AS PRIMEIRAS BATALHAS ELEITORAIS EM PETRÓPOLIS

Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima

Quando Petrópolis se preparava para enfrentar suas primeiras eleições municipais, de modo a ingressar na vala comum das comunas fluminenses em pleno século XIX, a Câmara Municipal de Vassouras levantava a bandeira em busca de um pouco de arejamento na administração dos municípios da Província.

Era uma tentativa que, no entanto, não encontrou receptividade nos meios políticos da época e que só lograria êxito depois de consolidada a República.

Augusto Emílio Zaluar, sob o título “O Elemento Municipal”, deu conta do arroubo vassourense, na edição de 10 de janeiro de 1858 de “O Parahyba”. Vejamos os lances mais significativos dessa matéria:

Tratava-se de um ofício dirigido pela Câmara de Vassouras a todas as demais câmaras fluminenses, solicitando o empenho de cada uma no sentido de obter-se dos poderes provinciais e centrais a municipalização dos impostos da décima urbana, patentes de aguardente, contribuição de polícia e consumo de gado.

Cada um desses impostos, dizia Zaluar, “merece uma discussão séria, para provar-se a necessidade e conveniência de sua municipalização e essa discussão terá sem dúvida lugar mais tarde em nossas colunas”.

O articulista, de certa forma, agitava a questão da autonomia municipal, que uma década mais tarde seria um dos postulados fundamentais da propaganda republicana. E cobrava o afastamento da política, ou melhor, dos interesses e das manipulações dos políticos, da administração dos municípios. A vida municipal não deveria estar ao alcance das barganhas dos grupos em disputa do poder nas esferas provinciais e nacionais.

“Os interesses que as Câmaras Municipais são chamadas a promover, são de natureza a repelirem qualquer ingerência do político na sua direção e, tanto embaraço tem este achado em tomar assento nas cadeiras dos vereadores, que ciosa de tudo quanto possa ser utilizado em favor de seus manejos, lhes tem sorrateiramente cassado todos os mais importantes direitos, deixando-os quase reduzidos a simples administradores de obras, para as quais não há fundos”.

E mais adiante:

“… o que se quer é que o elemento municipal reganhe a ação que lhe compete”.

A primeira Câmara a dar respaldo às postulações da de Vassouras foi a de Paraíba do Sul.

Mas, apesar de tanto esforço, fosse na tribuna, fosse na imprensa, fosse nas trincheiras da burocracia, o marasmo e a politicalha impuseram-se cada vez mais sobre as velhas comunas fluminenses. E a essa contaminação não escaparam os novos municípios, entre eles o de Petrópolis, que de cavalo, graças ao bafejo direto da Casa Imperial e aos impulsos dados pela Diretoria da Colônia, passaria a burro, com sua Câmara de fantoches tutelada pela Assembléia Provincial e varrida de quando em vez pelos vendavais da politiquice.

Já as primeiras eleições no novo município seriam marcadas por insidiosas maquinações anulatórias. A má vontade que presidira a elevação de Petrópolis à categoria de cidade haveria de fazer-se presente na condução do processo eleitoral. Tudo indicava que havia uma intenção deliberada de retardar a efetiva instalação do poder local na recém-criada comuna.

Recebendo foros de cidade a 29 de setembro de 1857, já a 22 de novembro davam-se as eleições em Petrópolis.

O Império era medularmente unitário e por conseqüência centralizador. Das mãos de S. Majestade saiam sempre as últimas e definitivas penadas.

Assim, a 2 de junho de 1858, por resolução imperial, a eleição municipal de Petrópolis foi anulada.

A 12 daquele mesmo mês, o Ministério dos Negócios do Império expedia o seguinte ofício dirigido ao Presidente da Província do Rio de Janeiro:

