CENTENÁRIO DE SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA – HISTORIADOR

Joaquim Eloy Duarte dos Santos, Associado Titular, Cadeira n.º 14 – Patrono João Duarte da Silveira

Historiador conta histórias ou é historiador aquele que interpreta a História? Ou, ainda, o curioso com sede de saber que perscruta documentos, lê e mastiga obras feitas com a dentição da curiosidade, anota os fatos e compilando tudo, escreve a história sob sua ótica? Será que historiador é, simplesmente, quem fala de história, narra acontecimentos e os posiciona junto à evolução social num todo? O que é, ou quem é, afinal, a História e o Historiador?

Sobre História, muitos mestres especulativos abriram a discussão e forjaram jornadas pesquisa adentro. Falaram de sua filosofia, teorizaram conceitos, estabeleceram compartimentos interpretativos e, até, a sistematização do conhecimento por áreas de atuação profissional, destacando a história dos meandros econômicos das sociedades ou do factual simplesmente saboroso para a satisfação da curiosidade humana.

Com A D. Xenopol, historiador espanhol do princípio do século XX, vê-se que a “História é constituída por uma sucessão de fatos individualizados pelo tempo, indiferentemente de se manifestarem universais, gerais ou individuais e também quanto ao espaço. Essa individualização dos fatos sucessivos no curso do tempo exclui a possibilidade de sua repetição igual indefinida e, conseqüentemente, a possibilidade de formular as leis de sua reprodução.”

É o princípio basilar de que a História não se repete, jamais se repetirá porque individualizados seus fatos no tempo e no espaço.

Langlois e Seignobos, franceses da primeira metade do século XX, afirmam que “A História se faz com documentos e que estes são os traços que deixaram os pensamentos e os atos do passado.”

É a revelação da matéria prima de que se nutre a História.

O historiador Van Den Besselaar acrescenta um tijolo à definição sempre incompleta de História ao afirmar que a “História é a ciência dos atos humanos do passado e dos vários fatores que neles influíram, visto na sua sucessão temporal.”

Traduz o Autor duas verdades: a História é uma ciência e que seu conteúdo é o estudo especulativo do passado da Criatura Humana em todo o envolvimento evolutivo desde o surgir da maravilha do Universo.

O professor Guilhermo Bauer, da Universidade de Viena, na Áustria, reafirma o caráter próprio dos estudos históricos ao comentar: “A ciência se desenvolve em contínuo movimento e significa permanentemente aprofundamento, ampliação e renovação de nosso saber.”

Eis que a História é exatamente esse movimento da Criatura Humana em seu espaço limitado no Universo, sempre em aprofundamento, ampliação e renovação, a dizer aos presentes que o passado é a causa do presente a este a incógnita do futuro.

Louis Halphen, professor da Sourbonne, de Paris, afirma que “o objetivo imediato dos Estudos Históricos é salvar os fatos do passado… A História registra a memória da Humanidade.”

Uma afirmativa que remete o estudo da História aos grandes mestres que a escreveram e produziram o tesouro, que é a interpretação da documentação salva das hecatombes humanas e naturais pelos milênios tragados no tempo vivido.

Benedetto Croce, historiador italiano, diz: “O documento e a crítica, a vida e o pensamento, são as verdadeiras fontes da História, ou seja, os dois documentos da síntese histórica.” Em outro parágrafo de sua análise, diz Croce: “Assim, portanto, a história morta revive e a história passada se reconstitui como presente, à medida que o desenvolvimento da vida o requer.”

Temos nessa síntese, que a História é conhecimento vivo e presente, embora a sua matéria de especulação e estudo seja o passado. Há-de ser presente, nesse comentário, que o passado está vivo na História porque ele é a vida da História, é ele que a alimenta com seus matizes múltiplos, em cores de sombrias a reluzentes.

