O CARÁTER PETROPOLITANO

Gabriel Kopke Fróes, Fundador, Patrono da Cadeira n.º 18

1 – Introdução

Quem, como nós, por dever de ofício, se vir obrigado, algum dia, a compulsar os velhos jornais petropolitanos, certamente se surpreenderá com muita coisa curiosa e pitoresca que irá encontrar à margem da procurada.

Foi o que aconteceu conosco, há algum tempo, quando, à cata de datas para “Efemérides Petropolitanas”, percorremos, página por página, todos os jornais de cêrca de cem anos da Biblioteca Municipal. Animados com a parceria que nos propuzera Alcindo Sodré, querido e sempre lembrado amigo, para continuação da obra por êle iniciada, não conseguimos fugir, então, ao diletantismo de relacionar fatos e coisas que nos despertaram a atenção, ainda que sem interêsse direto para “Efemérides Petropolitanas”.

Anotámos, assim, acontecimentos que, embora, como já foi dito, de relativo interêsse histórico, são, contudo, realmente curiosos, uns pela comicidade, outros pelo pitoresco e outros ainda pelo imprevisto ou violência que encerram.

Pois é de tais acontecimentos, uns já conhecidos dos estudiosos da nossa história, mas outros, ao que pensamos, inéditos, que vamos tratar.

Reunindo-os e divulgando-os, é nossa intenção facilitar, através dêles, a análise do feitio moral do povo petropolitano.

Mas, poderão servir também como contribuição ao folclore petropolitano que é pobre e desconhecido.

O petropolitano é tido, geralmente, por povo frio e triste, o que, na verdade, aparenta ser.

Mas, estranhamente, êsse mesmo povo tem repentes que, não raro, o hão levado a extremos não verificados alhures.

Décio Cesário Alvim, o saudoso cantor das coisas da cidade, em imagem feliz, comparou o povo de Petrópolis, nos seus arrebatamentos, ao rio Piabanha que, de hábito, tão pequenino e humilde, se transforma, quando irado, em avalanche que nada respeita e tudo destrói. E deu-nos, então, êstes magníficos versos:

A “ENCHENTE”

Deslisa o Piabanha em calmo leito,
Seguindo seu destino para mar …
Contorna aqui, ali segue direito,
Sua eterna canção a descantar …

Da verdura da serra, rasga o peito,
Para a sêde das matas aplacar …
E as matas são, a um tempo, causa e efeito
Dessas águas que correm sem cessar! …

Mas, de súbito, as águas se revoltam,
As barrancas mergulham e a cidade
Tôda pujança do seu rio sente …

Cedem barreiras e comportas soltam …
É o Piabanha indômito que invade,
É a força incontrastável de uma “enchente”

Petrópolis, 31 de dezembro de 1934.

2 – Humor

Já houve, nesta mui imperial cidade, um cavalheiro de nível intelectual inferior que, guindado por artes de berliques e berloques à curul prefeitural, nela não conseguiu manter-se devido à onda de ridículo que, sôbre êle, fez recair o povo.

E até hoje, passados cêrca de quarenta anos, é ainda lembrada a história do Prefeito que quis construir no morro do Cruzeiro um guarda-chuva monstro para proteger o centro urbano durante a temporada das chuvas e, no Alto da Serra, uma grande muralha para vedar a entrada do ruço na cidade …

Daquele outro Prefeito, muito simpático e muito “kar”, que só no verão ficava em Petrópolis, vingou-se o povo também com largo anedotário, cuja insistência acabou por solapar-lhe o prestígio, afastando-o do cargo.

Recorda-se, entre o que, então, era contado, o caso da consulta que o referido Prefeito foi fazer a um médico do Rio de Janeiro, recebendo a recomendação de passar alguns dias em Petrópolis, como o melhor remédio para sua cura …

Ainda recentemente, a propósito das obras que desfiguraram a antiga rua do Imperador e, principalmente, com relação ao obelisco plantado no meio da tradicional Bacia, as anedotas – umas mordazes e outras irreverentes, mas quase tôdas espirituosas – pulularam por aí fóra, mostrando, iniludìvelmente, o sentir do povo.

Pela amostra, forçoso e convir, portanto, que o petropolitano pode ser triste, mas não muito …

3 – Advertência

No entretanto, ninguém se fie no bom humor, nem na mansidão do nosso povo – é nosso o conselho.

A história petropolitana – pasmai – registra a seguinte série de movimentos populares caracterizados, por violência inominável: três linchamentos, duas revoltas contra o poder constituido, um assalto à Câmara Municipal, três quebra-quebras e a expulsão, à fôrça de um estrangeiro indesejável.

Linchamentos

O linchamento, o método bárbaro de justiçar ou executar sumàriamente, foi praticado por petropolitanos nos anos de 1897, 1917 e 1920.

Em todos os casos, a multidão, repentinamente enfurecida transpôs com violência todos os óbices, inclusive a autoridade policial, para abater de maneira feroz, em pleno logradouro público, indigitados criminosos.

Custa crer, até, a quem conhece o nosso povo, ter sido aqui mesmo, nestas bucólicas plagas, que foram cometidas tais atrocidades.

Mas, a realidade é a que se verá.

Foi em Pedro do Rio, a 2 de fevereiro de 1897, que fuão Parreiras, armado de garrucha, assassinou bàrbaramente Euzébio Borges, criatura laboriosa muitíssimo estimada na localidade.

O homicídio causou tamanha indignação aos pedrorrienses que, para evitar novas violências, a polícia cuidou logo de adotar medidas especiais de proteção ao criminoso, inclusive fazendo seguir para o 4º distrito, no dia imediato pela manhã, um refôrço militar.

À tarde do dia 3 de fevereiro, no entretanto, a população de Pedro do Rio, grandemente exaltada, começou a reunir-se no centro da vila e, às tantas mais de duzentos homens, após haverem dominado a fôrça policial, assaltaram a cadeia local, dela retirando o assassino.

Parreiras foi levado, então para a praça pública e ali, impiedosamente, trucidado pela multidão.

Quando, horas mais tarde, a polícia de Petrópolis, avisada por telegrama, lá chegou em trem especial, de fuão Parreira, só havia o corpo inanimado e horrìvelmente mutilado estendido no logradouro público.

Na tarde de 11 de novembro de 1917, o viajante comercial Antenor Franco dos Santos, ao chegar de trem à estação de Águas Claras, no 5º distrito, foi alvejado a tiros de revólver, ainda dentro do vagão, por questões de família, pelo médico Alfeu Meirelles, morrendo quase instantaneamente.

Praticado o crime, o dr. Alfeu Meireles foi homiziar-se no armazem de José Bento Piai Garcia, situado nas proximidades da estação.

Horas após, quando o criminoso, ainda no interior do estabelecimento comercial, já se achava, no entanto, sob a guarda da autoridade policial, lá apareceu numeroso grupo de populares com um parente do morto à frente, exigindo a entrega do dr. Alfeu Meireles.

E ante a negativa, arrombaram os populares o prédio, retirando à força o médico-assassino que, levado para o logradouro público, passou a ser surrado a pau.

O dr. Alfeu Meireles, com o crânio horrìvelmente fraturado, dentro em pouco, morria em plena estrada.

Ai por volta de 1920, o pardavasco José Lemos, morador da Presidência, era o terror dos quarteirões da cidade. Lugar onde êle aparecesse, era desordem na certa.

Havia dois anos, porém, que Lemos não era visto na Rhenania, onde recebera, certa vez em uma de suas visitas, uma surra de mestre aplicada por populares da localidade.

A 14 de abril do referido ano, no entanto, reapareceu o terrível desordeiro no laborioso quarteirão e, bebericando de bar em bar, começou a provocar todos que ia encontrando pelo caminho. Como ninguém lhe desse atenção, resolveu entrar na barbearia de João Paulo Rossi, ao qual declarou ser, êle Rossi, a pessoa com quem queria brigar naquele dia. O barbeiro, surpreendido, bem que tentou evitar a briga, mas Lemos, contra êle, logo se atirou violentamente. Travou-se, então, desesperada luta corporal dentro do acanhado estabelecimento, até que o dono da casa, conseguindo desvencilhar-se, por momento, dos possantes braços do desordeiro, disparou contra êle um tiro de revólver para feri-lo apenas superficialmente.

Com o estampido, no entanto, foi grande o número de populares que acorreram à barbearia, no interior da qual permanecia acuado o fascinora. Êste, porém, deveras audaz, resolveu, em dado momento, sair à rua, enfrentando a multidão. Foi a sua última façanha, porque os populares logo o abateram.

O exame cadavérico revelaria que Lemos morreu de fratura do crânio proveniente das pauladas sem conta que recebera; mas fôra alvo, também, de vários tiros, facadas e até queimaduras.

Apenas …

O Motim dos Colonos

Em meado do mês de março de 1856, chegara ao auge a exaltação dos colonos alemães católicos da povoação de Petrópolis.

Sem embargo de se tratar de homem probo que, havia cêrca de dois anos, realizava excelente administração, o Tenente Coronel Alexandre Manuel Albino de Carvalho, diretor da colônia, se indispusera com o padre dr. Teodoro Wiedmann, capelão católico. Êste, em revide, passara a açular os colonos contra aquela autoridade.

O desentendimento entre o Coronel Albino e o padre Wiedmann durava desde cêrca de dois anos atrás, quando o segundo, nomeado pelo primeiro para a função de cura dos colonos católicos, se negara a prestar o juramento regulamentar de bem servir, alegando não ser empregado da colônia e sim da província com categoria igual à do diretor.

Depois, foi o convite do diretor da colônia para que o padre Wiedmann devolvesse o título de nomeação para cura, visto que tal função fôra trocada pela de capelão de colonos, que agravara a situação.

E, finalmente, foi a intimação do vigário José Antônio de Melo, em visível entendimento com o diretor da colônia, para que o teimoso padre Wiedmann suspendesse diversas práticas contrárias às normas da paróquia, que fizera explodir a indignação do capelão.

Entre o que, com mais insistência, fôra recomendado ao padre Wiedmann, estava a suspensão da coleta que vinha êle realizando no fim das missas.

O sacerdote alemão, entretanto, fizera ouvidos moucos às recomendações recebidas e continuava a agir como muito bem entendia, prosseguindo, inclusive, na realização da coleta proibida.

A êsse tempo, diga-se de passagem, os colonos, não só estavam solidários com o seu capelão, como não escondiam mais a indignação de que se achavam possuídos contra o diretor da colônia, manifestada, aliás, pública e pessoalmente, ao próprio diretor, ao vigário, ao bispo, ao presidente da província e ao Imperador.

Foi a 26 de março do já referido ano de 1856, um domingo, que o Cel. Albino, fazendo valer sua autoridade, compareceu à igreja que se achava superlotada acompanhado de dois policiais e suspendeu a coleta que os colonos João Dupré e João Loos haviam iniciado. Como o primeiro se houvesse insurgido contra a medida, o diretor, ato-contínuo, mandou detê-lo.

