O VERDADEIRO CONSOLIDADOR DA REPÚBLICA

Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima

A ala do “Ordem e Progresso”, a turma do golpe que derribou a Monarquia e instaurou a República entre nós, o grupo dos radicais seguidores de Benjamin Constant, a facção histérica e jacobina que secundava o sanguinário caudilhete Moreira César, os paranóicos que em cada atitude, movimento ou manifestação, enxergavam o espectro do então chamado sebastianismo, alçaram Floriano Peixoto aos cornos da lua, proclamando-o consolidador da República.

Nunca estive e sigo não estando de acordo com esse entendimento.

A Revolta de 6 de Setembro de 1893, dita da Armada, foi palanque e vitrine do “Marechal de Ferro” e a guerra no sul que fez o pano de fundo de quase todo o seu período governamental, não foi liquidada por ele. De resto Floriano foi um sargentão medíocre e mesquinho, sem qualquer visão de estadista, que a pena sublime de Lima Barreto caricaturou no “Triste Fim de Policarpo Quaresma”.

Quem realmente consolidou a República, foi Prudente José de Moares Barros, com sua capacidade de resistência, com seu estoicismo, com sua paciência, com sua vontade consciente de colimar objetivos condoreiros, com sua índole pacificadora, com sua compreensão, com sua coragem de arrostar qualquer dificuldade em benefício de sua pátria e de seu povo.

E não lhe faltaram obstáculos, crises, problemas aquém e alem fronteiras, traições e atentados. E como condimento necessário, uma tremenda luta entre facções políticas que provocou o racha no Partido Republicano Federal.

De um lado os florianistas inconformados a contarem com o apoio, no âmbito nacional, do Vice-Presidente Manoel Victorino Pereira e no fluminense, de Nilo Peçanha; de outro, os prudentistas, prestigiados pelos cafeicultores paulistas e no Estado do Rio de Janeiro, pelo líder José Thomaz da Porciúncula.

Foi a 15 de novembro de 1894 que Prudente de Moares tomou posse de seu cargo de Presidente dos Estados Unidos do Brasil. Ia cumprir o primeiro quatriênio regular da história republicana do país.

Mas o clima tenso que dominara o seu mandato, já se fazia sentir desde o primeiro momento, dado que o Marechal Floriano se negara a transmitir-lhe o cargo, abandonando precipitadamente o Palácio Itamarati, então sede da Presidência da República.

Sete meses depois, morria o Marechal, mas o seu cadáver, como ocorreria mais tarde com o de Getúlio Vargas, serviu de bandeira para os oportunistas e ressentidos de plantão, na busca desesperada pelo poder.

O fantasma de Floriano perturbou a difícil jornada de Prudente na condução dos destinos da Pátria.

As tribunas da Câmara e do Senado e as colunas dos jornais foram as trincheiras preferidas dos mesquinhos cáftens da desgraça pública, dos eternos partidários do quanto pior, melhor.

A oposição feroz obstruía, embaraçando os passos do governo e forçando cada vez mais o mergulho do país no caos.

O Presidente, porém, sobranceiro a tudo, com a sua “firmeza heróica”, na expressão feliz de um representante diplomático do Chile, resistiu, vencendo cada desafio, para escrever seu nome com letras de ouro na História brasileira.

Ao mesmo tempo em que recebeu o difícil e trabalhoso encargo de liquidar a guerra no sul, fazendo o rescaldo dos ressentimentos e das paixões, teve que enfrentar o rumoroso caso da invasão da Ilha da Trindade pelos ingleses.

Como a Revolta de 6 de setembro de 1893 e as diatribes nos estados sulinos haviam provocado danos e prejuízos, quer ao patrimônio de súditos de potências estrangeiras, quer às populações lindeiras da República Oriental do Uruguai, vieram as reclamações dos prejudicados, das quais avultaram, em número e em importância pecuniária, as dos italianos, que se resolveram num rumoroso protocolo, provocador de badernas e morticínios em vários estados brasileiros, com a eterna caixa de ressonância no Rio de Janeiro, então Capital da República.

Esse foi o indigesto cardápio do governo Prudente de Moares no ano de 1896, ano em que o Presidente, atormentado por séria enfermidade teve que licenciar-se para submeter-se a delicada cirurgia.

Era Vice-Presidente o baiano Manoel Victorino Pereira, que já havia sido banido do governo de seu Estado, no tempo de Deodoro.

Não era figura que se recomendasse e disso deu provas enquanto esteve no exercício da presidência.

Sem qualquer escrúpulo de ordem ética, conspirou o quanto pôde contra Prudente. Ligado aos florianistas, autorizou a intervenção federal no Estado do Rio de Janeiro, quando em fins de dezembro de 1896 deram-se as eleições para Senador por esta unidade da Federação, da qual saiu vitorioso José Thomaz da Porciúncula, fiel ao prudentismo. A crise ensejou a renúncia do Ministro da Justiça, Alberto de Seixas Martins Torres, homem de confiança de Prudente e figura de proa do Partido comandado por Porciúncula, o PRF.

Foi também de Manoel Victorino e de seus apaniguados a idéia de mandar o Coronel Moreira César para dar combate aos jagunços do Conselheiro, em Canudos.