Comemoramos no ano de 2002 o centenário de nascimento de um grande historiador brasileiro, Sérgio Buarque de Holanda. Um pesquisador de sensibilidade, que soube ler e interpretar a documentação preciosa de nossos antepassados. Sem preocupação cronológica, nas citações a seguir, podemos afirmar que Sérgio Buarque de Holanda soube interpretar a “Carta” – nosso primeiro documento escrito e conservado – da lavra do escrivão Pero Vaz de Caminha; estudou com Pero Lopes de Souza, navegador e colonizador, o engatinhar do Brasil no “Diário da Navegação da Armada que foi à Terra do Brasil em 1530 sob a Capitânia-Mor de Martim Afonso de Souza. Escrito por seu irmão Pero Lopes de Souza”; percorreu os olhos e a visão, embeveceu-se com a narrativa aventurosa de Hans Staden, o soldado da fortuna que se tornou escritor e narrou sua odisséia junto aos indígenas brasileiros, em sua obra, cujo título é quase o conteúdo: “Descrição Verdadeira de um País de Selvagens Nus, Ferozes e Canibais, Situado no Novo Mundo América, Desconhecido na Terra de Hessen Antes e Depois do Nascimento de Cristo, Até que, Há Dois Anos, Hans Staden, de Homberg, em Hassen, Por Sua Própria Experiência, Os Conheceu e Agora Publica”; leu as informações do viajante Jean de Léry (seu livro com o pomposo título: “História de uma Viagem Feita na Terra do Brasil, Também Chamada América, Contendo a Navegação e Coisas Notáveis; Vistas no Mar pelo Autor; o Comportamento de Villegagnon Nesse País; Os Costumes e Maneiras Estranhas de Viver dos Selvagens Americanos; Com um Colóquio de Sua Linguagem. Conjuntamente a Descrição de Vários Animais, Árvores, Ervas e Outras Coisas Singulares, e de Todo Desconhecidas Por Aqui, Como se Verá nos Sumários dos Capítulos no Início do Livro Jamais Trazidas à Luz Pelas Causas Indicadas no Prefácio. Tudo Recolhido nos Próprios Locais por Jean de Léry, Nativo de Margelle, Terra de Saint-Sene, no Ducado de Borgonha”); estudou as Cartas e Obras Gerais dos Padres Antônio Vieira, Fernão Cardim, André Thevet, Yves D’Evreux, Manuel de Morais, Simão de Vasconcellos, Claude D’Abbeville, Frei José de Santa Rita Durão, Frei Gaspar da Madre de Deus, Antônio de Santa Maria Jaboatão e Padre Luís Gonçalves dos Santos (o Padre Perereca); deteve-se nos trabalhos do judeu português de origem flamenga Pero de Magalhães Gândavo e sua “História da Província de Santa Cruz, a que Vulgarmente Chamamos Brasil”; admirou-se com a acuidade do colonizador Gabriel Soares de Souza em seu “Tratado Descritivo do Brasil em 1587” e com Ambrósio Fernandes Brandão nos “Diálogos das Grandezas do Brasil” ou, ainda com as notáveis “Memórias do Distrito Diamantino” de Joaquim Felício dos Santos; colheu fundamentais observações de Frei Vicente do Salvador em sua “Historia do Brasil”, escrita em 1627; enriqueceu-se com “História da América Portuguesa Desde o Seu Descobrimento Até o Ano de 1724”, de Sebastião da Rocha Pita; de André João Antonil recolheu a História da Economia da Colônia, no importante livro “Cultura e Opulência do Brasil Por Suas Drogas e Minas”; dos ricos livros do escritor e genealogista paulista Pedro Taques de Almeida Paes Leme, teve informações decisivas para análise da evolução paulista; aprendeu sobre o Norte Brasileiro com a obra de Alexandre Rodrigues Pereira; destacou em sua pesquisa o trabalho “Corografia Brasílica”, de Manuel Aires de Casal; auriu-se de muita luz sobre a História Pátria com Francisco Adolfo Varnhagen e sua monumental “História Geral do Brasil”; leu e interpretou a obra de Joaquim Norberto de Souza Silva em suas pesquisas sobre a Conjuração Mineira; encantou-se e ilustrou-se com as obras do Visconde de Taunay e suas narrativas de viagens e sobre a Guerra do Paraguai e do filho brilhante Afonso d’Escragnolle Taunay, fecundo historiador do desenvolvimento paulista por suas bandeiras, por sua nobiliarquia, sua evolução econômica pelos caminhos do café; recolheu os ensinamentos de Joaquim Nabuco, do Barão do Rio Branco, das obras gerais de Rocha Pombo, Capistrano de Abreu, Manuel de Oliveira Lima, a epopéia de Canudos pelo “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, as obras de Tobias Monteiro, Pandiá Calógeras, Gustavo Barroso e suas narrativas de uma história vibrante ao tempo que factual; por fim leu e releu as anotações de Rodolfo Garcia, os alentados volumes de Basílio de Magalhães e as obras de viajantes que durante os três primeiros séculos do Brasil levaram para a Europa as novidades do exuberante Mundo Novo, como Robert Southey, Maximiliano, Príncipe de Wied, La Condamine, Roberto Ave-Lallemant, John Lucock, Ivo Devreux, Nuno Marques Pereira e tantos outros.

