UMA CONTROVÉRSIA – O MASSACRE DOS INDIOS PURIS DE RESENDE, ITATIAIA, PORTO REAL, QUATIS, BARRA MANSA E VOLTA REDONDA ETC ???

Cláudio Moreira Bento, Associado Correspondente

Em Ecos das comemorações dos 200 anos de Resende divulgado pelo Portal Agulhas Negras da Resenet, no item Questões controversas contestávamos a versão de terem sido massacrados índios puris pelos primeiros habitantes dos municípios que um dia integraram Resende. Contestação com apoio na análise das fontes históricas em que apoiamos nosso ensaio Os puris da vale do Paraíba fluminense e paulista in: Migrações do Vale do Paraíba. São José dos Campos: UNIVAP, 1994, que publicou os Anais do XII Simpósio de História do Vale do Paraíba, promovido pelo IEV. Trabalho republicado pela Academia Itatiaiense de História (ACIDHIS), em Volta Redonda: Gazetilha, 1995. Tese que reproduzimos na revista Resende 200 anos editada pela CAT Editora etc. Trabalhos que sugerimos ao leitor e pesquisador interessados no tema que os consultem.

Estudo básico este, para contestar o que afirmou em 1a mão Joaquim Norberto de Souza e Silva em sua Memória documentada das aldeias de índios da Província do Rio de janeiro, a p. 207 do n. 14 da RIHGB, ano 1854, p.71/230 e que completou no n. 15 do citado ano. Memória que apresentou na Sessão Magna do IHGB de 15 dez 1852. Aliás magnífico trabalho em seu conjunto .

Fonte de 2a mão, não calcada em fontes históricas, como se verá e na qual buscou apoio o Dr. João Maia, em seu excelente e basilar livro Do Descobrimento do Campo Alegre até a criação da Vila de Resende e a p. 15, de sua 2a edição para afirmar :

“Á peste de bexigas (varíola) levada ao seio das tabas dos Puris, como meio eficaz para reduzí-los “. (eliminá-los).

Eis o trecho de Joaquim Norberto cuja fidedignidade constestaremos: ‘” O ousado Sargento–mor Joaquim Xavier Curado, depois general e Conde de Duas Barras, transportando-se aos campos infestados de Puris, formou um corpo (tropa militar) com seus moradores” (de Resende atual). E completa com uma consideração imprudente para um historiador e gravíssima por não comprovada;

“Ainda hoje (1852) se relata à tradição, as maiores atrocidades cometidas em vingança contra os atentados dos índios ( puris? botocudos ? Ou puris e botocudos ? ) e acusa a peste das bexigas (varíola) levada ao seio das tabas puris como um meio eficaz de reduzi-los ( elimina-los ). O horror de tão negras cenas presenciaram os moradores do Paraíba (rio Paraíba ou Paraíba Nova atual Resende) cuja torrente caudalosa, arrastava quotidianamente (diariamente) os hediondos cadáveres das míseras vítimas .”E foi nesta fonte que o Dr. João Maia buscou apoio para afirmar em seu citado livro a p.15, 2a edição:

“A peste das bexigas (varíola) levada aos seio das tabas dos puris como meio eficaz para reduzi-los” (eliminá-los).

E, ainda, apoiado, na grave e imprudente afirmação de Joaquim Norberto escreveu cheio de dúvidas pela genérica referência do autor citado: “Não havendo certeza do lugar, ou lugares, onde seu deu a carnificina, deve-se crer que fosse em algumas barrancas do Paraíba, junto ao povoado da freguesia” (Resende atual).

Joaquim Norberto se referiu genericamente à tradição sem apontar nenhum caso concreto a ser investigado em outras possíveis fontes documentais. E tradição não se constitui fonte histórica, ainda mais quando fontes primárias existentes, como o Relatório de passagem do governo do vice-rei D. Luiz de Vasconcellos ao Conde de Resende que menciona a pacificação de Resende pelo Capitão Curado, e que é manipulado por Joaquim Norberto, como se verá, não autoriza a sua grave insinuação, na qual buscaram apoio a maioria dos escritores e historiadores resendenses que temos registrados em nossos arquivos e que acreditam no massacre dos puris pelos primeiros povoadores do sul fluminense e o divulgam.

