O LICEU DE ANGRA DOS REIS

Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima

Somos um país sui generis e bastante paradoxal. Contrariando velho brocardo jurídico, quase sempre podemos o mais e raramente o menos. Tivemos uma Escola de Belas Artes, antes de termos um ensino primário regular e uniformemente disseminado.

Na colônia, éramos proibidos de saber, de publicar periódicos, de editar livros. A Universidade era para uns raros privilegiados e estava bem distante da bolsa comum. Para chegar lá, era preciso atravessar o oceano, acercar-se do Mondego e subir a colina de Coimbra.
O veterano e austero edifício coimbrão, mais parecia um castelo, sobranceiro ao burgo. Fortaleza inexpugnável, a não ser para uns poucos ungidos pela fortuna, ou por uma parcela do direito divino, privativo dos reis.

Independentes, no grito e no papel, tivemos duas faculdades, já no fim dos anos vinte do século XIX. Mas o ensino primário seguia uma choldra e o secundário era uma nebulosa.

Alcançamos, nós fluminenses, o status de província, em 1835, desligados que fomos do chamado Município Neutro da Corte.

Em 1839, governava o nosso torrão, Paulino José Soares de Souza, grande prócer do Império, tronco de frondosa árvore de ilustres conterrâneos.

A 13 de abril daquele ano, último da Regência, ele sancionava a lei de nº 143, que no seu artigo 1º, rezava:

“O Seminário de Jacuecanga fica ereto em liceu provincial.”

Dava-se assim um passo gigantesco na implantação do ensino secundário na Província do Rio de Janeiro. Jacuecanga, pertencente ao município de Angra dos Reis, tinha assim a glória de tornar-se berço dessa iniciativa pioneira.

As cadeiras, da nova instituição de ensino, vinham discriminadas no artigo 2º da lei em apreço: primeiras letras e gramática portuguesa, gramática latina, grego, francês e inglês, retórica e poética, filosofia racional e moral, matemática, geografia e história.

O artigo 15 da lei 143 dizia que o liceu seria transferido o mais breve possível, de Jacuecanga para Angra dos Reis, ficando o Presidente da Província autorizado a localizá-lo no Convento de São Bernardino.

Para sair da utopia do texto legal para a dura realidade de uma província carente de tudo, apesar dos vultosos lucros propiciados pela cultura cafeeira, o liceu angrense teve que gramar penoso caminho. O convento de São Bernardino era apenas uma promessa difícil de ser realizada.

João Caldas Vianna, no seu relatório à Assembléia Provincial de 5 de março de 1843, com a sua costumeira franqueza, muita vez até contundente, assim se houve ao abordar o tema em estudo:

“O Liceu de Angra dos Reis, continua em cinco casas térreas e contíguas, local impróprio, sobre cuja transferência para edifício apropriado ao estabelecimento, cumpre que providencieis. A única participação que tive de seu diretor, foi um ofício em que ele me pedia providências para se poderem realizar os exames dos alunos que o freqüentaram o ano findo, porque os professores do liceu lhe haviam declarado que não se achavam habilitados para examinarem os examinandos, senão nas matérias próprias de suas cadeiras, não tendo conhecimentos nas das outras.”

Já Aureliano Coutinho, no seu relatório de 1º de maio de 1846, mostrou-se mais otimista com relação ao liceu angrense, nessa altura funcionando no convento de São Bernardino, apesar do precário estado de suas instalações.

Em 1845, haviam freqüentado o liceu 100 alunos, dos quais 34 internos e 66 externos; 20 aprovados plenamente e 9, simplesmente. Dos primeiros, 4 eram de Angra, 7 de Mangaratiba, 6 do Bananal (SP), 1 de Piraí, 1 da Côrte e 1 da Província de São Pedro do Rio Grande. Isto valia dizer, que o Liceu em estudo marcava presença na sua região, na medida em que atraia alunos dos municípios vizinhos, inclusive os da serra acima, ou seja do Vale do Paraíba, fluminense e paulista.

Mesmo assim, Aureliano advogava a tese da mudança do educandário angrense para a capital da província.

O decreto nº 427, de 1º de junho de 1847, determinava que o capelão do Liceu Provincial de Angra dos Reis seria considerado empregado de primeira categoria.

A ele competia dizer missa para os alunos e empregados do liceu nos domingos e dias santos; dar lições de religião duas vezes por semana; preparar os alunos para confissão e comunhão; conservar e guardar os vasos e objetos sagrados; visitar na enfermaria os alunos e empregados enfermos; ter a seu cargo a biblioteca do liceu.

E ele ganhava de ordenado quinhentos mil reis anuais.

Em dezembro de 1849, a Província do Rio de Janeiro ganhava abrangente regulamento da Instrução Primária e Secundária. Nele havia um capítulo especial dedicado aos liceus.

Este capítulo repetia muita vez aquilo que já ficara consignado num outro regulamento, editado a 30 de dezembro de 1842 e que dizia respeito em caráter específico ao liceu de Angra dos Reis, já que na altura era o único existente na província.

O estatuto de 14 de dezembro de 1849, abrangendo então os liceus de Angra, Campos e Niterói, falava dos concursos para habilitação dos professores, da administração desses estabelecimentos, das matrículas nos mesmos, das férias, exames e prêmios, da economia e da polícia.

Darrigue Faro, no relatório de 1º de março de 1850, foi abundante no concernente ao Liceu de Angra dos Reis.

Fez uma restropectiva histórica da Casa. Encontrou sua origem no afamado seminário de Jacuecanga que comparou ao Caraça, em Minas Gerais, ajuntando que aquele seminário, sempre fora freqüentado com proveito por razoável contingente de alunos, “contando em 1838, afora os externos, setenta e dois internos e entre estes, oito moços pobres”.