Afirmam abalizados pesquisadores que se Moreira César triunfasse, ganharia enorme força e Victorino dificilmente cederia seu posto ao Presidente licenciado. Seria o fim de Prudente de Moares e o início de uma catástrofe institucional.

A morte do sanguinário Coronel na caatinga do nordeste baiano, foi a salvação da lavoura.

O desastre providencial não podia passar desapercebido àqueles eternos agitadores, que nos grandes centros, desconhecendo tudo sobre o Brasil do chapéu de couro, guarda-peito e gibão, metem-se a dar regras e a fazer conjecturas sobre um mundo fora de sua compreensão.

No Rio de Janeiro, ao som das trombetas desvairadas da imprensa panfletária, os que viam nos reiterados sucessos dos jagunços a vergonha maior da República, lançaram-se contra tudo e contra todos.

Foi nessa onda que sucumbiu o Coronel Gentil de Castro e que se deram inúmeros atentados contra pessoas e propriedades particulares.

No olho desse furacão, Prudente de Moares retomou as rédeas do poder, para jogar a cartada definitiva em Canudos.

E como se não fora bastante, ao mesmo tempo em que a guerra no sertão baiano polarizava todas as atenções do governo e do país, enfim, ainda havia o caso da Guiana Francesa a ser decidido, a preocupação dos meios diplomáticos com os rumores de uma anexação da República Oriental do Uruguai, pela Argentina, o que o Brasil não admitiria em hipótese alguma e o tratado de comércio com o Chile, emperrado no Congresso pela obstinada obstrução dos que se opunham a Prudente de Moraes.

Antes que o ano de 1897 terminasse, deu-se a derrocada de Canudos e no Rio de janeiro, iníqua e covarde conspiração quase deu cabo do Presidente. Morreu em seu lugar o Ministro da Guerra Machado Bittencourt.

Enquanto Francisco Glicério e Nilo Peçanha infernizavam a vida de Prudente na Câmara Federal, no Senado, Ruy Barbosa passaria a hostilizar o Presidente, quando fora preterido na corrida sucessória que apontou o nome de Campos Sales.

E como desgraça pouca sempre foi bobagem, além das sucessivas crises políticas, diplomáticas e institucionais, viveu o Brasil verdadeiro inferno astral no campo econômico-financeiro com a acentuada baixa do café no mercado internacional.

Enfim não houve um desafio que não tivesse recebido por parte do Chefe do Governo uma resposta à altura.

E quando no dia 16 de novembro de 1898 ele deixou o modesto hotel na Glória para tomar o trem para São Paulo, seus colaboradores e o próprio povo fizeram-lhe retumbante homenagem, conduzindo-o em triunfo à estação da Central do Brasil.

Prudente de Moares, um perfeito estadista, voltava ao seu torrão de origem com a consciência do dever cumprido.

Deixou o Brasil pacificado e a casa arrumada, para que Campos Sales fizesse os dolorosos mas necessários ajustes econômicos, preparando o terreno para o dadivoso quatriênio Rodrigues Alves.

Dentre os que nunca faltaram com o seu apoio a Prudente, destaca-se a figura de José Thomaz da Porciúncula, que, já fora do governo fluminense, prestou relevantes serviços ao Brasil, como Ministro Plenipotenciário no Uruguai, onde foi apagar os incêndios causados pela revolução riograndense, como Senador, como chefe do Partido Republicano Fluminense, como fiel de balança nas mais intrincadas questões nacionais.

Bem significativo o trecho abaixo transcrito, colhido na circular do PRF na oportunidade da eleição do Presidente do Estado para o triênio 1898/1900, publicada na Gazeta de Petrópolis de 26 de junho de 1897. Ali estava o pensamento vivo de Porciúncula:

“Por tão superiores motivos e tão altos interesses, dada a cisão no Partido Republicano Federal, que se dividiu em dois lados – um que rompeu em despejada oposição ao snr. Presidente da República, outro que entendeu dever apoiar o benemérito Magistrado – o Partido Republicano Fluminense, por seus representantes nas duas Casas do Congresso tomou posição no segundo grupo”. “Aliás, a nossa atitude estava de antemão determinada pelos nossos princípios e pelos nossos precedentes; somos pela legalidade contra a violência, seja que esta propenda para a ditadura, como no golpe de estado de 3 de novembro, seja que se encaminhe para a anarquia, como na revolta de 6 de setembro; somos pelo direito contra o arbítrio; somos pelos cidadãos de boa vontade, honestos na sua fé republicana, modestos no seu merecimento real, contra os proselitismos proscritores, as adesões interesseiras, as indicações espetaculosas; somos pela ordem contra a arruaça; somos pela autoridade constituída da nação, enquanto cumpre a lei, quer se chame Floriano Peixoto, quer se chame Prudente de Moares, contra os ambiciosos de mando, apareçam estes armados de canhões, ou armados de sofismas, falem a linguagem do crime, ou a linguagem do vício, revistam a figura de declarados revoltosos, ou a figura de conspiradores hipócritas”.

Com essa fé de ofício, o PRF e seu timoneiro só podiam estar do lado de Prudente de Moares, empenhados na luta da reconstrução nacional e da consolidação da República, como autêntica expressão democrática.