A multidão, no entanto, saindo da igreja que era a matriz provisória da rua da Imperatriz, permaneceu, de início, estupefata em frente ao templo para logo se enfurecer e investir contra os policiais, desarmando-os e libertando Dupré. A seguir, tocou a vez ao Cel. Albino de ajustar contas com os colonos. Encurralado em um canto, foi êle insultado e ameaçado pelos homens, sendo-lhe respeitada, contudo, a integridade física.

Mas as mulheres, as nossas doces e suaves antepassadas de 1856, não se conformaram com a “moleza” de seus pais, irmãos e maridos, e investiram, imediatamente, contra o diretor da colônia, empurrando-o, rasgando-lhe as roupas e dando-lhe beliscões. E teria sido jogado dentro do rio, não fôra a providencial intervenção de João Meyer e alguns outros poucos colonos que, a muito custo, conseguiram salvá-lo e abrigando-o na sacristia.

Pobre cel. Albino! Tanta energia e valentia para acabar apanhando de mulher …

Mas o exemplo de vigor e decisão da mulher petropolitana de 1856 passou à história. Que o aproveite a atual geração: há por aí tanta coisa que os homens não têm querido ou podido realizar …

À noite, após a borrasca matutina, resolveu, então, o Coronel Albino tomar enérgicas providências contra a insubordinação dos colonos. Inicialmente, determinou que cinco policiais fôssem à Mosela prender, de novo, João Dupré, mas a casa dêste fôra, precavidamente, guardada pelos colonos do quarteirão, de maneira que as autoridades voltaram de mãos abanando. Reforçado o contingente policial, dirigiu-se êle ao local, mas aí nem logrou penetrar no quarteirão, que, como os demais, estava sob severa vigilância dos colonos.

Em face da atitude dos alemães, o Cel. Albino mandou mobilizar tôdas as fôrças disponíveis para a reação. Convocou, inicialmente, a fôrça imperial estacionada em Petrópolis; solicitou, a seguir, a remessa da fôrça militar do moinho de pólvora; pediu, também, a vinda da Guarda Nacional da Estrêla; armou, ainda, os paisanos não alemães da própria localidade; e chamou por fim, os escravos das fazendas vizinhas.

No dia seguinte, assim preparado, ordenou o diretor da colônia que fôssem efetuadas, entre outras, as prisões dos dez censores da igreja.

Sabedores de tais resoluções, os alemães de todos os quarteirões acorreram ao centro da colônia, dispostos a tudo. Ao meio-dia, Petrópolis estava repleta, mantendo-se calmos, porém, os colonos. Uma comissão é constituída para solicitar ao diretor o relaxamento das ordens de prisão, pedido que é, peremptòriamente, negado.

Às 2 horas da tarde, quando ainda era de calma a situação, a prisão do colono Wagner, determinada pelo diretor, foi o estopim que fez explodir a indignação popular. Não se registraram mortes, mas que o sangue correu, correu. E houve muita prisão. Sòmente às 6 horas os colonos concordaram em retornar aos quarteirões, atendendo aos apêlos, inclusive do padre Wiedmann, que lhes eram feitos. Voltou, então, a calma ao centro da povoação.

Por força de tais acontecimentos, achavam-se em Petrópolis, a 28 de março de 1856, além do Imperador, o presidente da Província, Luiz Antonio Barbosa, e o chefe de polícia José Ricardo Sá Rego. O Imperador ordenou a libertação dos colonos presos, enquanto que o presidente da Província determinava a abertura de inquérito para apuração das responsabilidades.

Entrementes, fôra aceito o pedido de demissão do Cel. Albino e o bispo mandara que o padre Wiedmann se afastasse de Petrópolis, o que acabou por desanuviar o ambiente.

O novo diretor da colônia, dr. José Maria Jacinto Rebelo, distinta personalidade da Côrte, não teve, assim, grande dificuldade para normalizar a vida da população.

Os acontecimentos de 26 e 27 de março de 1856, conhecidos por “Motim dos Colonos”, passaram, no entanto, à história, reveladores que foram êles do espírito forte e da determinação de alguns dos nossos antepassados.

Quanto ao Cel. Alexandre Manuel Albino de Carvalho, cidadão digno e excelente administrador, nada mais registra a história local, após sua saida da nossa cidade. Mas, do padre dr. Theodoro Wiedmann, houve o livro “A Colônia Alemã em Petrópolis”, editado pelo antigo capelão dos colonos alemães católicos, pelo qual extravasou êle toda sua bilis contra o Brasil.

Assalto á Camara Municipal

A 18 de fevereiro de 1903, realizaram-se em nossa cidade as eleições para vice-presidente da República, senadores e deputados federais.

Desde o ano anterior, tinha sido declarada Niterói capital do Estado, e, muito embora aqui permanecesse o presidente Quintino Bocaiuva, a Assembléia e diversas outras repartições já tinham sido transferidas.

Petrópolis, pràticamente, não tomara conhecimento da mudança da capital, mas jamais perdoaria a atitude de certos inimigos gratuitos, a começar pelo presidente do Estado.

Tensas eram as relações entre Estado e Município, por ocasião das referidas eleições, quando a situação ainda mais se agravou com a derrota que o eleitorado petropolitano impôs aos candidatos da preferência de Quintino Bocaiuva.

A ordem pública não fora perturbada durante as eleições, mas as manifestações hostis aos políticos municipais situacionistas, feitas, durante o dia, em diversos bairros, por elementos ligados ao govêrno estadual, deixavam prever que, a qualquer momento, alguma coisa muito grave poderia ocorrer.

E foi, de fato, o que aconteceu. Estava em via de conclusão o processo eleitoral da secção instalada no Paço Municipal, quando, na praça fronteira, apareceram, ameaçadoramente, numerosos populares armados. Os que ali se encontravam, entre êles alguns eleitores, instintivamente, fecharam as portas do prédio.

Os populares, porém, se irritaram e iniciaram o assalto ao Paço Municipal. Arrombadas as portas, penetraram na portaria da edilidade e maltrataram o velho porteiro, que teve um dos braços fraturado; na sala contígua, mataram, a pauladas, o empregado Joaquim Tavares; e, noutros locais, espancaram a valer mais quatro infelizes que não haviam logrado fugir.

Depois, galgando a escadaria interna, arrancaram a artística balaustrada que a circundava, quebrando-a e atirando-a para longe. Penetrando no imponente salão nobre, reduziram a estilhas a bela mobilia e destruiram inteiramente espêlhos, vidraças, reposteiros e quadros, não escapando nem os retratos de Rodolfo Bernardelli e Floriano Peixoto.

Nas demais salas, continuou a destruição, sendo sacrificados espêlhos, móveis, relógios, instrumentos, livros e documentos.

Os prejuizos causados ao Paço Municipal, o edifício-orgulho da cidade, foram consideráveis, elevando-se, segundo cálculo oficial, a cêrca de cem contos de réis.

O dr. Hermogênio Silva, presidente da Câmara Municipal, por ofício dirigido ao presidente Quintino, protestou enèrgicamente contra o ataque ao Paço Municipal, acusando de assaltantes elementos da polícia ou a ela ligados e declarando que o próprio chefe de polícia, dr. Alvaro Tefé, tivera conhecimento prévio do atentado e o classificara de “deposição da Câmara”, nada tendo feito, porém, para evitá-lo.

Em resposta, o chefe do govêrno estadual contraditou, pùblicamente, as declarações do dr. Hermogênio Silva, afirmando, entre outras coisas, que a polícia estadual, no dia das eleições, não saira à rua justamente para evitar explorações politicas, já que a lei eleitoral proibia a presença da fôrça nas proximidades das seções eleitorais.

O dr. Hermogênio Silva, acompanhado dos drs. Horácio Magalhães Gomes e Artur de Sá Earp, levou as graves ocorrências ao conhecimento do presidente da República, dr. Rodrigues Alves, que acabava de chegar a Petrópolis.

Soube-se, posteriormente, que um dos assaltantes do Paço Municipal chegou a apontar revólver para o dr. Hermogênio Silva, quando êste, durante o assalto, tentava aproximar-se do edifício, só não fazendo o disparo por haver um popular desferido uma bengalada na mão do facinora, desarmando-o.

Registre-se, como curiosidade, que, bem ao contrário do que contavam os oposicionistas ao govêrno estadual, êste determinou a abertura de rigoroso inquérito policial para apuração dos responsáveis pelo atentado, tendo sido processados judicialmente todos os acusados.

Mas Petrópolis, depois de 18 de fevereiro, ainda viveu muitos dias de agitação política.

É que aqui permanecia teimosamente o presidente Quintino e sua presença fazia mal aos petropolitanos …

Sòmente a 20 de junho, quando a capital, enfim, se instalou definitivamente em Niterói e o presidente foi-se, de vez, de Petrópolis, é que a calma e a alegria voltaram à cidade.

A – epopéia de 31 de Dezembro de 1934

A manhã de 31 de dezembro de 1934 foi diferente em Petrópolis. O comércio não abriu as portas; as fábricas e oficinas permaneceram paradas; os bondes e ônibus, depois de terem apenas iniciado o tráfego, estacionaram.

A vida da cidade, justamente num dos dias mais animados do ano, estava paralisada. Raros eram os transeuntes e raríssimos os veículos em movimento – o que emprestava às ruas um aspéto estranho, quiçá misterioso.

As lâmpadas de iluminação pública da Avenida Quinze e da Praça D. Pedro II estavam envoltas em crepe e a estátua do Imperador fôra coberta, sendo colocado a seu lado um grande cartaz com os dizeres “Para que não veja a desgraça de Petrópolis”.

Anunciada, na véspera, a substituição do Prefeito Iedo Fiuza, o povo se preparara, durante a noite, para reagir contra o ato do Interventor Federal no Estado. O petropolitano jamais perdoaria a Arí Parreiras a afronta de afastar da Prefeitura o ídolo de Petrópolis.

Talvez que hoje, já passado mais de quatro lustros, haja quem pense exagerado o título de ídolo para o Iedo Fiuza de 1934. Mas a verdade é que o grande, o maior dos administradores que a nossa terra já possuiu, era, na época, venerado pelos petropolitanos. Homens e mulheres, velhos e moços, pobres e ricos, clérigos e leigos; filhos da terra e adventícios, brasileiros e estrangeiros, pretos e branco, todo o mundo, com raríssimas exceções, devotava a Iedo Fiuza, após seus quatro anos de govêrno, verdadeiro culto.

Nunca terá havido, em qualquer outra cidade do globo terrestre, tanta criança batizada com o nome de Iedo, como em Petrópolis entre os anos de 1931 e 1934. E eram comuns nos muros, nos jardins e até nas paredes das casas residenciais inscrições como esta que permaneceu largos anos em um paredão da rua Paulino Afonso: “Deus no céu e Iedo Fiuza na terra” …

A paralisação completa da vida urbana na manhã daquele memorável 31 de dezembro de 1934 era, assim, o início do protesto do petropolitano contra o esbulho que acabara de sofrer. Se Iedo Fiuza, naquele dia, não podia trabalhar por Petrópolis ninguém mais trabalharia.