“Ilmo. E Exmo. Snr. – Foi ouvida a seção dos Negócios do Império do Conselho do Estado sobre o ofício de V. Excia. Nº 79 de 29 de dezembro do ano passado e documentos que o acompanharam relativos a irregularidades praticadas nas eleições de vereadores que tiveram lugar em novembro do dito ano, nas paróquias de São Pedro de Alcântara e de São José do Rio Preto, pertencentes à nova cidade de Petrópolis e cuja apuração foi feita pela Câmara Municipal da Vila da Estrela, de conformidade com a legislação em vigor e para a execução da lei provincial nº 961 de 29 de setembro do mesmo ano, que criou aquela cidade; e S. M. o Imperador, conformando-se, por sua imediata resolução de 2 do corrente mês, com o parecer da referida seção, exarado em consulta de 23 de maio último, houve por bem anular a eleição da Paróquia de São José do Rio Preto, pelas irregularidades que contra ela se alegam e por não se terem guardado as formalidades exigidas pela lei no seu processo, omitindo-se nas atas as declarações que a mesma lei prescreve como substanciais, para provada observância das disposições garantidoras dos direitos eleitorais; e ordena que se proceda a nova eleição, não só na sobredita paróquia, como também na outra de São Pedro de Alcântara, cuja eleição, conquanto seja válida, não pode, contudo, subsistir, visto que, sendo essas paróquias as únicas do município, podem os votos da de São José do Rio Preto, por poucos que sejam, influir no resultado da eleição municipal. O que comunico a V. Excia., para o seu conhecimento e para que nesta conformidade expeça as ordens convenientes. Deus guarde V. Excia. – Marquês de Olinda”.

O Presidente da Província, Antonio Nicolau Tolentino, com base do documento acima, expediu este ofício em 18 de julho de 1858:

“Envio à Câmara Municipal da Vila da Estrela, por cópia, o incluso aviso do Ministério do Império de 12 do corrente, pelo qual se declara nula a eleição para vereadores da Câmara da nova cidade de Petrópolis, que teve lugar no dia 22 de novembro, nas paróquias de São José do Rio Preto, e de São Pedro de Alcântara, daquela cidade e, pelas irregularidades que contra elas se alegam, por não se terem guardado as fórmulas exigidas pela lei; afim de que esta Câmara, em obediência a este aviso e de conformidade com o que lhe foi ordenado em portaria de 9 de outubro do ano próximo findo, expeça as suas ordens para que tenha lugar a nova eleição no dia 7 de setembro do corrente ano, que marco para esse fim. Antonio Nicolau Tolentino”.

Comentava-se a boca pequena que a Estrela, vila medíocre, fadada ao fracasso e à ruína, procurava emperrar o legítimo processo de instalação do município de Petrópolis.

Remígio de Senna Pereira verberava pelas páginas combativas de “O Parahyba”, na edição de 2 de setembro de 1858:

“É injustificável o procedimento da Câmara Municipal da Estrela a respeito da eleição de Petrópolis, que foi marcada para o dia 7 do corrente, pela presidência da Província.

O fato de não ter ela até hoje oficiado neste sentido, em conformidade das ordens superiores, deu já lugar a uma anomalia, que não será, aliás, um vício insanável na eleição, se não se derem outros menos justificáveis.

O primeiro Juiz de Paz de Petrópolis, a quem compete por lei fazer a convocação dos votantes e presidir a eleição, eximiu-se de proceder àquela, por não ter recebido a este respeito comunicação oficial da Câmara da Estrela; e o terceiro juiz em exercício, para não deixar passar o prazo de trinta dias marcado para a convocação antes do dia da eleição, tomou a resolução de fazê-la, publicando os competentes editais.

A obstrução do primeiro juiz é muito curial e não pode, em boa razão, ser criminada; e a prevenção do terceiro em exercício, não deixa de ser muito sustentável, porque a ela dever-se-á a eleição do dia 7, que não teria lugar, se para se fazer a convocação dos votantes, se esperasse ainda que a Câmara da Estrela cumprisse as ordens do governo da Província.

A esta anomalia e a tudo quanto possa ainda dar-se com prejuízo da procedência da eleição municipal de Petrópolis, não se pode assinalar outra causa se não a incúria da Câmara da Estrela, à qual atribui-se geralmente má vontade a Petrópolis, por ter de ficar independente daquela vila, depois de sua definitiva elevação à categoria de cidade.

Nesta situação adrede criada por u’a mão oculta e infensa à idéia da elevação de Petrópolis, cumpre aos habitantes desta cidade esforçarem-se por não dar pretextos à malícia, que não trama outra coisa que perpetuar a situação de Petrópolis em dependência da Estrela.

Como dissemos, a abstenção do primeiro Juiz de Paz é tão justificável e curial em suas causas, como é sustentável em seus efeitos a prevenção do terceiro.

Esta anomalia, se o é à vista de certas disposições eleitorais, poderá ser, quanto muito, uma simples irregularidade, um pecado venial, mas nunca um vício insanável que possa determinar a não validade da eleição, se não se derem outros, repetimos, que justifiquem a sua anulação.

Isto é o que importa agora prevenir para não dar pretextos à má vontade; e para este fim, cumpre que haja uma conciliação entre as dissidências, que faz nascer o mau propósito da Estrela, que não valendo Petrópolis, não se pode conformar com a sua emancipação, hoje inevitável.