Isto traz a certeza de que o estabelecimento de Jacuecanga, não foi somente o espaço físico em que se abrigou o Liceu de Angra dos Reis, no seu alvorecer, mas a base intelectual que alicerçou a nova unidade de ensino na Província do Rio de Janeiro.

Mas, ao chegar à tona dos acontecimentos, Darrigue Faro não teve como esconder que o liceu de Angra, apresentava na altura “decadência notável”. E trouxe os dados:

“Em 1848, somente aproveitaram das matérias ensinadas e, isso mesmo, irregularmente, 8 discípulos; e em 1849, apenas 5; de sorte que o termo médio anual, que na proporção de 9 anos desde 1839, inclusive, até 1847, havia sido de 19 discípulos aprovados, desceu a ser de 17 na proporção de 11 anos, incluindo estes dois últimos de 1848 e 1849.”

E para estribar melhor os números expostos, valeu-se do que lhe relatara o diretor do liceu em dezembro de 1849:

“não houve exame do 1º período, porque o professor respectivo oficiou-me, que não tinha nenhum para dar, porque dois que podiam ir a exame, deixaram meses antes de freqüentar a aula. Das outras matérias que se ensinam no liceu, não houveram lições porque seus lentes estão doentes com licença e a cadeira de matemática está vaga.”

Fulcrado em tão negativos elementos, arrematou Darrigue Faro:

“Eis aqui, Snrs. Revelada a miséria do estado da instrução neste liceu; não houve uma só lição de retórica, nem de filosofia, nem de geografia e história; – limitou-se o curso anual a latim e francês, para vantagem de cinco meninos e as primeiras letras, para a de nenhum; – sendo de notar que outra escola primária que há em Angra, foi freqüentada no mesmo tempo por um número crescido de discípulos.”

Por causa de tantos descalabros, a presidência da província nomeou uma comissão para o exame das causas do fracasso do liceu angrense na virada dos anos quarenta para cinqüenta do século XIX.

No lacônico relatório de Luiz Pedreira do Couto Ferraz, apresentado em 3 de maio de 1853, consta que o Liceu de Angra havia perdido muito com a ausência de seu diretor o Cônego Lourenço Vieira de Souza Meireles, que teve que demitir-se do cargo pelo fato de ser empregado na Corte, não podendo permanecer por mais tempo fora de sua repartição.

Mas Couto Ferraz atestava que em 1852 o liceu tivera 45 alunos, o que era uma notícia alviçareira se comparada com triste relato de Darrigue Faro.

O Presidente Luiz Antonio Barbosa, em 2 de maio de 1854, deixou consignado que no ano anterior haviam sido examinados e aprovados no liceu de Angra 16 alunos, sendo 2 internos e 14 externos. E, em 1854, havia 32 matriculados em diversas aulas.

O Padre Agostinho de Mattos Rocha estava envidando esforços para tirar o liceu da modorra em que se encontrava, no que era auxiliado pelos professores.
No ano seguinte, o estabelecimento contava 21 alunos, sendo 8 internos e 13 externos.

Como se vê, por mais esforços que fossem dispendidos por alguns abnegados, a instituição angrense não conseguia sair do atoleiro, apresentando resultados que a bem da verdade não justificavam a sua existência, apesar de atender ele não só ao sul da província, mas ao vale do Paraíba paulista.

Em 1855, Luiz Antonio Barbosa mandou suspender as matrículas no liceu, mantendo-se esse status até 1857, atestando o Presidente, na altura, que a casa onde se localizava o liceu não oferecia as comodidades necessárias, estando os móveis a exigirem completa reforma. E arrematava enfático:

“Seria vantajoso obter para o liceu o convento dos franciscanos, o qual, com um dispêndio calculado em 12:000$000, prestar-se-á perfeitamente a esse fim, segundo as informações existentes. Tendo-me dirigido ao respectivo provincial a tal respeito, não tive até agora solução.”

Honório Lima na sua “Notícia Histórica e Geográfica de Angra dos Reis”, 2ª edição, 1972, à pag. 171, explica, que o Liceu, ao sair do Seminário de Jacuecanga, esteve algum tempo numa casa à rua Santa Luzia, passando depois ao Convento de São Bernardino e, em seguida, “sem motivo explicável”, funcionou em três casas à rua de São Bento.

O mesmo informante, na obra citada, cuja primeira edição é de 1889, atesta que o Liceu foi extinto por ato do governo provincial a 30 de abril de 1858.

Nota 1 – Honório Lima na sua “Notícia” certifica que o “monumental Convento de São Bernardino de Sena” foi construído pelos franciscanos em 1753. Fora a igreja, tem 48 metros e 38 de fundos. No fim do Império, quando escreveu o texto a respeito do edifício em exame, já estava ele em ruínas, embora as paredes, grossas e muito resistentes não apresentassem qualquer fissura.

Em 1883, Lima propusera ao governo da província que ali fosse instalado um depósito de menores, não tendo obtido qualquer sucesso na sua investida.

Quando conheci o convento em 1957, encontrei-o arruinado sim, mas imponente na solidez de suas austeras muralhas, sobranceiras ao burgo ainda pacato, pois ainda não havia a Rio-Santos nem as usinas nucleares.

Nota 2 – Thalita de Oliveira Casadei, em o nº 1, ano V, do boletim do Ateneu Angrense de Letras e Artes, às págs. 47/52, escreveu artigo sobre o Liceu de Angra dos Reis. Fê-lo, entretanto, abordando temas curriculares.