E, então, ninguém trabalhou e tudo parou!

Mas, às 13 horas, principiou o centro da cidade a movimentar-se. Grupos e mais grupos de populares, vindo a pé de todos os bairros, chegavam à Praça D. Pedro II, onde, sabia-se, haveria um comício. Às 14 horas, era enorme, sem similar em Petrópolis, a massa de povo reunida na velha Bacia. Alguém sugere que, ao invés de fazer comício na praça pública, o povo se dirigisse à Avenida D. Pedro I, onde residia Iedo Fiuza.

Começa, então, a multidão a movimentar-se para aquêle local. Extraordinária era a mole humana que se aglomerava na Avenida D. Pedro I, quando o ex-Prefeito apareceu na varanda de sua residência e foi aclamado como ninguém fôra, nem veiu a ser, em nossa terra.

Falam inúmeros oradores enaltecendo a personalidade do grande administrador, e profligando a atitude do Govêrno do Estado, agradecendo Iedo Fiuza comovido até às lágrimas.

Deixando a Avenida D. Pedro I, a massa popular, aí já conduzindo um caixão de defunto, percorreu a Avenida Quinze, nos seus dois lados, fazendo o entêrro simbólico do Interventor Federal no Estado do Rio de Janeiro, comandante Arí Parreiras.

Em frente à Delegacia de Polícia, num acintoso desafio à autoridade, houve uma parada e vários oradores, entre êles Cardoso de Miranda, o mais inflamado, manifestaram todo o azedume do povo petropolitano contra o Interventor Arí Parreiras, terminando por conclamarem a polícia a fazer causa comum com o povo e incorporar-se à passeata.

O delegado Mirtaristides Toledo Piza achou-se, então, no dever de comunicar ao Govêrno Estadual o que se passava e pedir instruções, fazendo-o pelo telefone diretamente ao Palácio do Ingá. Diz-se que foi o próprio Arí Parreiras quem respondeu: – Compareça ao entêrro …

Depois, o povo se dirigiu para a Estação da Leopoldina, onde deveria desembarcar o substituto de Iedo Fiuza. Vã, porém, foi a espera, porquanto nem o novo Prefeito nem o trem que o deveria trazer chegaram a Petrópolis. Mais tarde, soube-se o motivo: o trem estava retido na Raiz da Serra, porque o pessoal da Leopoldina, solidário com o povo petropolitano, se negara a prosseguir viagem.

Resolve a multidão, então, encaminhar-se para a Prefeitura, onde, forçòsamente, deveria comparecer o encantado Prefeito. O caixão fúnebre é colocado em cima do chafariz existente no jardim fronteiro.

No entretanto, de Raiz da Serra são solicitados os serviços dos motoristas de praça da nossa cidade, mas nenhum dêles atendeu ao chamado. E mais: nenhum particular concordou em descer a serra para tal fim.

Cai, por fim, a noite, e nada de chegar o novo Prefeito. O povo, firme em frente ao Paço Municipal, quer, contudo, conhecê-lo, e espera pacientemente.

Eram quase 20 horas, quando o Prefeito-fantasma chegou à praça Visconde de Mauá. Momentos antes, lá havia tomado posição um forte contingente policial, constituido de soldados de cavalaria e infantaria e de guardas civis. O automóvel prefeitural, cercado de policiais armados, força a passagem entre o povo, que vaia estrepitòsamente e atira pequenas moedas dentro do veículo, para significar seu repúdio.

Mas o novo Prefeito, que é o engenheiro Stefane Vanier, consegue, finalmente, atingir o Paço Municipal onde tem comêço, em ambiente fúnebre, o cerimonial de praxe. Lá de fóra, chega em surdina, porque, prudentemente, as portas e janelas estão fechadas, a assuada tremeda do povo.

É assinado o têrmo de entrada em exercício, são feitas as nomeações dos primeiros auxiliares da nova administração e, com sorrisos forçados, faz-se pose para a posteridade ante o fotógrafo da comitiva prefeitural.

As cerimônias findam, porém, e o silêncio cai pesado e confrangedor sôbre as salas do Palácio Amarelo. Só se ouve o vaiar que vem de fóra.

O sr. Vanier, visivelmente constrangido, declara, enfim, que vai retirar-se, sendo sua intenção voltar a 2 de janeiro para iniciar sua atividade.

Repetem-se, à saída, os acontecimentos da chegada. Tumulto, váias e niqueis jogados dentro do automóvel do Prefeito.

E o sr. Vanier inicia, então, melancòlicamente, a descida da serra para nunca mais voltar a Petrópolis.

Até aí, os acontecimentos haviam transcorrido pacìficamente. Os manifestantes não tinham cometido uma única violência e a polícia mantivera-se calma e tolerante.

Aliás, outra atitude da polícia não seria admissível, já que à frente da delegacia local estava o dr. Mirtaristides Toledo Piza, grande amigo da cidade, e o chefe da polícia era o dr. Joubert Evangelista da Silva, benquisto ex-delegado.

Depois das 20 horas, entretanto, uns tiros disparados a êsmo na Avenida Quinze, esquina de Gal. Osório, vieram alterar por completo o panorama.

Nunca foi esclarecido devidamente o motivo daqueles tiros. Alguns culparam a polícia de haver disparado seus revólveres para o ar, quando interveiu num assalto que populares planejavam contra um bonde elétrico; mas outros afirmaram que os disparos tinham partido do sobrado em que residia o tabelião João Duarte da Silveira, tido como inimigo de Iedo Fiuza, em revide aos apupos do povo. Jamais ficou provada, entretanto, uma outra coisa.

O certo é que, aos referidos tiros, seguiu-se enorme confusão, com a multidão desvairada investindo contra a polícia e atacando a residência do tabelião Duarte da Silveira.

Houve, então, muita algazarra, muita correria e cerrado tiroteio.

E, dentro em pouco, estavam caidas no logradouro público quatro pessoas, uma das quais já morta. O jovem Domingos de Oliveira pagara com a vida o seu destemor e entusiamo pela causa de Petrópolis.

O povo, porém, não se atemorizou com as baixas. Socorridos os feridos e recolhido o cadáver, voltou a investir contra a moradia de Duarte da Silveira. A porta da rua fôra arrombada, mas, no alto da escada, os filhos do conhecido tabelião, abrigados atrás de móveis e fortemente armados e municiados, defendiam, valentemente, o lar fraterno.

Disparos e mais disparos são, então, feitos, generalizando-se o conflito por todo o trecho final da nossa principal avenida. Os populares, em sua maioria, entrincheirados nas portas das casas e nas margens do rio, faziam fogo contra inimigos invisíveis, porquanto a polícia, sem ação, permanecia em frente à delegacia e os Duarte da Silveira não saiam de casa.

Mas, apesar de tôda a fuzilaria vinda do alto através estreito corredor, o povo, em dado momento, alcançou o sobrado que visava e arrancou da barricada o dr. Samideano Duarte Silveira, que é levado para o logradouro público. O jovem advogado seria, fatalmente, linchado, não fôra a interferência do delegado Toledo Piza; recebeu, no entanto, muita pancada e foi jogado dentro do rio, de onde os bombeiros o retirariam mais tarde.

Novas vítimas do tiroteio, a essa altura dos acontecimentos, são apanhadas na rua. Olímpio José dos Santos é outro popular que morre por Petrópolis.

A noite já ia alto, com o povo dominando as ruas, quando o tiroteio cessa e ouvem-se vibrantes aclamações.

Era o 1º Batalhão de Caçadores que, muito embora, desde cedo, tivesse sua presença reclamada no centro da cidade, só àquela hora chegava à Avenida Quinze. E chegava para agir, não contra, mas sim a favor do povo. Porque a verdade que hoje pode ser dita sem rebuço é que, em todo o transcorrer daquele memorável dia, o nosso 1º B. C. jamais deixara de estar ao lado do povo petropolitano.

O batalhão da cidade chegou, portanto, como vencedor. A polícia se recolhe logo ao quartel e a multidão começa a se dissolver.

Badalavam os sinos das igrejas anunciando o ano novo, quando os populares, depois de um dia de intensa vibração, se recolhiam às suas casas.

A luta fôra árdua e, lamentàvelmente, o generoso sangue petropolitano correra abundantemente. Mas, nas fisionomias cansadas de todos aquêles autênticos heróis que, no limiar do ano novo, retornavam aos lares, lia-se estampada a consciência do dever cumprido!

O dia 1º de janeiro de 1935 amanheceu calmo, sereno. Pouco movimento nas ruas, tôdas

elas fortemente patrulhadas por soldados petropolitanos. À tarde, realizou-se no cemitério municipal o emocionante enterramento dos dois bravos abatidos na véspera em combate na via pública.

Petrópolis soube – graças a Deus – homenagear condignamente, seus heróis, acompanhando-os, em pêso, à última morada. E Décio Cesário Alvim abrir-lhes-ia o caminho para a imortalidade através o seguinte inspirado sonêto que tão bem retrata o ambiente da época:

“VIVER É LUTAR”

(À memória de dois bravos)

Petrópolis descansa, aliviada,
Mas orgulhosa do dever cumprido …
Morre no espaço o último bramido
do Cordeiro – Leão desta jornada! …

Saibam quantos armaram-lhe a cilada
Que o Povo é bom, forte e destemido:
Não aceita os grilhões de um oprimido
Não foge à luta, nem recúa à espada! …

Petrópolis descansa … E rememora
Os dias agitados da cidade …
Risos álacres … compungidos prantos …

Tudo, tudo passou … Espaço em fóra,
Sobem a Deus, num halo de saudade,
Domingos de Oliveira e Olímpio Santos! …

Mas a causa de Petrópolis ainda não estava ganha. Cessadas as hostilidades, foi criada a Comissão Pró-Defesa de Petrópolis com a finalidade de orientar e salvaguardar os interêsses da cidade. Constituiam essa comissão os seguintes elementos de proa do movimento do dia 31 de dezembro: Plínio Leite, Carlos Magalhães Bastos, Mário Cardoso de Miranda, Mário Martins, Antônio Rezende, Armando Brito, Nestor Ahrends, Paulo Gouveia e Benjamin Tanembaum.

E os ideais do povo se achavam expressos no seguinte

DECÁLOGO PETROPOLITANO

Persistir na atitude de intransigência com desassombro e energia.
Envidar esforços para sustentar seu direito.
Tornar, por todos os meios dignos, impossível a vitória do adversário.
Recusar qualquer apôio aos usurpadores da vontade do povo.
Organizar, metódica e eficientemente, a defensiva.
Preparar a resistência tenaz em qualquer terreno.
Opôr, aos ataques brutais, o revide inquebrantável.
Libertar a cidade dos seus inimigos rancorosos.
Invocar a proteção Divina para o povo oprimido.
Só aceitar um Prefeito que sustente a obra de Iedo Fiuza.