E Joaquim Norberto continua manipulando a fonte primária produzida pelo vice-rei D. Luiz sem ao menos publicá-la ao final, no n. 15 da citada RIHGB, entre as 100 fontes primárias que transcreve:

“Que este valente oficial (Capitão Curado e Sargento Mor em Comissão) e citando do relatório de D .Luiz “conseguiu afugentar (espantar, desorganizar) os rebeldes fora do sertão (do Campo Alegre) circunvizinho, por ter recorrido aos meios só capazes de os aterrar .”

Aterrar significa pelo Aurélio: meter medo, amedrontar, apavorar e, não, matar ou eliminar .

E prossegue Joaquim Norberto insinuando que Curado se traiu ao falar que só recorreu aos meios capazes de os aterrar. Trecho aliás do vice-rei e não de Curado:

Atraiçoando-se (traindo-se) Curado igualmente nas palavras que manifestam grandes combates e assaltos etc que se deram quando ajunta (se refere) E foi o vice-rei que escreveu”: “Que o corpo formado por moradores (de Resende atual e municípios que dela se desmembraram) se fez respeitado em muitas e repetidas ocasiões e lugares em que se praticaram aquelas irrupções (incursões).

Joaquim Norberto atribui a Curado palavras constantes do Relatório de passagem do governo do vice-rei D.Luiz ao Conde de Resende, de 20 ago 1789, e que repetimos, Joaquim Norberto não o publicou este documento, entre os 100 que transcreveu ao final no n. 15 citado.

Já Alfredo Pretextado Maciel da Silva em Generais do Exército Brasileiro, Rio de Janeiro: Imprensa Militar 1905 … assim interpretou a missão do Capitão Curado com apoio no Relatório citado de D. Luiz para o Conde de Resende e que consultou:

“No governo do vice-rei D. Luiz de Vasconcellos e Souza (1779-1790), partiu do Rio de Janeiro para por-se a testa dos moradores do sertão da Paraíba Nova (atual Resende), …… com o fim de reprimir com o maior rigor, antes que fizessem mais prejudiciais, as irrupções (incursões) que faziam nos referidos sertões (sertão do Campo Alegre) uma horda de índios bravios (puris? botocudos ? aimorés ? ou botocudos e puris e aimorés ?), assolando fazendas que saqueavam, atacando e matando a todos que infelizmente lhes caiam em mãos. (Não existem registros desses assassinatos, teriam existido mesmo? Teriam os puris, comportamento que contrasta com as mais fieis fontes primárias sobre eles que abordamos na citada obra publicada pela UNIVAP). E prossegue Pretextato com apoio no relatório de D. Luiz: “De modo que a maior parte dos fazendeiros que tinham seus estabelecimentos ao norte do rio (margem esquerda do Paraíba, lado da AMAN), os abandonaram, por não serem suas forças capazes de se lhes fazer frente, o que permitia a esses índios passarem para o lado oposto do Paraíba (margem direita onde teve início Resende) onde continuaram as suas hostilidades e depredações. Conseguiu o dito Xavier Curado salvar os fazendeiros e moradores sem nenhuma opressão (o grifo é nosso) e, restabeleceu a tranqüilidade de que estavam (os resendenses) privados, com toda a prudência e moderação (o grifo é nosso) empregando um corpo de tropas que formou de diversos moradores (de Resende) para as diligências que se fizessem necessárias, para rechaçar (repelir, espantar e não matar) os que se tornaram indomáveis, o que o fez respeitado em diversas ocasiões e lugares em que se praticaram aquelas irrupções (incursões que Joaquim Norberto interpretou exageradamente, como grande combates, assaltos etc). E ainda apoiado no vice-rei D. Luiz refere “e sem fazer estragos (o grifo é nosso) por ter recorrido aos meios só capazes de os aterrar (meter medo, amedrontar, apavorar, aterrorizar e, não, matar ), sempre conseguiu afugentar (não matar) os rebeldes, fora do sertão circunvizinho (sertão do Campo Alegre, hoje Resende, Itatiaia, Porto Real, Quatis, Barra Mansa, Volta Redonda etc) donde não mais apareceram e congregou (reuniu ) os dispersos que não duvidaram (se recusaram) a formar uma nova aldeia no local que habitavam – o Minhocal, onde por longos anos se conservaram sob a ação inteligente do padre Henrique José de Carvalho.” (pároco de Resende por 22 anos, 1767-1789). Enérgico que recrutou e acompanhou a força organizada com resendenses posta a disposição de Curado e que absolutamente não concordaria com o massacre e se tivesse ocorrido denunciaria e registraria.