Assim, aquele menino nascido a 11 de julho de 1902, em São Paulo, de pai pernambucano, o farmacêutico Cristóvão Buarque de Holanda e mãe fluminense de Niterói, Heloisa Costa Buarque de Holanda, pais também de Jaime e de Cecília, aos 19 anos mudou-se para o Rio de Janeiro e foi morar no Leme, Posto 1, Avenida Atlântica, naqueles anos dourados de uma Copacabana com grandes terrenos vazios e praias com poucos freqüentadores. Ali conheceu e conviveu com os grandes ícones do Bairro e da famosa extensão de Ipanema e outros cariocas natos e adotivos não menos famosos e ilustres como Joaquim Pedro de Andrade, Raul Bopp, Luís Camilo de Oliveira Netto, Mário de Andrade, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Lúcio Costa, Octávio de Faria, Clarice Lispector, Maria Alice Barroso, Agrippino Grieco, Manoel Bandeira, Heitor dos Prazeres, Antônio Maria e tantas outras personalidades da vida cultural e intelectual carioca. Era assíduo do Restaurante Lamas, onde integrava uma roda de cultos homens que falavam de obras e trabalhos e das trivialidades daquele mundo mágico do Rio de Janeiro saindo da belle-epoque e penetrando nos anos de chumbo do desenvolvimentismo sem estrutura e planejamento nacional.

Nos anos de 1929 e 1930 esteve a serviço do jornalista Assis Chateaubriand, viajando pela Alemanha, Polônia e Rússia, escrevendo matérias para “O Jornal”. Na Europa foi pai de Sergio Georg com a alemã Anne Margerithe Ernst. Casou com Maria Amélia de Carvalho Cesário Alvim, o pai desembargador, tendo o casal os filhos Heloisa, Álvaro, Francisco (o Chico Buarque), Maria do Carmo, Ana Maria e Maria Cristina.

Por ato de 7 de outubro de 1936 foi designado para Membro da Comissão do Teatro Nacional pelo Ministro de Estado de Educação e Saúde Pública, Gustavo Capanema.

A 15 de agosto de 1944 foi nomeado pelo Presidente da República Getúlio Vargas, para exercer o cargo em comissão de Chefe de Divisão da Divisão de Consulta da Biblioteca Nacional, Quadro Permanente do mesmo Ministério de Educação e Saúde.