Três imposições principais foram feitas ao Govêrno Estadual para um acôrdo com o povo:
a) o afastameto imediato do sr. Stefane Vanier;
b) a nomeação de um Prefeito petropolitano; e
c) a manutenção dos serviços de energia elétrica e água em poder da Prefeitura.

E o povo indica o nome daquele que deseja à frente da edilidade: o petropolitano digno e respeitável José de Carvalho Júnior!

Nesse ínterim, a cidade toma conhecimento, emocionada, do seguinte telegrama dirigido pelo deputado Gwyer de Azevedo ao Interventor Arí Parreiras:

“A campanha feita pelos revolucionários que terminou com a nomeação de V. Ex. para interventor não se fez para que V. Ex. investisse contra o povo fluminense.

Nenhum sofisma poderá defender V. Ex. no caso do Banco Construtor, de cujo lado ficaram conhecidos advogados administrativos.

V. Ex. foi recebido em Petrópolis, na pessoa do delegado de V. Ex., como Bernardes, no Rio, em 1927.

É V. Ex. o único responsável pela perda das vidas preciosas dos defensores da causa nobre de Petrópolis.

Só existe uma situação compatível com a dignidade revolucionária: repôr o Prefeito exemplar e abandonar o Govêrno do Estado.”

Mas, a 3 de janeiro, vem, enfim, a vitória de Petrópolis. À noite, o povo vibrava ao tomar conhecimento da seguinte proclamação da Comissão Pró-Defesa de Petrópolis:

AO POVO PETROPOLITANO

A Comissão Pró-Defesa de Petrópolis torna público que terminou hoje a divergência entre o povo petropolitano e o Govêrno Estadual.

Petrópolis está vitoriosa! sua vontade foi respeitada e salva-guardadas a dignidade e honra do povo.

O Banco Construtor continue em poder da Prefeitura, do que é prova a nota oficial da Interventoria já publicada.

O dr. Stefane Vanier já não é mais Prefeito de Petrópolis.

Desde ontem, depois de ouvida a Comissão, está nomeado Prefeito de Petrópolis, segundo comunicou pelo telefone oficial, às 23 horas, o dr. Joubert Evangelista, d. d. Chefe de Polícia do Estado, o capitão José de Carvalho Júnior, coletor estadual.

Com tal designação, está Petrópolis integrada na direção de si mesma.

Viva Petrópolis! Viva o povo petropolitano!

A Comissão.

A posse de Carvalho Júnior ocorrida a 5 de janeiro, vem pôr fim aos acontecimentos iniciados em 31 de dezembro. A administração do ilustre petropolitano, tal qual se esperava, foi honesta e fecunda, digna, sob todos os aspectos, da anterior do grande Fiuza. A paz voltou a todos os espíritos, esquecidos que foram logo, sob o govêrno do Prefeito-patriarca, tôdas as máguas, todos os ressentimentos.

E a epopéia gloriosa de 31 de dezembro de 1934 teve, assim, o mais digno dos fins.

– Quebra-quebras

1917

A 27 de outubro de 1917, o Brasil, tendo em vista o torpedeamento do paquete nacional “Macau” por um submarino alemão, o quarto navio nosso sacrificado pelos teutos, reconheceu e proclamou o estado de guerra entre o Império Alemão e os Estados Unidos do Brasil.

Petrópolis, como todo o país, estava emocionada com o acontecimento, mas guardava absoluta calma.

Eis que, porém, uma simples briga entre dois italianos alterou bruscamente essa situação. Ao anoitecer de 2 de novembro dia de Finados, em plena Avenida Quinze, Onofre Matarazzo, a propósito da guerra européia, dizia, como de costume mal do Brasil e da sua própria pátria, a Itália. Um seu patricio, David Avelon, fez-lhe ver a inconveniência da linguagem, mòrmente no momento em que o Brasil entrava na guerra. Matarazzo não o atendeu e continuou a proferir os mesmos insultos e injúrias contra os dois países. David perdeu, então, a paciência e investiu contra o seu compatriota, aplicando-lhe severo corretivo. Mas, naquele justo momento, chegava a polícia, que levou os dois contendores para a delegacia, acompanhados, entretanto, de alguns populares que haviam presenciado a cena e que apoiavam a atitude de David. Enquanto a polícia procurava solucionar o caso, o grupo lá fora crescia muito, de maneira que, após haver a autoridade resolvido trancafiar Onofre e soltar David já havia defronte à delegacia uma pequena multidão. Os populares, entre os quais alguns empunhavam bandeiras brasileiras e das nações aliadas, depois de aclamarem a decisão policial, atravessaram a ponte e passaram a vaiar insistente e estripitosamente a Pensão Max Meyer, cujo proprietário é obrigado a retirar pessoalmente as taboletas com o nome do estabelecimento, as quais são jogadas ao rio.

O grupo, cada vez maior e mais exaltado, foi, a seguir, à casa Otto Loefler, também sita à Avenida Quinze, onde, além de vaiar o proprietário, cometeu algumas depredações nas instalações. Depois, rumou para a Av. 1º de Março, onde deu uma enorme vaia no proprietário da Confeitaria e Padaria Alemã.

A multidão – aí o grupo já se transformara em multidão constituida de pessoas de tôdas as classes sociais – dirigiu-se então, para a rua 7 de Abril, onde invadiu o prédio da tradicional “Deutscher Verein”, quebrando e inutilizando tudo o que lá encontrou, à exceção dos retratos de Floriano Peixoto e Barão do Rio Branco. Um grande retrato do kaizer Guilherme II e a bandeira alemã, foram queimados em plena rua.

A vítima seguinte da multidão enfurecida foi a “Sangerbund Eintracht”, à rua 13 de Maio, cujas instalações sofreram sérias depredações.

Voltando à Av. Quinze, os populares atacaram e empastelaram impiedosamente a tipografia do brasileiro Edmundo Hees, onde era impresso o “Nachriten”.

Chegou a vez, a seguir, do Armazem Finkennauer, tradicional estabelecimento pertencente a brasileiros, sito à rua 14 de Julho, cujas portas foram arrombadas, sendo depredadas as instalações. Das cocheiras são retiradas duas carroças que carregadas de mantimentos de toda a espécie, são conduzidas para o Dispensário Santa Isabel, a cujas portas a carga é despejada. As carroças foram por fim, jogadas dentro do rio.

De volta, novamente, à Av. Quinze, a multidão, já então superior a mil pessoas, invadiu de sopetão, a Pensão Max Meyer, onde, dessa feita, tudo foi destruido e atirado ao rio. Da popular casa, nada, absolutamente nada, sobrou.

Encaminhando-se para os lados da Estação da Leopoldina, a multidão atacou o prédio do alemão Alfredo Hansen, à Av. Paulo Barbosa, arrancando, logo na primeira investida, o gradil de ferro e só deixando de penetrar na casa porque as filhas do referido cidadão postaram-se de joelhos à entrada, implorando clemência. A cena a todos emocionou, sendo poupado o prédio.

De passagem pela rua Dr. Porciúncula, os populares invadiram a barbearia de outro brasileiro, o sr. Augusto Esch cujos móveis foram levados para o logradouro público e queimados.

Alguém dá ordem de ataque à Escola Evangélica e a multidão avança alucinada para a Av. Ipiranga. O prédio é assaltado e os bancos, mesas, cadeiras e tudo o mais que lá estava vôa pelas janelas, sendo queimado na rua.

A Padaria Alemã, à Av. 1º de Março, poupada na primeira visita, é a vítima seguinte. Tudo é quebrado e atirado ao rio com prejuízos totais.

Na rua 7 de Abril, é assaltado o açougue de Fritz Gayse que sofre grandes prejuízos.

Registra-se, então, o mais injustificado de todos os ataques da multidão: as oficinas gráficas dos beneméritos frades franciscanos, à rua Nunes Machado, são invadidas e empasteladas brutalmente.

O estabelecimento de André Lepsch, à rua Carlos Gomes, também pertencente a brasileiro, foi assaltado, sofrendo estragos de vulto.

Às 4.30 horas da madrugada, o povo ainda percorria as ruas da cidade empunhando a bandeira brasileira e as das nações aliadas e cantando hinos patrióticos. Mas, para terminar, ainda destruiu, na Avenida Quinze, um estabelecimento pertencente a cidadão alemão: a antiga Padaria Alemã, de João Klinkhamer, a qual, prudentemente, tivera mudado o nome para Padaria de Luxo. Mas isso nada adiantou, porque tudo foi destruído impiedosamente.

O balanço do movimento patriótico de 2 de novembro de 1918 foi trágico. Nada menos de quatorze estabelecimentos foram assaltados e, na quase totalidade, destruidos pela multidão em fúria: três sociedades civis, dez casas comerciais e industriais e uma residência. Dois dêles – o “Nachriten” e o “Deutscher Verein” – com o assalto, desapareceriam para sempre.

Os acontecimentos de Petrópolis tiveram larga repercussão, tanto que, no dia imediato, já pela manhã, estava na cidade o Chefe de Polícia do Estado acompanhado de forte contingente policial. E, o que é mais interessante, foram imitados pelos cariocas vinte e quatro horas após e, logo a seguir, por inúmeras outras localidades por esses “brasís” afóra …

1918

Desde a manhã de 31 de agôsto de 1918, falava-se, à bôca pequena, no assalto às casas comerciais de sêcos e molhados da cidade.

A elevação ininterrupta dos preços dos gêneros de primeira necessidade e a falta ou insuficiência de alguns dêles na praça haviam agitado o povo, que ameaçava reagir com violência contra a exploração existente.

O dia corrêra, assim, agitado e cheio de boatos. O prefeito em exercício, sr. Artur Barbosa, havia se entendido, sôbre a situação, com as autoridades policiais locais e, em seguida, com o govêrno do Estado, mas êste não dera crédito ao temor do prefeito relativamente à exaltação popular.

Eram 7 horas da noite, quando a antiga praça D. Pedro de Alcântara se encheu de povo. Premeditava-se, às claras, o assalto à Casa Pestana que, à tarde, sob protesto geral, havia embarcado para o Rio, em três vagões da Leopoldina, grande partida de açúcar, artigo que faltava em nossa cidade. Intervindo na reunião, o dr. Alvaro de Oliveira, sub-delegado de polícia, autoridade zelosa, conseguiu dissuadir o povo de tal idéia, poupando, assim, momentâneamente, o grande estabelecimento.

Mas os populares, logo após, já constituindo, então, uma grande massa, voltaram a exaltar-se e investiram abruta e violentamente contra os grandes armazens, os maiores da cidade, da poderosa firma Souza Gomes & Cia. Mas lá estava, novamente, à frente dos referidos armazens, o dr. Alvaro de Oliveira, tentando evitar o assalto. Um facínora não identificado esfaqueia o valente sub-delegado, que tomba ao chão gravemente ferido, tendo igual sorte a ordenança da referida autoridade, atingida por um tiro de revólver.

O povo arromba as portas do estabelecimento e passa a saqueá-lo impiedosamente. Gêneros alimentícios de tôda a espécie são carregados por homen e mulheres, velhos e moços, para todos os pontos da cidade. O aspecto era de um formigueiro em plena atividade.

