PETRÓPOLIS … SÓ!

Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima

Vinte e quatro de junho, dia consagrado a São João! Nesta urbe não há razões para que se soltem foguetes. Ou haverá?

A capital do Estado nestas serras, agoniza.

Para os perdigueiros da História, que do tema trataram, sem os devidos e necessários aprofundamentos críticos, ao invés de alvíssaras, o mais trevoso de profundis.

Mas será mesmo que a volta da capital fluminense ao seu antigo ninho, chancelada pela Assembléia Legislativa naquele ano da graça de 1902, representava tanta desgraça assim para Petrópolis?

O certo é que tanto os prós como os contras desse movimento serra abaixo nunca foram suficientemente esclarecidos e esmiuçados. Talvez seja este o momento apropriado para a discussão de tão instigante assunto, justo quando se completam cem anos da perda sofrida por Petrópolis do seu status de capital do Estado.

Vinte e quatro de junho de 1902. Nesse dia, a Gazeta de Petrópolis abriu espaço na primeira coluna de sua primeira página para expor as suas razões concernentes ao tema. Fê-lo com sobrançaria e elegância, fixando sua posição e apresentando alguns motivos propiciadores da mudança.

Desde que foi levantada a questão em epígrafe, a “Gazeta”, manifestara-se contrária à idéia da saída da capital de Petrópolis.

E não o fazia por bairrismo ou vaidade, mas com base em verdades inelutáveis.

Por razões circunstanciais e de há muito conhecidas e debatidas, o caput do Estado do Rio de Janeiro subiu de Niterói para Petrópolis, em caráter temporário, em princípios de 1894, por causa das turbulências criadas na Baia da Guanabara pela Revolta de 6 de setembro de 1893, dita da Armada.

Depois, já cessada a causa da súbita transferência, a Assembléia, em outubro daquele mesmo 1894, votou a mudança definitiva da capital para esta urbe.

E foi com base nessa promessa de estabilidade, de coisa julgada, de situação irreversível, que pesados investimentos públicos e particulares foram feitos em Petrópolis, que grandes interesses deslocaram-se para cá, que se começou a repensar e redesenhar o mapa político, econômico, viário, educacional e sanitário do Estado do Rio de Janeiro, a partir do privilegiado posto de observação oferecido pelo alcantilado destas serras.

Demais, o momento era inoportuno em face da dificílima situação financeira que atravessava a terra fluminense, incompatível com as pesadas despesas que a mudança provocaria.

Dentre tantas causas que motivaram a volta da capital do Estado para Niterói, uma delas chamou a atenção do redator da “Gazeta”, que com muita propriedade pôs o dedo na ferida, ainda mal cicatrizada na altura da publicação da matéria em exame.

Tratava-se da crise política que se abateu sobre o fim do inditoso governo do Dr. Alberto Torres (1898/1900), fulcrada na rumorosa questão da dualidade de câmaras municipais em Campos dos Goitacazes.

O caso arrastou-se por mais de um ano e, embora tenha tido uma solução de emergência absolutamente legal, deixou seqüelas irreparáveis, tanto que provocou o racha no então unido Partido Republicano Fluminense, a oposição ferrenha e sistemática ao Presidente do Estado movida pela maior parte da Assembléia e o quase total isolamento de Alberto Torres, repudiado até pelo aliado de sempre, o grande cacique José Thomaz da Porciúncula, então Senador da República.

Petrópolis, capital, foi o grande bode expiatório de toda essa crise que acabou por repercutir no quadro sucessório de 1900, quando um novo Presidente seria eleito no Estado, para cumprir o triênio 1901/1903.

Era candidato de Alberto Torres, o Dr. Hermogênio Pereira da Silva, chefe político de enorme prestígio nestas serras, onde fora reiteradas vezes presidente da Câmara Municipal, com funções executivas segundo a Constituição estadual de 9 de abril de 1892. Além de administrador de grandes méritos, Hermogênio acabara de servir ao governo Torres, como Secretário de Obras Públicas e de Interior e Justiça.

Tinha portanto todas as credenciais para chegar à suprema magistratura estadual.

Mas em face da crise e do isolamento do Presidente, seu nome estava praticamente proscrito da grande roda política fluminense.

Radicalizando-se as posições das forças partidárias do Estado e criando-se o impasse quase à véspera do processo sucessório, veio a solução através de Campos Sales, então Presidente da República. Foi proposto o nome de Quintino Bocaiúva, uma espécie de mito do novo regime, implantado a 15 de novembro de 1889.

Quintino fora colega de Campos Sales, no gabinete do Governo Provisório capitaneado pelo Marechal Deodoro da Fonseca e era realmente um republicano ortodoxo. Demais, havia sido padrinho de casamento de Nilo Peçanha, novo líder que despontava no Estado, a quem não interessava a capital arranchada na serra da Estrela, trincheira fundamental do grupo já bastante destroçado do P. R. F. de Porciúncula, Hermogênio, Mauricio de Abreu, Alberto Torres, Francisco Soares de Gouvêa e tantos outros.

Veio o pleito e deu Quintino na cabeça. Um ano depois, a 28 de setembro de 1901, morria aos 46 anos em sua casa em Petrópolis, o Dr José Thomaz da Porciúncula, o homem que havia transformado esta urbe em capital do Estado.

Armara-se assim o cenário para que Niterói recobrasse os seus antigos foros, para que Petrópolis deixasse de ser o eixo político estadual e para que Nilo Peçanha passasse a comandar o jogo de poder nesse nosso sofrido e acanalhado torrão fluminense.

E então perguntar-se-á, já nos arremates desta matéria:
– Afinal, a instalação da capital do estado nestas serras foi benéfica ou maléfica a Petrópolis?

A dar-se crédito ao discurso do redator da “Gazeta”, se na altura fosse feita essa pergunta à população local, esta em grande parte responderia que a mudança para cá fora um rotundo desastre, “não só para seu valor como cidade de recreio, pois estava isenta da vida oficial, como também para a harmonia de sua antiga vida de família, que era até então unida e que deixou de o ser, não porque os elementos que a capital trouxe, não pudessem garantir essa harmonia, mas porque as tradições gloriosas da bela Niterói e a suspeita por parte dos gentis hóspedes de Petrópolis, que esta lhe disputava os galardões de primaz do Estado, os fez guardar uma reserva que julgamos desfeita, pela simpatia que desde logo lhes foi dispensada e pela saudade que os acompanhará ao embarque, que os levará à saudosa Niterói”.

Traduzindo os mais puros sentimentos da época no concernente ao tema em foco, a “Gazeta”, demonstrou que apesar do trabalho perdido ao longo de quase dez anos, que apesar dos grossos interesses sacrificados pela desnecessária corrida serra abaixo, a cidade sentia-se aliviada ao desvencilhar-se da máquina burocrática fluminense. Só assim, poderia retomar sua verdadeira vocação de cidade de recreio, de retempero e de repouso. Só assim a família petropolitana voltaria a unir-se em perfeita harmonia, livre das desconfianças e do olho gordo dos adventícios oficiais, sinecuristas da burocracia, saudosos da modorra praiana niteroiense, pobre arrabalde da então Capital da República, de cujo sovaco nunca se despregou.

E num último arranco, frisou o redator da “Gazeta”, que estava muito a vontade no tema, já que Petrópolis jamais disputara as honras de ser a capital do Estado e “que sempre almejou ser o que fora – Petrópolis … só”.

Aí está a diferença entre o cavalo de raça e o burro xucro que para fazer figura tem que carregar-se de enfeites.