Em 1947 retornou para São Paulo, convidado para integrar o quadro de pesquisadores do recém-criado Museu Paulista, do qual tornou-se Diretor, missão que cumpriu até 1956. Nessa temporada fez-se professor da Escola de Sociologia e Política e da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo. Na instituição criou o Instituto de Estudos Brasileiros, onde desenvolveu importante trabalho de pesquisa histórica e aprimorou conhecimentos enquanto recebia justo reconhecimento como pesquisador, professor de talento e formador de pesquisadores e professores de História. Integrou o Conselho Universitário a partir de 1948.

Convidado pela Università Degli Studi di Roma, esteve na Europa, em março e abril de 1953, realizando curso sobre o tema “Introdução ao Estudo da Cultura Brasileira”.

A 21 de março de 1957, com 55 anos de idade, recebeu o título de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Nacional de Direito, da Universidade do Brasil.

Foi um homem comum dotado de magia e cordialidade, ético e fraterno, alegre e comunicativo sempre pronto para gargalhar diante de uma boa anedota, mestre incomparável de vida, pesquisador e professor, democrata autêntico que pediu aposentadoria da cátedra universitária precocemente em protesto contra a cassação de colegas e amigos durante a ditadura militar.

Escreveu e publicou onze livros: “Raizes do Brasil” (1936); “Cobra de Vidro” (1944); “Monções” (1945); “Expansão Paulista em Fins do Século XVI e Princípio do Século XVII” (1948);”Antologia dos Poetas Brasileiros na Fase Colonial” (1952/1953); “Caminhos e Fronteiras” (1957); “Visão do Paraíso” (1958); “Elementos Básicos da Nacionalidade – o Homem” (1967); “Tentativas de Mitologia” (1979); e “O Extremo Oeste” (obra póstuma, 1986). No ano de 1959 a Editora José Olympio publica um livro biográfico sobre o escritor já em 7ª edição, ano de 1999.

Colaborou em obras didáticas, prefaciou muitas obras, a elas dando credibilidade, e dentre os livros, a obra-prima “Raízes do Brasil”, editou-a pela José Olympio, recebendo três contos de réis pelos direitos autorais da 1ª edição de 3.000 exemplares. Calcado em vastíssima cultura histórica brasileira e penetrando na alma do povo, na essência do desenvolvimento da nacionalidade, na análise de todos os períodos históricos e na apurada sentimentalidade da gente brasileira, defendeu uma tese nova: a do homem cordial. Em análise sociológica de rara felicidade, demonstra sua tese que a formação do povo brasileiro, em razão de todas as particularidades, que distinguiram a colonização portuguesa da espanhola no território americano, fez do brasileiro um ser especial de acentuada cordialidade de coração e formativa de uma nacionalidade ímpar no mundo. Essa característica vem das raízes da colonização portuguesa, passa pelos meandros complicados da expansão para o oeste comandada por brasileiros e detém-se na triste nódoa da escravatura, cujo exercício teve nuances de cordialidade e de menor violência do que em outras nações usuárias do fator. A nostalgia portuguesa, a saudade, o cântico peninsular mesclado à cultura sensível e musical do povo escravizado gerou uma especial civilização tropical de natureza oposta ao descolorido frio europeu, aqui rubra pelo calor do africanismo tropical vindo do continente negro.

Como legítimo historiador cientista, Sérgio Buarque de Holanda determinou uma guinada preciosa de uma abertura à discussão da sociologia histórica brasileira, a exemplo de Vianna Moog em sua obra “Bandeirantes e Pioneiros”, comprovadora do pioneirismo desenvolvimentista americano do Brasil desde a fase da colonização até ao final do 2º Reinado, muito superior à guerreira e cruel epopéia da evolução norte-americana.