À proporção que os saqueadores chegavam às suas casas com os gêneros furtados, outros populares vinham para o centro da cidade, ávidos de também abastecerem suas despensas de maneira fácil. Daí, haverem-se esvasiado ràpidamente os grandes armazens de Souza Gomes & Cia.

Passaram-se os assaltantes, então, para a Casa Pestana, possuidora, também, de grande estoque de gêneros alimentícios. É ela completamente saqueada, tal qual acontecera com a de Souza Gomes & Cia.

A êsse tempo, tinham passado alguns populares a carregar os artigos saqueados em carros, tilburis, carroças e carrinhos de mão, o que veiu dar ainda maior amplitude ao saque.

Foi em meio ao assalto à Casa Pestana que lá chegou a notícia de que uma fôrça de cavalaria estava desembarcando na estação da Leopoldina, pronta a entrar em ação. A debandada foi geral em meio a grande confusão. Mas a notícia não era verdadeira e a cidade continuava, inteiramente, entregue aos saqueadores. Voltaram êles pois, à Casa Pestana e completaram o serviço.

Todo o comércio da cidade inclusive bares e confeitarias desde o início dos acontecimentos, tinha fechado suas portas de maneira que o movimento das ruas se limitava, exclusivamente, ao vai-vem dos numerosos populares carregando mercadorias. Mas havia os que, no próprio logradouro, se banqueteavam, fazendo largo uso do champanhe roubado …

Supunha-se que, com o saque às duas maiores casas comerciais da cidade, ficasse satisfeito o populacho. Tal coisa, porém, não aconteceu. Esvasiados os armazens das referidas casas, dirigiu-se a multidão, calculada, no momento, em cêrca de duas mil pessoas, para a rua Paulo Barbosa e lá invadiu e saqueou inteiramente o vasto armazem de Nicolau Gomes & Cia., nele não deixando senão as armações e os balcões, ainda assim em pedaços.

Dali, o povo foi às casas de Gomes Amorim & Cia., Bazar América, na Avenida Quinze, e Bernardo Meira, à Avenida Souza Franco, cujas portas foram abertas pelos respectivos proprietários, empunhando a bandeira nacional. O povo, respeitando o símbolo da nação, poupou essas casas. De volta à Avenida Quinze a massa popular assaltou, seguidamente, os armazens de sêcos e molhados de Lourenço Nogueira & Cia. e Costa Marins & Cia., despojando-os de tudo que continham.

Era cêrca de meia noite, quando o armazem de Ferdinando Finkennauer, à rua 14 de Julho, que, menos de um ano atrás, fôra depredado e pilhado, voltou a ser alvo da sanha popular, sendo inteiramente saqueado.

Dos bairros, o Valparaiso foi o único em que se registraram: assaltos. Mas lá, além do saque, houve cerrado tiroteio, quando os populares, ao arrombarem as portas do Armazem Varricchio, foram recebidos a bala pelo seu proprietário. Cinco pessôas foram, então, feridas, das quais duas, ambas mulheres, gravemente.

Às duas horas da madrugada de 1º de setembro, quando, pràticamente, estavam destruidos todos os principais armazens de gêneros alimentícios da cidade, é que chegou a Petrópolis o refôrço policial solicitado ao govêrno estadual desde o dia anterior, pela manhã.

Ficara a cidade, assim, durante cêrca de sete horas, inteiramente entregue a uma multidão desvairada. O destacamento policial, dada a sua mesquinhês, permanecêra, prudentemente, dentro do quartel, assistindo, de camarote, ao desenrolar dos acontecimentos.

Cogitára-se, de início, mobilizar os Tiros de Guerra ns. 12 e 302 para enfrentarem, juntos ao destacamento policial, os assaltantes; mas a iniciativa fracassou, dada a impropriedade do armamento dos tiros.

Com os trinta infantes e vinte cavalarianos chegados, a polícia assumiu, imediatamente, o controle da situação, apreendendo muita mercadoria e detendo alguns dos assaltantes que foram processados na fórma da lei.

Mas o prejuízo do comércio foi enorme: cêrca de mil contos de mercadorias saqueadas, quantia elevadíssima para a época.

Finalizando, registremos, à guisa de curiosidade, o custo de alguns gêneros alimentícios em 1918, cujo aumento de preço deu lugar aos gravíssimos acontecimentos ora descritos:

Arroz – 1$000
Açúcar – 1$060
Carne sêca – 2$300
Café – 1$100
Feijão – $460
Sabão – 1$200
Toucinho – 1$500

1942

O torpedeamento, em agôsto de 1942, de navios brasileiros em nossas próprias águas territoriais, causando numerosas vítimas, teve a maior repercussão em todo o Brasil. A alma nacional vibrou indignada ante o brutal atentado contra o país que não se achava em guerra e em face dos requintes de perversidade com que agiram os corsários alemães e italianos. A onda de revolta popular tomou extraordinárias proporções em todo o território nacional. E a inglória morte de tantos patrícios clamou vingança, exigiu represálias. Daí os brados de protesto e os ataques aos alemães e italianos e às suas propriedades verificadas em tôda a parte.

Como todo o Brasil, Petrópolis protestou contra a barbaridade. E fê-lo, a 18 de agôsto de 1942, com a costumeira veemência. À tarde, o comércio fechou as portas e o povo veiu para as ruas. Cidadãos de tôdas as classes sociais – políticos, administradores, médicos, engenheiros, advogados, bancários, comerciantes e, entre êles o prefeito e o delegado de polícia da cidade – achavam-se no logradouro público irmanados ante o golpe sofrido e davam expansão ao seu sentimento patriótico.

Os comícios começaram às 14 horas em frente a “Jornal de Petrópolis”, quando Cardoso de Miranda, Plínio Leite e o delegado regional dr. José Morais Rates, de maneira enérgica e brilhante, protestaram contra a traiçoeira agressão das nações totalitárias. Em seguida, o povo desfilou Avenida Quinze abaixo.

Na Praça D. Pedro II, novos oradores fizeram-se ouvir, entre êles Romão Junior, Aldo Gabiroboertz e Guilherme de Oliveira.

Um grande cortêjo formou-se então, após a parada na Bacia voltando o povo a subir a Avenida Quinze, até à rua João Pessoa. Aí apareceu um caixão fúnebre com o qual foi iniciado Avenida abaixo, o entêrro simbólico de Adolph Hitler. Os estudantes que conduziam cartazes alusivos ao sanguinário nazista e aos seus comparsas fascistas, faziam o cantochão sob hilaridade geral.

Cêrca de 20 horas, com a Praça D. Pedro II repleta, iniciou-se o comício-monstro convocado desde às primeiras horas da tarde. A banda do Clube Musical 1º de Setembro executa magistralmente o Hino Nacional Brasileiro, cujos acordes provocam “frisson” em todos os presentes. Mas ergue-se o primeiro orador que é o dr. Márcio Alves, simpático prefeito da cidade, cuja palavra fácil e ponderada causou excelente impressão. Seguem-no Plínio Leite, Carlos Cavaco, Nereu Rangel Pestana e Aldo Gabiroboertz, cujos discursos inflamados são delirantemente aplaudidos. Falam por fim o capitão Ferreira Franco, Romão Junior, Carlos Camacho, João Alberto Junior, Cesar Borralho, Rodolfo Pires, Alonso Campos Filho e Raul Veiga todos muito ovacionados.

Pouco depois das 21 horas tem lugar, finalmente, monumental desfile, o ponto alto das manifestações populares do dia. O cortêjo é aberto pela banda de música do Clube 1º de Setembro, de Cascatinha, nele tomando parte clero, povo e nobreza. Era impressionante o número de senhoras e senhoritas que formavam entre o povo. Sempre com o máximo entusiasmo e dentro da maior ordem, a multidão, durante mais de uma hora, desfilou entusiàsticamente pelas principais ruas da cidade sem que se registrasse qualquer incidente.

Mas estava escrito que, ainda de tal feita, uma manifestação patriótica de caráter popular não acabaria sem atos de violência. Pouco antes das 23 horas, grupos desmembrados sorrateiramente do cortêjo mudaram de direção e foram atacar estabelecimentos comerciais pertencentes a cidadãos alemães, italianos e quiçá brasileiros. Assim foi que a Sapataria Ideal, o Hotel Max Meyer, a Padaria Guaraní e o Hotel Majestic tiveram prejuízo total, enquanto que o Restaurante Falconi, a Casa Pelegrini, a Cervejaria Boêmia, A Ótica, o Restaurante e Bar Vienense, o Armazem Nastasi, a Casa D’Angelo, a Alfaiataria De Carolis e a Foto Nietzsch, entre outras, sofreram danos materiais de pequena monta, passando, porém, os respectivos proprietários por grande susto e vexames sem conta.

Entretanto, o pior foi o que se passou com Richard Lowder que acabara de construir para sua residência magnífico prédio no Alto do Quarteirão Suisso. A pretexto de pertencer a um germânico, foi a referida casa assaltada e, a seguir, completamente saqueada. Sem dúvida, foi essa a nota mais triste dos acontecimentos.

Afóra as depredações, só houve digno de registro a mudança de placas das ruas, sendo a Mosela, crismada de Baependi; o Bingen, de Araraquara; o Ingelheim, de Oswaldo Aranha; o Quissamã, de Cairú; o Morin, de Itagipe; a Itália, de Olinda; e o Woerstadt, de Arabutã. Mas êsses nomes não pegaram e foram logo esquecidos.

A Expulsão do Doutor Fort

Durante o dia 20 de julho de 1896, fôra distribuido profusamente em nossa cidade o seguinte boletim:

CONVITE

Convida-se o petropolitano a comparecer hoje, segunda-feira, 20 de julho, às 7 ½ horas da noite, no Salão do Teatro Fluminense, a fim de deliberar-se sôbre o modo pelo qual se deve protestar em desagravo dos insultos atirados à família brasileira por um tal sr. Fort.

A comissão.

Êsse “tal sr. Fort” mencionado no boletim era – nada mais, nem menos – do que o notável cirurgião francês dr. J. A. Fort que já estivera no Brasil em 1881, quando fôra recebido, com toda a deferência, pelo govêrno imperial, pela classe médica e pela sociedade brasileira. Tal tratamento, entretanto, não impediu que, de volta à Europa, o cientista francês dissesse, como era moda na época, cobras e lagartos do nosso país, através livro editado em Paris em 1882. Tudo que era brasileiro – costumes, família, caráter, ciência – sofreu injusta e impiedosa crítica do ingrato médico europeu. Passados 15 anos, julgando, provàvelmente, achar-se esquecido o que escrevera a respeito dos brasileiros, resolveu visitar de novo o Brasil. À sua chegada ao Rio de Janeiro, no entanto, os estudantes fizeram-lhe o entêrro simbólico e a imprensa, contra êle, abriu as baterias, apontando-o à execração pública.

