela Estrada União e Indústria que, segundo Agassiz, é célebre tanto pela sua beleza como pela perfeita execução; fala com muito entusiasmo sobre a estrada e seu idealizador – Mariano Procópio. Comenta que este mesmo trajeto era feito anteriormente em “estreita trilha de burro, esburacada, perigosa, onde uma viagem de uma centena de milhas exigia uma caminhada de dois ou três dias. Agora, vai-se de Petrópolis a Juiz de Fora de carro… a cada intervalo de dez ou doze milhas, encontra-se uma muda de animais descansados em elegantes estações”.
O Vale da Posse era a 3a muda e lá Agassiz recolheu várias espécies de peixes dos rios e dos cursos d’água vizinhos, com ajuda de um possível morador a quem trata simplesmente por Sr. Taylor, naturalista que por vários meses fez parte ativa nos trabalhos da expedição, proporcionando preciosas coleções, bem como, fez para Agassiz admiráveis aquarelas de peixes e insetos do natural. Sendo assim, tudo nos leva a crer que este material recolhido na nossa região, Vale da Posse faz parte hoje do acervo da Expedição Thayer, conservado nos Estados Unidos, no Museu de Cambridge.
A Expedição Thayer é digna de nota, pois nos trouxe grandes subsídios de caráter histórico, geográfico e social, revelando aspectos pitorescos do Brasil e em particular do Vale da Posse, como podemos verificar através da descrição de Elizabeth Cary Agassiz (esposa de Agassiz que participou da expedição): “Até a Posse, terceiro posto, já tínhamos feito trinta milhas, e paramos para almoçar. Na verdade essas três horas de caminhada nos despertam o apetite. O hábito quase constante dos brasileiros em viagem é tomar, quando se levantam, uma xícara de café que lhes basta até às 10 ou 11 horas; então almoçam um pouco mais solidamente. Não sei o que pensarão os meus leitores; mas, de minha parte, nunca leio uma narração de viagem sem que me sinta desapontada quando, tendo acompanhado fielmente o viajante e partilhado de todas as suas fadigas, ele me deixa para saciar a sua fome, sem me convidar para os prazeres de sua mesa. Farei, portanto, como desejaria que me fizessem; transcreverei o nosso “menu” e aproveitarei para dizer uma palavra sobre os hábitos gastronômicos dos brasileiros. Serviram-nos para começar feijão preto preparado com carne seca (carne secada ao sol e salgada). É o prato fundamental em todas as refeições brasileiras. Não há casa por mais pobre que não tenha a sua feijoada; nem há por mais rica que exclua de sua mesa esse prato por excelência, pelo qual as pessoas de todas as classes manifestam um gosto igualmente pronunciado. Vieram em seguida batatas, arroz feito com água, ensopado de galinha, pratos estes quase todos característicos da cozinha brasileira tanto como feijão mesmo; em seguida ovos preparados de várias maneiras, carnes frias, vinho, café e pão. Os legumes são absolutamente raros, se bem que seja fácil obtê-los, neste clima, com grande variedade”.
Como esse registro de Agassiz, outros serão ainda nosso objeto de estudo e pesquisa, como é o caso das viagens de Spix e Martius, E. Pohl, Auguste Saint-Hilaire, John Códman, R. H. Klumb, Koseritz, John Mawe, Ribeyroles, etc., que são testemunhos valiosos para a história da nossa região, no século XIX.