O que importa é que a eleição se faça regularmente e sem conflitos que provoquem a sua anulação; e para esse fim, cumpre que os juizes de paz mais votados, concorram para presidir o ato, fazendo calar as suas susceptibilidades mais ou menos feridas pelo fato consumado”.

Convenhamos que toda essa história é mesquinha, barata e até repugnante. Como sempre, prevalecia a mentalidade de quintal, a briga pelo poderzinho no vale tudo das treitas e das maquinações latrinárias.

Havia, é lógico, um perigo à vista: enquanto Petrópolis não tivesse sua Câmara Municipal regularmente eleita, reconhecida e instalada, a emancipação não passava de uma figura de retórica, já que tecnicamente não poderia haver município sem que os seus poderes estivessem de direito e de fato constituídos. Até quando suportaria a nascitura comuna petropolitana essa situação esdrúxula?

Enfim, as eleições se travaram na data aprazada e, a 12 de setembro de 1858, “O Parahyba” estampava a lista dos vereadores mais votados:

1 – Augusto da Rocha Fragoso; 2 – Albino José de Siqueira; 3 – Manoel Francisco de Paula; 4 – Thomaz José da Porciúncula; 5 – Inácio José da Silva; 6 – Henrique Kopke; 7 – Pedro José da Câmara; 8 – João Baptista da Silva; 9 – Amaro Emílio da Veiga.

Em artigo de fundo de 19 de outubro, “O Parahyba” falava do terror pânico de uns e do despeito de outros e carregava sobre a Estrela, afirmando “que a situação atual de Petrópolis, em dependência da Estrela, era a mais inconveniente, a mais prejudicial e até a mais humilhante das dependências para esta cidade”.

Realmente o quadro não podia ser pior: Petrópolis e Estrela nada tinham a ver uma com a outra, fosse em termos geográficos, climáticos, topográficos ou econômicos. Eram elementos que se repeliam naturalmente. Se a dependência fosse em relação a Paraíba do Sul, a repulsa seria bem menor e o relacionamento mais palatável. Quanto mais não fosse as duas povoações pertencem à mesma bacia hidrográfica.

Por incrível que possa parecer, essa eleição de 7 de setembro de 1858 foi também anulada por aviso do Ministério do Império de 12 de janeiro de 1859.

Um terceiro e último pleito seria convocado para 13 de março daquele ano, o qual transcorreu sem qualquer problema. Apurados os votos e validada a eleição, dar-se-ia a posse dos vereadores a 17 de junho de 1859. Finalmente, Petrópolis podia se considerar cidade de direito e de fato.

Elevada à categoria de cidade em 29 de setembro de 1857, Petrópolis em um ano já havia enfrentado duas eleições e, como curiosamente elas haviam sido anuladas, não fora possível ainda instalar-se a municipalidade, condição sine qua non para que a nova unidade fluminense ganhasse personalidade jurídica.

Não se podia afirmar ao certo porque os dois pleitos não haviam sido homologados pelas autoridades competentes. Falava-se da má vontade da Estrela; dos interessados na mantença da colônia; até na antipatia a certos nomes cotados para compor a nova câmara. Sentia-se algo de estranho no ar, mas provas irrefutáveis do que se propalava, nem uma para remédio.

O certo é que uma terceira eleição fora marcada para 13 de março de 1859.

Na edição de 10 de fevereiro daquele ano, O Parahyba estampava artigo de seu redator, Remígio de Sena Pereira, sobre o momentoso tema.

Remígio abordou de início o problema da colônia em face da criação do município. E foi muito feliz quando avançou:

“As altas conveniências nacionais que nos aconselham e recomendam a continuação dos favores com que temos favoneado o núcleo colonial de Petrópolis opõe-se por si só ao abandono e sacrifício dele, porque tanto importaria a cessação desde já da consignação votada em seu favor.

Se a nova cidade não tem direito a gozar pelo seu foral de outros recursos que os que lhe derem suas rendas municipais, também não é para ela que pedimos depois de sua inauguração, a continuação da soma consignada especialmente para a sustentação da colônia.

Além do que, o governo contraiu compromissos muito sérios para com este grupo colonial, compromissos tão onerosos e pesados para Petrópolis que ela não poderá fazer-se cargo de os cumprir com seus próprios recursos municipais nos primeiros tempos de sua existência de cidade.

… É de esperar que desta vez ao menos a nossa eleição municipal não seja anulada e neste caso não poderá ser mais adiada a realização de um desideratum que, interessa não só a Petrópolis como cidade-colônia senão também ao país, que tem necessidade de dar de si ao exterior uma idéia vantajosa de sua hospedagem à emigração para o país.”