Em relatório do padre Francisco Chagas Lima, em 1801, fundador de Queluz, a mais fiel fonte sobre os puris do Campo Alegre, e com quem conviveu e reproduzida pelo grande historiador valeparaibano Paulo Pereira Reis, em seu trabalho Os Puris de Paicarée que reproduzi no citado trabalho sobre os puris publicado pela UNIVAP, escreveu o culto padre a certa altura:

“…Não se conhecia fato algum de um puri que haja matado um branco. Quando os brancos embrenhavam-se na mata para colher a planta medicinal poaia, ao encontrarem os puris estes se punham a correr, arriscando-se furtivamente a apanharem para seus usos as ferramentas dos brancos. O próprio nome puri significava na língua deles gente mansa ou tímida .”

Como se vê não procede a tradição de ferocidade, periculosidade dos puris e até de canibalismo que vez por outra se depara em estudos fantasiosos, como a justificar o combate e mesmo tolerância no extermínio dos mesmos.

Creio que a organização de força em Resende para afugentar indios bravios se deva a incursões de índios botocudos vindos de Minas Gerais e que agrediam brancos e periodicamente os puris.

O Governador de São Paulo Diogo de Vasconcellos, em carta de 13 out 1775 descreveu os puris “como índios tímidos, medrosos e covardes, não havendo o que temer deles.”

O pároco de Resende padre Carvalho, pouco antes informar ao citado governador sobre os puris que habitavam os atuais municípios de Resende, Quatis, Itatiaia, Barra Mansa e Porto Real etc

“O local é dos mais infestados de Puris. Peço recomendar ao padre Oliveira que cuide da redução dos mesmos, quando andar pelo local ou estiver em sua fazenda alí. E, que em sua ausência faça a mesma recomendação aos seus empregados e escravos para que não os maltratem e pelo contrário, quando aparecerem por lá lhes façam sinais de paz e de amizade.”

Creio que nossa argumentação com apoio em fontes primárias seja suficiente para anular com apoio na História, como instrumento Verdade e Justiça, o mal que causa a injusta, vaga e imprudente afirmação de Joaquim Norberto e que ganhou injusta credibilidade:

“Ainda hoje (1852) se relata à tradição, as maiores atrocidades cometidas em vingança contra os atentados dos índios e acusa a peste das bexigas levada ao seio das tabas puris como um meio eficaz de reduzi-los. O horror de tão negras cenas presenciaram os moradores do Paraíba cuja torrente caudalosa, arrastava quotidianamente os hediondos cadáveres das míseras vítimas .”

Esta interpretação com apoio no ouvi dizer, sem indicação precisa, não faz justiça e honra aos primeiros povoadores dos atuais municípios de Resende, Itatiaia, Porto Real, Quatis, Barra Mansa e Volta Redonda, aos vice-reis citados, ao governador de São Paulo, aos párocos de Resende da época e ao Marechal Joaquim Xavier Curado, Um filho de Goiás herói da integridade e da Independência do Brasil, título de reportagem de nossa lavra, publicada, em 13 abril 1972 na Folha de Goyaz–GO, e transcrito nos Anais da Assembléia Legislativa de Goiás. Personagem que liderou no Campo de Santana as tropas brasileiras que ali se reuniram para assegurar a permanência do príncipe D. Pedro no Brasil, evento histórico consagrado como o Dia do Fico . Se não contestado Joaquim Norberto é de se esperar que um dia algum maluco afirme o pioneirismo de Resende no uso da Guerra Bacteriólogica para combater índios puris. Como o fez Ricardo Boechat no Jornal do Brasil de 19 outubro 2001 com Caxias. E, mais, que a Rainha do Café Maria Benedita Gonçalves não seja filha de uma índia puri Ana Maria de Jesus etc. Aguardo o envio de fontes primárias nos contestando?