Em tal situação, o dr. Fort resolveu logo regressar à sua Pátria, mas como só cinco dias após haveria navio, resolveu êle abrigar-se em Petrópolis, cidade pacata e hospitaleira, onde, pensava, poderia aguardar, calmamente, o dia do embarque.

Pois foi a notícia da presença em Petrópolis dêsse cidadão que provocou a reunião de 20 de julho de 1896 no Teatro Fluminense.

Às 8 horas daquela noite, era enorme o número de pessoas de todas as classes sociais reunidas no salão do teatro, muito embora a chuva torrencial que caia sôbre a cidade. Organizada a mesa diretora sob a presidência do engenheiro Henrique Paixão, teve comêço o comício popular. Inflamados oradores fizeram-se ouvir, profligando o feio procedimento do dr. Fort que, corrido da capital da República, viera refugiar-se em Petrópolis. A nossa cidade, diziam êles, não era, no entanto, valhacouto de inimigos da pátria brasileira, não podendo, assim, a população permanecer indiferente à presença de tão indesejável hóspede.

Após muita discussão, foi resolvido que o francês seria expulso de Petrópolis, dando-se-lhe o prazo de 12 horas para que se retirasse por bem. Uma comissão foi designada para levar ao conhecimento do interessado a deliberação do povo, sendo, então, suspensa a reunião.

Mas, encerrada a sessão do Teatro Fluminense, os populares não se dispersaram, e, agora mais excitados do que antes resolveram, ao contrário do que fôra deliberado, seguir, ninguém sabia com que intenção, para o Hotel da Europa, onde constava achar-se hospedado o dr. Fort. Na velha Praça D. Afonso, conseguiram, no entanto, os promotores do comício que a multidão ali aguardasse o resultado da apresentação do ultimato a ser feita por uma comissão. Partem, então, para o Hotel da Europa, como emissários do povo, o dr. Henrique Paixão e os srs. Artur e Ricardo Barbosa.

O dr. Fort, porém, não mais se encontrava no Hotel da Europa. Cientificado da atitude ameaçadora do povo petropolitano, de lá se escafedera, presumìvelmente, para refugiar-se na legação de seu país.

A última notícia que os petropolitanos tiveram do dr. J. A. Fort foi a do seu embarque para a Europa, no Rio de Janeiro, a 25 de julho de 1896.

Em Petrópolis, no entanto ficou assinalado para sempre o protesto viril do povo da cidade contra o cidadão estrangeiro que, embora todo o seu renome internacional de cientista ilustre, não soubera respeitar a pátria brasileira.

4 – Hospitalidade –

Rio Branco, Ruí Barbosa e Santos Dumont

Vimos, até aqui, manifestações de várias espécies do povo petropolitano, ora bem, ora mal humoradas, mas, na maioria das vezes, inspiradas pelo insopitável bairrismo que o caracteriza.

Mas será que a êsse povo só interessam as causas ligadas diretamente à cidade? Como se terá êle portado, por exemplo, ante as causas sagradas da mãe-pátria?

Nos casos do dr. Fort e dos quebra-quebras das duas grandes guerras, episódios já descritos, tivemos, com a vibração da multidão em face dos insultos recebidos, expressivas mostras do civismo petropolitano. Mas verifiquemos, em outras ocasiões, quando de cabeça fresca, como tem êle procedido. Apreciemos, por exemplo, sua atitude ante os grandes vultos da nacionalidade, já que é, comumente, acusado de indiferença para com os visitantes, acostumado que está a vê-los, rotineiramente, chegarem e sairem da cidade.

Santos Dumont, Rio Branco e Rui Barbosa foram, talvez, os brasileiros de maior projeção, até hoje, no país. E Petrópolis recepcionou os três, quando nos pináculos das respectivas glórias.

Vejamos como, ante êles, se portou o povo petropolitano.

A morrinhenta chuva de verão, tão nossa conhecida, que caía desde as primeiras horas da tarde, não impedira que a estação da Estrada de Ferro Leopoldina se apresentasse, na noite de 1º de dezembro de 1902, repleta de povo.

Membros da mais alta administração e magistratura estaduais; presidente e vereadores à Câmara Municipal; oficiais da Fôrça Pública e da Guarda Nacional; funcionários federais, estaduais e municipais; comissões representativas de clubes e associações, pessoas, enfim, de todas as classes sociais, compondo uma grande massa popular, lotavam complètamente a plataforma e o saguão da estação transbordando ainda pelas imediações.

O local achava-se decorado com bandeiras e folhagens, estando o trajeto da estação à Pensão Central com o solo atapetado de flores.

Uma feérica iluminação elétrica completava a ornamentação.

Era assim que Petrópolis se tinha preparado para receber naquela noite, o Barão do Rio Branco.

Rio Branco voltava à pátria após estrondosa vitória brasileira nas questões de Missões e Amapá, e o país inteiro exultava, manifestando sua gratidão ao excelso brasileiro pela extraordinária atividade por êle desenvolvida em defesa da causa do Brasil.

Não era à tôa, portanto, que o povo petropolitano enfrentava a chuva para permanecer em massa na estação.

A ansiedade pela chegada do comboio que devia trazer à nossa cidade o eminente brasileiro era geral. E, às 7,30 horas, ao anunciar o apito estridente da locomotiva a entrada do trem na estação, o povo prorrompeu em aplausos entusiásticos, que redobraram quando a figura imponente do Barão assomou à porta do vagão. O desembarque foi feito sob uma chuva de pétalas de rosas atiradas por senhoras, senhoritas e crianças.

No carro em que viajou o Barão, chegou também o general Quintino Bocaiuva, presidente do Estado, que fôra à estação do Alto da Serra esperar o ilustre visitante.

Foi com dificuldade que o Barão pôde chegar ao saguão da Estação, rompendo a massa popular que o aclamava incessantemente. Ali, representando a família petropolitana, haviam se reunido, em número extraordinário, senhoras e crianças que prorromperam, então, em aclamações entusiásticas como poucas se terão ouvido até hoje. O menino Gumercindo Loreti saúda o Barão, em nome da infância, sendo abraçado e beijado pelo homenageado. A seguir, são as autoridades estaduais e municipais que apresentam boas-vindas. E, por fim, o Barão, visivelmente comovido, primeiro pelo entusiamo do nosso povo, e depois pela delicadeza da homenagem de senhoras e crianças, faz questão de falar. Agradece a recepção do povo brasileiro em geral, tendo palavras de carinho para com o povo petropolitano. Atravessando a rua, que, conforme já foi dito, estava atapetada de flores, o Barão se dirigiu para a Pensão Central, fronteira à Estação, onde se hospedou.

No dia seguinte, dar-se-ia, no Rio de Janeiro, posse a Rio Branco, o maior Ministro das Relações Exteriores que o Brasil já teve.

A estação da Leopoldina, tôda ornamentada de folhagens, galhardetes, bandeiras e flores em profusão, abrigava, na tarde de 28 de janeiro de 1908, uma pequena multidão que ali aguardava a chegada de Rui Barbosa, a Águia de Haya.

A famosa banda do Clube Leopoldo Miguez, tocando excelente música, alegrava o ambiente.

Às 6 horas em ponto (naquele tempo havia horárias …) dava entrada na estação o trem conduzindo o grande brasileiro. A locomotiva – homenagem clássica da Leopoldina aos seus passageiros mais ilustres – estava enfeitada com bandeiras do Brasil e da Inglaterra.

Logo que o trem parou, de um dos morros vizinhos estrondeou uma salva de 21 tiros.

A banda de música executa o Hino Nacional e o povo prorrompe em vibrantíssimas aclamações.

Rui desce do carro especial e recebe os primeiros cumprimentos: do dr. Hermogênio Silva em nome da Câmara Municipal e do comte. Pedro Veloso Rabelo, em nome do Presidente da República, dr. Afonso Pena. E caminha-se, depois, com as senhoras formando alas, para o saguão da “gare”, onde entra sob uma chuva de pétalas de rosas.

O dr. Arthur de Sá Earp pronuncia eloquente discurso e Rui agradece, chamando nossa cidade de “rainha das serras”. Um “Viva Petrópolis” foram as palavras derradeiras do homenageado.

Às seis horas e meia, forma-se, enfim, o cortêjo que levaria o ilustre hóspede da cidade à sua residência, na praça da Liberdade.

Nas ruas centrais, o povo postado nas calçadas e às portas e janelas de suas casas brasileiro, para aclamá-lo co aguardava a chegada do grande todo o entusiasmo.

Petrópolis, felizmente, tinha sabido receber condignamente seu ilustre hóspede, o formidável heroi de Haya.

O nosso genial patrício Alberto Santos Dumont estivera no Brasil em 1903, logo após o sucesso do seu dirigível em tôrno da Torre Eifel, vôo com o qual conquistou o prêmio “Deutsch re la Meurthe”. Não veio, porém, a Petrópolis.

A seguir, só voltaria à pátria em 1914, onze anos depois da visita anterior e sete anos após o vôo, em aeroplano, em Bagatele. Desembarcou no Rio de Janeiro a 2 de janeiro de 1914 e, dois dias depois, subia para a nossa cidade.

À “gare” da Leopoldina Railway, tôda ornamentada, afluira, na bela manhã de 4 de janeiro, uma multidão calculada em cêrca de mil pessoas. O povo de Petrópolis e os veranistas em vilegiatura lá estavam, irmanados pelo mesmo sentimento cívico, para aplaudir o patrício que, dominando o espaço, assombrara o mundo.

O bom gôsto da ornamentação, a presença predominante do elemento feminino e a música do 55º Batalhão de Caçadores emprestavam ao local um aspecto realmente muito alegre e festivo.

O trem das 10,20 horas, trazendo Santos Dumont em carro reservado, entrou na “gare” sob estrepitosa salva de palmas, logo seguida por entusiásticos vivas e aclamações. Senhoras e senhoritas formam alas, e o nosso glorioso patrício desde do vagão entre elas, sob a clássica chuva de pétalas de rosas.

O entusiasmo do povo, em tal momento, atinge às ráias do delírio.

O sr. Artur Barbosa, Presidente da Câmara Municipal, da ao visitante as boas-vindas em nome da cidade, e o dr. Mário Pimentel Brandão apresenta-lhe os cumprimentos do Presidente da República. Uma comissão presidida por Paulo de Frontin e constituida por Joaquim de Gomensoro, João Teixeira Soares, Alberto de Faria, Barão de Mendes Tota, Manuel Augusto Teixeira, Vilela dos Santos e Joaquim Moreira, faz as honras da casa.

Andando, a pé, entre o povo que o aclamava sem cessar Santos Dumont dirige-se para a rua Paulo Barbosa, onde toma o automóvel da Presidência da República, posto à sua disposição. Vai para a residência de Paulo de Frontin, que lhe oferece o almôço.

À tarde, em companhia de membros da comissão de recepção, o Pai da Aviação comparece ao Palácio Rio Negro, onde é recebido, em audiência especial, pelo Presidente da República, Marechal Hermes da Fonseca.