O que o redator d’ O Parahyba tinha em mente era o amparo ao colono e à colônia em face da adequação de Petrópolis à legislação de 1828 referente aos municípios brasileiros, de modo que ganhos financeiros não fossem perdidos no momento crucial da transição, máxime ao liquidar-se e extinguir-se a Diretoria da Colônia. E como já ficou dito anteriormente, Petrópolis estaria passando de cavalo a burro e se alguém for examinar detidamente o trabalho das câmaras municipais até o fim da monarquia, vai convencer-se de que tal efetivamente aconteceu. As dotações da colônia foram superiores às que os orçamentos provinciais destinaram a Petrópolis. É só conferir. Também os diretores do núcleo colonial foram em geral mais operosos que todas as administrações municipais de 1859 a 1889, portanto em 30 anos.

Mas Remígio visualizava ainda um outro aspecto de suma importância, qual fosse a péssima propaganda no exterior, no caso da súbita decadência da colônia petropolitana em razão da nova ordem de coisas. E justo num momento crucial em que o Império do Brasil investia pesado na vinda de emigrantes para os campos ainda desolados do sul e para as lavouras do sudeste e nordeste, onde o instituto da escravidão caminharia fatalmente para o ocaso, o que se deu com maior ímpeto e evidência a partir de 1871.

São aspectos que até hoje merecem indubitavelmente reflexão e debate e que já fustigavam o espírito inquieto de Remígio de Sena Pereira antes que raiasse a década de sessenta do século XIX, antes portanto da deflagração da Guerra da Tríplice Aliança que tantas transformações causaria em nosso meio.

Acresce ainda, para melhor condimentar esse instigante tema, que Petrópolis não era somente uma colônia, insulada como tantas outras, mas também um núcleo populacional comum e corrente com a característica especial de abrigar a Corte com todos os seus comensais, áulicos e dependentes, tendo ainda um comércio bastante ativo e despertando para significativas atividades industriais.

Ferindo diretamente o problema das malogradas eleições municipais e do prometido terceiro pleito marcado para 13 de março de 1859, disse Remígio de Sena Pereira na matéria em exame:

“Uma terceira eleição anulada, fora com efeito para fazer não só desesperar a população de Petrópolis, que anseia por se ver livre da dependência da Estrela; mas ainda para descrer das intenções de um governo, que anulando nossa segunda eleição, não nos deixa apreciar as irregularidades que determinaram o seu proceder, contentando-se com dizer-nos que algumas delas importam faltas substanciais do processo eleitoral.

Em todo caso, já que o senhor Sérgio de Macedo não quis ao revez do senhor Marquês de Olinda expor à apreciação pública, com maior divulgação as causas da anulação, de nossa segunda eleição municipal, protestamos contra este sistema de não dar explicações ao povo em matéria tão sua e tratemos de evitar quanto ser possa, as irregularidades que oficialmente ignoramos e de que todavia nos recomendam fugir na eleição a que se manda proceder no dia 13 de março”.

E antes que o pleito se travasse e que o seu resultado fosse enfim conhecido e homologado, recomendava Remígio:

“A missão da primeira câmara de Petrópolis será tão breve como árdua, toda de abnegação e sacrifício, porquanto sobrarão aos seus membros ônus e trabalhos e faltar-lhes-á o tempo para gozar de dentro a satisfação do que tiverem feito em honra da nossa primeira municipalidade.

É a tarefa das mais delicadas, dos mais sinceros e mais enraizados no lugar e não dos que podem perder-lhe o amor de um instante para outro, por uma ambição pessoal mal sucedida, por susceptibilidades e ressentimentos que não poderão jamais elevar-se à altura de uma ambição desinteressada e gloriosa”.

Preconizava ainda o redator de O Parahyba que a câmara deveria ter um representante da colônia alemã, o que de fato não ocorreu e muito cedo não ocorreria, porque a Corte aplastava o elemento colonial e era o alóctone quem dava e deu por muitas décadas as cartas na política local.

Por derradeiro, Sena Pereira lançava um outro alvitre, perfeitamente lógico e cabível, mas não observado por quem de direito. Dizia ele:

“…que o senhor Diretor oficial, desvelado e conspícuo como é, seja em bem dos interesses dos membros da colônia, compreendido naturalmente nos seus escolhidos afim de se organizar o código municipal em harmonia com o regulamento da diretoria, no intuito de prevenir conflitos e marchar esta sempre de acordo com a Câmara o que se não daria com prejuízo da colônia, se não se definissem desde logo e cordatamente as suas posições, as suas atribuições recíprocas”.