“Raizes do Brasil”, que é referência na historiografia brasileira e internacional, teve muitas traduções: italiano: “Alle Radici del Brasile”, trad. di Cesare Rivelli, Roma (1964); espanhol: “Raices del Brasil”, trad. de Ernestina de Champourcin, México (1955); japonês: “Magokoro to Boken – Laten Teki Sakai”, trad. Mineo Ikegani, Tóquio – O título dessa tradução em japonês é “Cordialidade e Aventura – Mundo Latino (1971); outra em japonês: “Brazil – Jin Towa Nanika – Brazil Kokuminsei no Kenkyu”, trad. de M. Crespo, Tóquio – O título em japonês é “Quem é o Brasil – O Estudo do Caráter Nacional do Brasil” (1976); alemão: “Die Wurzeln Brasiliens”, trad. de Marlyse Meyer, Frankfurt (1995); e francês: “Racines du Brésil”, trad. de Marlyse Meyer, Paris (1998) e, no Brasil, pela José Olympio foram 26 edições, a última no ano de 1995.

Intelectual e escritor compulsivo, deixou colaboração em muitas revistas e na imprensa brasileira e internacional como: “Jornal do Brasil” (década de 20); “Revista do Brasil – RJ , 2ª fase” (década de 20); “Idéia Ilustrada” (década de 20); “Correio Paulistano – SP (década de 20); “Diário Nacional – SP” (década de 20); “Rio Jornal – RJ” (1921); “Cigarra – RJ” (1920-1921); “Fon-Fon – RJ” (1921); “Klaxon – SP” (1922); “América Brasileira” (1924); “O Jornal – RJ” (1924); “Estética” (1924); “O Progresso – ES” (1927); “Revista Duco, Alemanha” (1930); “Jornal de Minas” (década de 30);”Revista Nova – RJ” (1931); “Espelho” (1935); “Diário de Notícias – RJ” (décadas de 40 e 50); “Diário Carioca – RJ” (década de 50); “O Estado de São Paulo” (década de 50); “Folha de São Paulo” (década de 50); “Ansonia – Itália” (1954); “Revista de História” (décadas de 50 e 60); e “Revista do IEB, USP-SP” (década de 60).

Escreveu obras em parceria: “História do Brasil” (1944); “História Geral da Civilização Brasileira” (1960); “Brasil” (1961); “História do Brasil – Estudos Sociais” (1971-1972); “Vale do Paraiba, Velhas Fazenda” (1973); e “História da Civilização – área de Estudos Sociais” (1974).

Aproveitando essa comemoração centenária do grande Sérgio Buarque de Holanda, que nunca foi da Academia Brasileira de Letras mas que recebeu o maior laurel da Literatura Brasileira, o “Troféu Juca Pato”, concedido no ano de 1980 pela União Brasileira de Escritores e pela Folha da Manhã, na categoria de Intelectual do Ano de 1979 e, ainda, o “Troféu Jaboti”, na categoria de Ensaios, pela Câmara Brasileira do Livro, brasileiro profundamente engajado na discussão política brasileira, aparecendo como signatário da fundação do Partido dos Trabalhadores no ano de 1980, falemos, mesmo que ligeiramente, sobre a realidade da pesquisa histórica de nossa querida Petrópolis.

E porque essa pálida referência?

Justamente pelo abeberar-se de conhecimento e capacidade de um mestre, aproveitando sua lição de pesquisador perfeito e buscando a adequada abordagem histórica na conveniência e oportunidade desse momento certo.

A História de Petrópolis ainda não está pesquisada como devera em termos científicos, como merece por sua riqueza diante da História do Brasil, como base de conhecimento para a compreensão do Brasil Independente em suas duas vertentes: Império e República. Nossa vida petropolitana tem a grandeza da própria História Nacional e o todo não pode prescindir da parte.

Petrópolis, que foi sonho e realidade, que foi termo e causa de tanto fato histórico nacional, que inspirou soluções, resoluções e magia literária, que sofreu os conflitos da intolerância de idos de chumbo e ferro em brasa, tem uma História fragmentada factualmente, em contribuições perfeitas de muitos pesquisadores, porém em meio a um jardim de flores sem classificação e espécies à espera de descoberta de potencialidades para a vida.