Após a audiência do Rio Negro, é oferecido ao visitante ilustre um elegantíssimo “five o’clock-tea”, no Palacete Mauá do sr. Alberto de Faria, ao qual comparece, em pêso, a nossa melhor sociedade.

E, finalmente, pelo trem das 8,20 da noite, ainda sob entusiásticas aclamações populares, Santos Dumont regressou ao Rio de Janeiro.

Falando aos jornalistas, na casa de Alberto de Faria, Santos Dumont manifestou sua surprêsa ante a massa de povo que o recepcionara, com tanto calor na estação da Leopoldina, pela manhã. Lembrou, com muita simpatia, que aqui residira, quinze anos atrás, e elogiou o clima, as belezas naturais e, principalmente, as flores da nossa cidade.

Era, então, visível a satisfação do grande brasileiro pela recepção que Petrópolis lhe proporcionara.

5 – Altruísmo –

Interessante característico do petropolitano é sua solidariedade permanente a tôdas as atividades humanitárias da cidade.

Povo que sustenta do próprio bolso as casas de caridade locais – inclusive o hospital de indigentes, instituição mantida em tôda parte pelo poder público – ainda sobra ao petropolitano ânimo para promover ou apoiar, amiude, movimentos filantrópicos visando coisas e pessoas de Petrópolis e de fôra.

Apreciemos, pois, alguns episódios reveladores do altruismo do nosso povo.

O Prédio da Tribuna de Petrópolis

O ano de 1928 começara mal, muito mal mesmo, para “Tribuna de Petrópolis”, o veterano órgão da imprensa petropolitana.

A Companhia Telefônica Brasileira, em vésperas da reorganização dos seus serviços, para neles introduzir, entre outros melhoramentos, o telefone automático, havia comprado o velho casarão da Avenida Mal. Deodoro nº 39, onde, desde muitos anos, se achava instalada “Tribuna de Petrópolis”. E havia solicitado a entrega urgente do imóvel para, no local, construir um grande edifício.

Bem que os donos do jornal tentaram arranjar outro prédio; em vão, porém, porque, já naquele tempo, prédio com aluguel acessível aos pobres jornais locais, era coisa deveras difícil.

Foi, então, que Artur Barbosa – sabe Deus com que sacrificio – comprou, em fim de março do referido ano de 1928 – um pequeno terreno resultante do loteamento do local onde existira o Hotel Bragança.

Restava, no entanto, o principal e mais difícil: a construção do prédio. Artur Barbosa, dono do jornal, era a criatura pobre que sempre conhecemos; “Tribuna de Petrópolis” era, como ainda hoje acontece com a imprensa petropolitana, uma fonte permanente de dificuldades financeiras; e o crédito era, na época, muito custoso.

Mas “Tribuna de Petrópolis” se encontrava no dilema de construir prédio próprio ou fechar suas portas.

Premido pelas circunstâncias e animado por alguns poucos amigos, Artur Barbosa resolveu, enfim, construir o prédio, anunciando, medrosamente, sua intenção em “Tribuna de Petrópolis”.

E, então, o que parecia impossível aconteceu. Choveram oferecimentos e facilidades e pouca coisa deve ter ficado faltando para o levantamento total do prédio. O escrivão Cruz Coutinho, deixando de cobrar os emolumentos da escritura de compra do terreno, iniciou a série. O Banco de Petrópolis com Osório Sales à frente, propõe o financiamento da obra; o engenheiro Luiz Morais Junior oferece o projeto do prédio e tôdas as plantas necessárias; pessoas de tôdas as classes sociais doam tijolos, telhas, cimento, madeira, azulejos, ladrilhos, cal, chumbo, material elétrico, pedra, caixa d’água, prégos, escadas, soleira, torneiras, etc.; outros contribuem com a mão de obra para a instalação elétrica e com todo o trabalho de fundição; alguns outros fazem presentes de plafonier, anúncio luminoso e relógio de parede; ainda outros prometem a secretária, a cadeira, o tinteiro e a caneta para o diretor do jornal; e, finalmente, há quem faça promessa do Hino da Tribuna e dos foguetes para a festa de inauguração.

De tal maneira, foi rápida a edificação do prédio, cuja inauguração se fêz a 1º de janeiro de 1929.

O coração generoso do povo petropolitano ainda não falhara daquela feita!

– Remissão dos Últimos Escravos Petropolitanos –

“Está escrita, finalmente, a mais bela página da história da nossa cidade” – foi como abriu Tomás Cameron seu artigo de fundo no “Mercantil” de 4 de abril de 1888. É que, três dias antes, isto é a 1º de abril de 1888, em solenidade realizada no Palácio de Cristal e na presença de Suas Altezas Imperiais, tinham sido entregues os títulos de remissão aos últimos escravos existentes em território petropolitano.

Era a muito a contragosto que Petrópolis, a filha do trabalho livre, vinha tolerando o trabalho escravo em seu seio. Por isso, desde muito, lutava para libertar seus escravos.

Uma comissão constituida pelo povo e composta do Barão de Ipanema, dr. José da Silva Costa, chefe de esquadra João Mendes Salgado, comºr. José Joaquim Bernardes, Pandia Calogeras, Cláudio José da Silva e Barão da Penha, concluia seus trabalhos naquele memorável dia.

Os populares se haviam reunido, prèviamente, no Salão Floresta, à rua do Imperador, para dali seguirem, pouco depois da uma hora da tarde, para o Palácio de Cristal. Abria o cortêjo a banda de música alemã, logo seguida daqueles que iam receber seus títulos de libertação e por inúmeras outras pessoas de tôdas as classes sociais. Os noventa e oito escravos presentes empunhavam, alegremente, pequenas bandeiras nacionais.

No Palácio de Cristal, uma grande multidão aguardava o cortêjo. O gracioso pavilhão, inteiramente de cristal, em que funcionava a Associação Hortícula e Agrícola de Petrópolis, achava-se ornamentado de sedas e flôres e ocupado pelas mais distintas famílias da sociedade brasileira, membros do Ministério do Império e do Corpo Diplomático e representantes da imprensa. Entre êstes últimos, encontrava-se o denodado José do Patrocínio.

A banda de música da Casa Imperial faz-se ouvir e o povo ovaciona prolongadamente.

Imediatamente, chegam Suas Altezas Imperiais e seus augustos filhos, todos entusiàsticamente recebidos.

Começou, então, a entrega dos títulos de libertação. Eram êles trazidos, um a um, pelos jovens príncipes petropolitanos D. Pedro e D. Luiz para Sua Alteza Imperial, a Regente do Império, que os ia passando às mãos dos libertos.

A cerimônia, como é de calcular-se, a todos emocionou profundamente. Mas, terminada ela, outra, extra-protocolo, não menos emocionante, se registrou. Escravos de municípios vizinhos, em grande número, invadiram o recinto e foram ajoelhar-se ante a Regente do Império, implorando-lhe a graça de também serem liberados.

Foram, é inegável, a magnanimidade da Família Imperial, e o trabalho da incansável comissão encarregada de obter os recursos pró-libertação, que facilitaram a Petrópolis, a glória de antecipar-se à Lei Áurea. Mas acima de tudo, foi o espírito do povo adverso ao trabalho escravo que permitiu aos petropolitanos gritarem bem alto naquela memoràvel tarde de 1º de abril de 1888: O suor do cativo não mais orvalhará o solo de Petrópolis!

Destruição da Oficina do Mercantil

Na madrugada de 2 de março de 1880, o morro situado aos fundos do prédio nº 2-A da rua Aureliano desabou sôbre as oficinas do “Mercantil”, soterrando-a e inutilizando completamente todo o material do estabelecimento. Um empregado que lá dormia – Claudino Luiz do Nascimento – também foi soterrado, tendo morte horrível.

O prejuízo do velho Bartolomeu Sudré foi total e só lhe restava, na emergência, encerrar a atividade do jornal. Não possuia êle qualquer reserva financeira e seu abatimento moral era completo.

Parecia selada, portanto, a sorte do tradicional “Mercantil”.

Eis que, porém, se revela, novamente, o sentimento altruístico do povo petropolitano. Ouçamos o que nos conta o próprio Bartolomeu Sudré:

“Quando mais nos pungia a mágua da imensa perda que sofrêramos, quando em nossa imaginação turbilhonavam os mais sinistros pensamentos, quando nos conhecíamos atados ao poste do desespêro e lamentávamos a conservação da vida para assistir a tão horrenda catástrofe, um homem houve que murmurou-nos ao ouvido estas palavras: – Tranquiliza-te, que ainda tens amigos! Era êsse homem José Ferreira da Paixão.”

E o povo, convocado por José Ferreira da Paixão, reune-se e lança a seguinte proclamação:

À vista do desastroso acontecimento que aniquilou a tipografia do “Mercantil” reunem-se os moradores e visitantes de Petrópolis abaixo assinados e auxiliam a reconstrução de sua velha imprensa, oferecendo a Bartolomeu Pereira Sudré os meios de recompôr a sua tipografia.

Petrópolis, 3 de março de 1880.

A população de Petrópolis – é ainda o próprio “Mercantil” que nos conta – correu pressurosa a prestar-nos todos os socorros e incansável mostrou-se no seu afã, revelando, assim, tôda sua grandeza dalma. A proteção que nos foi dispensada ser-nos-á mais um incentivo para prosseguirmos na jornada do trabalho, dêsse trabalho que a todos aproveita, no apostolado do bem comum, da confraternização dos homens, da difusão da luz. E, concluindo, disse o “Mercantil”: a redação do “Mercantil”, à população residente e visitante de Petrópolis, será eternamente agradecida.

E, como resultado da ação popular, já a 24 do mesmo mês em que ocorrera a desgraça da rua Aureliano, reaparecia o “Mercantil”. O n. 15 do jornal, foi distribuido gratuitamente, dizendo o proprietário que assim agia para patentear sua gratidão ao povo de Petrópolis.

Em apenas três semanas, os petropolitanos se arregimentaram, adquiriram uma nova tipografia e puzeram novamente em circulação seu tradicional jornal.

Admirável, sem dúvida, o gesto de solidariedade do povo petropolitano.

O Entêrro de Jorge Kuhn

A 15 de abril de 1898, em meio à consternação geral, falecia e era sepultado nesta cidade Jorge Henrique Kuhn, enfermeiro aposentado do Hospital Sta. Terêsa.

“Herr Kuhn”, como era êle conhecido, morria aos 68 anos de idade, depois de haver exercido sua humanitária profissão durante quase meio século, primeiramente na Casa de Caridade, depois no Hospital Sta. Terêsa.

Mas o benquisto cidadão, durante todos aquêles anos, não limitara sua atividade à enfermagem pura e simples. Tendo assimilado, no contato diário com os médicos, os ensinamentos dêles recebidos, aperfeiçoou-os, na prática, de tal maneira que passou a fazer as vezes, com tôda a eficiência, dos próprios médicos.

E sua presença, por isso, passou a ser reclamada em tôda a parte, principalmente no seio da colônia alemã.

Era êle, ainda, um hábil dentista que atendia a tôda a pobreza da cidade.