Esse código municipal, ou seja o de posturas em harmonia com o regulamento básico da colônia, nunca existiu e Petrópolis, mesmo depois de desligada da Estrela, guiou-se pelo Código desta e por posturas esparsas votadas a esmo, até que um estatuto de verdade viesse a furo, em 1893, no alvorecer portanto da República.

Por outro lado, o diretor Sergio Marcondes de Andrade, em nota de 11 de março de 1859, publicada em O Parahyba do dia 13, explicava não poder aceitar a candidatura à vereança, em virtude de seus inúmeros afazeres como chefe do 7° distrito de obras e como diretor da Colônia de Petrópolis.

Frustravam-se assim os dois alvitres de Remígio de Sena Pereira, lançados já no final de sua matéria acima abordada.

Num outro artigo, publicado a 10 de março no mesmo O Parahyba, Remígio, já à véspera da terceira eleição da primeira câmara petropolitana, alertava para os perigos que poderiam trazer à nascente cidade os chamados arrivistas, se o terreno da luta eleitoral não fosse tomado por aqueles que realmente tinham interesses em Petrópolis e preocupação com os destinos do município.

Em síntese, o redator do jornal serrano cobrava mais empenho dos que aqui verdadeiramente assistiam e tinham seus negócios, fosse no comércio, na indústria ou na agricultura.

Mas ao contrário do discurso de Remígio, as aves de arribação tomaram conta desta urbe desde os primeiros momentos de sua existência como tal e, como os legítimos filhos da terra nunca se sentiram verdadeiramente donos dela, isto aqui virou ao longo dos anos pasto para toda a sorte de especulação, eterna plataforma de lançamento para aqueles que só têm olhos para o seu próprio umbigo.

Enfim, travou-se a eleição e desta vez foi para valer. A Câmara ia instalar-se a 17 de junho de 1859.

Antes disso, porém, alguns pequenos empecilhos tinham que ser removidos.

A Câmara da Estrela havia expedido diplomas aos nove vereadores eleitos, inclusive a Amaro Emilio da Veiga, que por ser militar, foi impedido de tomar posse pelo governo. Só que este deve ter-se esquecido de comunicar o fato à municipalidade da Estrela, pois, se tal tivesse ocorrido, o diploma em epígrafe não teria existido e sim o que credenciaria o suplente do Coronel Veiga.

Superado esse pequeno incidente, mais um na via crucis petropolitana em busca de sua afirmação político-administrativa, disse O Parahyba em sua edição de 16 de junho de 1859, penitenciando-se de algumas de suas investidas contra a Vila da Estrela:

“A própria Câmara da Estrela, que em nosso ardor pela emancipação, julgávamos tão infensa aos nossos interesses, é hoje nossa irmã e não sabemos a razão por que é ainda publicamente maltratada por palavras, quando é ela que vem sagrar-nos cidade.

É falta de generosidade, de urbanidade e até de senso comum. Bem disse de Brugère que o espirito de discernimento é mais raro que os diamantes e as pérolas”.

É muito fácil fazer tais conjecturas depois de passada a tormenta! No calor da briga e do disse que disse, não há espirito de discernimento que resista aos embates.

Estiveram presentes ao ato da posse, os vereadores Albino José de Siqueira, Augusto da Rocha Fragoso, Manoel Francisco de Paula, João Baptista da Silva, Manoel Candido do Nascimento Brito e Ignácio José da Silva.

Faltaram Amaro Emilio da Veiga, pelo motivo já explicado, o Dr. José Calasans Rodrigues d’Andrade, por ter mudado sua residência para Niterói e o Dr. Thomaz José da Porciúncula, por ter sido menos votado que o outro vereador com quem tinha relações de parentesco (Manoel Francisco de Paula) já que a lei eleitoral não permitia a contemporaneidade de parentes no exercício da vereança.

Num prédio da rua Paulo Barbosa, primeira sede da Câmara Municipal de Petrópolis, deu-se a solenidade da posse, com discursos trocados entre o Presidente da municipalidade da Estrela e o da desta urbe, Albino José de Siqueira.

Houve “Te Deum”, recepção no Hotel Bragança e baile popular no mesmo local, como complementos das festividades que marcaram aquele histórico dia 17 de junho de 1859.

Fechava-se ali o círculo de fogo que envolvera Petrópolis durante mais de dois anos, pela sua ousadia de pretender figurar um tanto prematuramente, entre as comunas fluminenses.