Ainda está por ser feita a reunião factual em proveito da análise científica. As contribuições, em cada área, ai estão pela imprensa, em opúsculos e livros gerais, nos arquivos públicos e particulares, tudo sob encadernações de luxo ou deficientes, ilustradas e coloridas por grandes profissionais, porém por ser.

Por ser História sistematizada, corretamente pesquisada e, acima de tudo, interpretada à luz de todas as vertentes do conhecimento. A profusão de trabalhos é invejável porém, nessa amálgama estrutural de nosso conhecimento histórico, está faltando a ilação perfeita e as fímbrias entrelaçadoras do verdadeiro conhecimento de nossa origem, vida e, em conseqüência, projeção futura.

Por falta de auto-estima histórica somos o que somos politicamente, sem traço de brasilidade perfeita e de petropolitanidade consciente, já que sabemos muito pouco o que somos, o que conquistamos, o que é importante em valor histórico.

O Instituto Histórico de Petrópolis, felizmente, desde a sua fundação, quando fez gerar um Museu Imperial e o primeiro levantamento sistemático – mesmo que ainda deficiente – de nossa história, nos famosos “Trabalhos da Comissão do Centenário de Petrópolis”, tem procurado agregar o que de melhor se pesquisa sobre nós, tem em seu quadro o seleto dos pesquisadores, mas dispõe de muito pouca atenção da população e, principalmente, da autoridade política, sempre mais preocupada com a migalha do voto do que com a direção equilibrada do Município de tanta história, tradição e merecedor de respeito, mesmo que mínimo.

Comemorar o centenário de uma de nossas maiores personalidades da pesquisa histórica brasileira, remete, portanto, nossa atenção ao próprio umbigo, por causa do exemplo de Sérgio Buarque de Holanda, que feriu as convenções, ousou desmistificar tabus, interpretou os clássicos de nossa historiografia, firmando uma abertura de sociologia histórica brasileira. Nossos historiadores do presente estão fazendo o trabalho e, por novo e ousado, têm encontrado as barreiras da intolerância daqueles cuja visão tem o embaçamento do despreparo e a atitude de violência, como sofreu nosso Instituto recentemente em meio a uma briga de tolos por tolices que a história pátria já sepultou.

Correndo o risco de omissão – perdão antecipado agora solicitado – o Instituto Histórico de Petrópolis homenageia o centenário do mestre Sérgio Buarque de Holanda, com a citação de petropolitanos natos e honorários que tem estudado nossa História e são cimento, areia e pedra do edifício ainda batendo estacas de nossa História Petropolitana. A eles devemos recorrer sempre, discutir suas informações, ajustar as interpretações, colher frutos de verdade substancial, como o fazemos com a cordialidade brasileira de Sérgio Buarque de Holanda.

Nomes nossos, incansáveis, diligentes, certos ou equivocados, porém tijolos de esperança: Tomás Cameron, Alcindo de Azevedo Sodré, Walter João Bretz, Ascânio da Mesquita Pimentel, Frei Stanislau Schaette, Guilherme Auler, Henrique Carneiro Leão Teixeira Filho, Lourenço Luiz Lacombe, Gabriel Kopke Fróes, José Kopke Fróes, João Duarte Silveira, Hugo José Kling, Antônio Joaquim de Paula Buarque, Maria Amélia Porto Migueis, Vicente Amorim, Carlos Maul, Gustavo Ernesto Bauer, Francisco Marques dos Santos, Carlos Reinghantz, Paulino José Soares Netto, Henrique José Rabaço, e tantos outros – citados os que já pesquisam no mistério do Infinito – cujos trabalhos esperam a codificação e a análise científica de nossos atuais pesquisadores.

A missão continua árdua porém exeqüível e muitos dos nossos sócios andam pelos arquivos, chafurdam-se na poeira da memória, pensam e interpretam para que, um dia, tenhamos uma sistematização histórica petropolitana que faça jus ao nosso maravilhoso e sempre presente passado.