Estranhar-se-á hoje, é possível, que o procedimento de Kuhn, não haja provocado a animosidade dos médicos da época. Mas a verdade é que êstes nunca criaram dificuldades à atividade do proveto enfermeiro, estimulando-a sempre muito a contrário. Isso, naturalmente, em atenção à habilidade e à honestidade jamais desmentidas de tão prestimoso cidadão.

Mas os médicos petropolitanos ainda fariam algo mais expressivo com Jorge Henrique Kuhn. Por ocasião do seu enterramento, como se fôra um próprio colega, fizeram questão de carregar o caixão, tanto do velório para o carro fúnebre, como dêste para a sepultura. E mais: foram êles, médicos, que levantaram o mausoléu na sepultura perpétua concedida pela Câmara Municipal a “Herr Kuhn”.

O Rocha-Código

José Antônio da Rocha, cidadão português vindo para Petrópolis ao tempo da colônia aqui se empregando inicialmente como entregador de pão, já em junho de 1848 era solicitador forense. E progredindo ràpidamente, exerceu os mais importantes cargos públicos, tais como delegado de polícia, vereador, presidente da Câmara Municipal e Juiz Municipal.

Foi, na verdade, um cidadão exemplar no exercício de tôdas essas funções.

Contudo, foi como solicitador que êle mais se destacou. Embora sem frequentar escola, adquiriu na prática tamanho cabedal jurídico, que ganhou o apelido de “Rocha Código”, pelo qual era e ainda é hoje mais conhecido.

Tal como aconteceu com o enfermeiro Kuhn que viveu e morreu em paz com os médicos, o solicitador Rocha Código mereceu sempre a amizade e a consideração dos advogados petropolitanos.

Haja vista para a inscrição existente na sepultura do cemitério municipal, de inspiração dos referidos advogados: “Aqui jazem os restos mortais do advogado José Antônio da Rocha, falecido a 6 de maio de 1880 – tributo de gratidão de seus amigos”.

Quiseram êles, como última homenagem, considerar como colega aquêle que, em vida, não passara de modesto rábula.

6 – Gratidão

O petropolitano tem coração sensível e, por isto, é, acima de tudo, um bem agradecido. Com o inimigo ou com o falso amigo, seu proceder tem sido vário; mas com o amigo, o procedimento tem sido só o da gratidão.

Relembremos, assim, algo do passado que ilustre tão belo predicado do nosso povo.

A chegada a Petrópolis da Família Imperial para o veraneio anual era sempre acontecimento festivo e emocionante.

Suas Majestades eram aguardadas no Alto da Serra pelo presidente e vereadores da Câmara Municipal e outras autoridades locais, sendo feita a entrega ao Imperador da chave simbólica da cidade. Formava-se, então, cortêjo até o Palácio Imperial.

O centro da cidade era ornamentado e o povo vinha todo para as ruas, afim de saudar Suas Majestades.

À noite, havia “Te-Deum” na Matriz e, nas ruas e praças iluminadas com lanternas multicôres, tocava a banda de música da Casa Imperial. Havia ainda, fogos de artifício.

Essas manifestações, tão sinceras, quão espontâneas do povo petropolitano, outra coisa não eram do que a gratidão que Petrópolis queria testemunhar a Pedro II pelo muito que êle sempre fez à cidade. Só a proclamação da República e o consequente banimento da Família Imperial, haveriam de interrompê-las.

Mas Pedro II e Tereza Cristina ainda voltariam a Petrópolis. Mortos e com os corpos embalsamados, aqui chegaram a 4 de dezembro de 1925 para dormir o sono eterno.

Não houve mais o vivório, nem as lanternas venezianas, nem o fogo de artifício. Mas houve – muito mais expressivas – as lágrimas sentidas daquele mesmo povo que amara e continuava amar seus grandes, seus maiores benfeitores!

Mais de três mil pessoas, conduzindo lanternas e bandeirolas, se encontravam na noite de 22 de dezembro de 1918 à rua Visc. de Souza Franco, nas imediações do prédio nº 481.

Era o povo petropolitano agradecido que ali se reunira para manifestar seu aprêço e sua simpatia ao dr. Oscar Weinschenck.

O engenheiro Oscar Weinschenck, nomeado prefeito municipal um ano e meio antes, elaborara um magnífico plano de obras para a cidade e, com inauditos esforços, conseguira, por meio de um empréstimo, reunir os recursos financeiros necessários ao empreendimento.

Mal fôra iniciada a execução do plano, eis que irrompe na cidade, de forma violenta, a célebre epidemia de gripe cognominada a “hespanhola”.

O prefeito poderia ter-se limitado a utilizar os recursos ordinários do orçamento municipal e apelar, tal como foi feito em quase tôda a parte, para a caridade pública.

Preferiu, no entanto, sacrificar seu tão acalentado plano de obras para proporcionar ao povo socorro urgente e eficiente.

E transformou, então, em alimentos, remédios e hospitalização o que estava destinado a obras públicas.

Tão admirável gesto de desprendimento poderia, no entanto, ter sacrificado o sucesso de tôda uma administração. É que as grandes obras que estavam projetadas ficariam para sempre, enquanto que os socorros aos doentes só seriam notados enquanto durasse a epidemia.

Mas, felizmente para todos nós, o tempo fez justiça completa ao dr. Oscar Weinschenck.

Passados quase quarenta anos, é êle tido, no consenso geral, como um dos dois melhores administradores que já passaram pela nossa edilidade, e jamais foi esquecida sua ação humanitária e benfazeja no socorro às vítimas da terrível epidemia de 1918.

E muitas dessas vítimas ainda hoje hão de lançar para o Além comovidas bençãos ao grande e humanitário prefeito.

D. Pedro II, ao receber em 13 de maio de 1888, na cidade de Milão, a notícia da abolição da escravatura no Brasil, exclamou:

“Grande povo, entre os demais do mundo, és o primeiro!”

Pois foi essa frase célebre que acorreu ao pensamento de Walter Bretz, quando chegou êle à Estação da Leopoldina na tarde de 23 de fevereiro de 1934 e deparou com a multidão radiante e compata que lá se encontrava.

Tôda a atividade comercial, industrial e profissional da cidade paralisara naquela tarde para que o povo petropolitano comparecesse à Estação e dissesse seu “muito obrigado” ao deputado federal por Pernambuco dr. Solano Carneiro da Cunha.

Que fizera, porém, êsse cidadão para merecer tamanha honraria?

O deputado, de iniciativa própria, apresentara à Constituinte de 1934, uma emenda constitucional, determinando que Petrópolis fosse anexada ao Distrito Federal para formação do Município Neutro, cuja séde seria a nossa cidade.

A espontaneidade do gesto mexeu com os nervos do petropolitano que passou logo a agir em favor da idéia. Uma comissão composta por Artur Barbosa, Plinio Leite, Newton Land, Antonio Noronha, Aristides Mascarenhas, Mário Passos, Carlos Magalhães Bastos e João Dias Carneiro foi logo constituida para tal fim.

Walter Bretz, o conservador austero, adere à idéia e lança veemente proclamação a seus conterrâneos.

Foi, portanto, em meio febril que o deputado Solano Carneiro da Cunha, convidado a visitar Petrópolis, desembarcou na Estação da Leopoldina, às quinze horas e quinze minutos do já referido dia 28 de fevereiro de 1934. Para bem avaliar-se o que foi a recepção proporcionada ao legislador pernambucano, será suficiente ler-se o que, sôbre ela, Walter Bretz, de ordinário tão comedido em suas expressões, escreveu: “Jamais assistiu-se aqui a um espetáculo dessa ordem. Milhares e milhares de pessoas de tôdas as classes sociais, desde as mais elevadas às mais modestas, solidárias no sentimento de renderem sua homenagem ao deputado Solano Carneiro da Cunha, representante egrégio da gloriosa terra pernambucana Y Constituinte.”

De fato, a opinião unânime era que nunca tinha havido, até então, uma manifestação como aquela.

E tudo porque um deputado, espontâneamente, se lembrara de Petrópolis para capital do país! …

“Em qualquer parte em que esteja, onde quer que vá trabalhar, jamais me esquecerei de que, se sou brasileiro, sou também petropolitano” – foram as palavras com que finalizou Yedo Fiuza seu discurso, ao agradecer, em 16 de novembro de 1934, o título petropolitano que acabara de lhe ser entregue.

O trabalho parara, naquele dia, em Petrópolis, para que a população, em praça pública, demonstrasse a Yedo Fiuza o quanto lhe era agradecida pelo muito que fizera, durante quatro anos, à testa da Prefeitura.

O comércio, a indústria, os sindicatos, as bandas de música, o Juiz de Direito, o Promotor Público, o comando do 1º B. C., o Delegado de Polícia, o Vigário, a Associação Petropolitana de Esportes, os clubes esportivos, os colégios, a Escola de Música Santa Cecília, as sociedades beneficentes, os motoristas de praça, as emprêsas de ônibus, enfim, tôda a comunidade petropolitana, numa unanimidade impressionante havia aderido à manifestação.

Em consequência, em frente à Prefeitura, onde se realizou a cerimônia da entrega do título de cidadão petropolitano, reuniu-se incalculável multidão, a maior que fôra vista na cidade.

O coração petropolitano bateu mais forte, naquele dia. E bateu de gratidão, pura gratidão!

7 – Conclusão

Aí tendes senhores e senhoras, o relato de alguns acontecimentos históricos ocorridos durante quase um século, capazes de revelarem, ao nosso ver, o verdadeiro feitio moral do nosso povo. Através dêles, pudemos ver como o petropolitano, de ordinário, tão calmo, é violento quando se exalta. Vimos seu bairrismo, seu civismo, seu patriotismo. Vimos suas alegrias, suas tristezas. Vimos, finalmente, sua grande, sua imensurável bondade.

Podeis fazer, vós mesmos, portanto, o julgamento do caráter do povo da nossa terra.

De nossa parte, estamos plenamente convencidos de que o petropolitano não é, em absoluto, o povo frio e triste que se quer fazer crer.

É um povo normal, com suas bondades e seus defeitos.

Um povo igualzinho ao de todo o Brasil!

Nossa peregrinação pelo passado foi longa e cansativa. Mas, para vosso sossêgo, está terminada.

Quiséramos que a nossa palavra fôsse fácil, a pena brilhante e a autoridade de historiador igual, pelo menos, á de tantos de nossos companheiros de Instituto, para que vos houvesse proporcionado uma palestra à altura da magnitude desta sessão.

Mas cada um dá o que tem, e isto que aí está foi tudo o que conseguimos reunir.

Poderá não ser, como acreditamos, grande coisa; valham-nos, no entanto, o esfôrço dispendido e a intenção de fazer coisa útil.

E concluindo, nada mais expressivo do nosso esfôrço, do que a pergunta que nos fez a espôsa, um dêstes últimos dias, quando, em meio a terrível papelada, após semanas e semanas de intensa atividade, ultimávamos nosso alentado trabalho:

– Mas foi você mesmo, por livre vontade, que quis fazer essa conferência?