UM PANORAMA DE PETRÓPOLIS EM 1857

Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima

Poucas comunas brasileiras e especialmente fluminenses, subiram tão vertiginosamente ao podium da fama e do sucesso, como Petrópolis. Desabrochante povoação em 1845, freguesia do município da Estrela, recebeu foros de cidade em 1857, sem ter estagiado como vila.

Núcleo populacional um tanto sui generis, abrigava Petrópolis o castelo, ou seja o palácio Imperial, o burgo, por onde circulava a corte na serra e os elementos fundamentais do comércio e dos serviços, e, a colônia de origem germânica, a qual tinha uma diretoria, que deixou de existir, depois que o município foi instalado, o qual passou ao regime comum dos seus congêneres da Província do Rio de Janeiro.

Justamente naquele ano de 1857, o da grande transição, o Major Sergio Marcondes de Andrade enviava o seu relatório das atividades coloniais ao Presidente da Província, fazendo um panorama da vida petropolitana de então.

No seu entender, a colônia não tinha as condições necessárias para ser somente agrícola, porque os colonos não possuíam conhecimentos exclusivos de agricultura.

Porém, como núcleo fabril, Petrópolis teria meios de engrandecer-se.

Marcondes acertava na mosca. O futuro muito próximo iria demonstrar exatamente essa oportuna previsão.

Vaticinava que quando acabassem as obras públicas e particulares naquela febricitante quadra de efetiva ocupação do solo urbano, Petrópolis haveria de enfrentar séria crise que poderia comprometer o seu futuro. E essa crise veio de verdade, não tão comprometedora assim, mas suficiente de modo a empurrar os colonos para o salve-se quem puder, até que o empreendimento fabril de Bernardo Caymari em Cascatinha, no início dos anos setenta do século XIX, passasse a absorver a qualificada mão de obra local.

Na visão do Major, as oleoginosas poderiam ser bem cultivadas aqui, principalmente a mamona, cujas folhas ainda propiciaram a criação do bicho da seda.

Tanto otimismo por uma causa sem qualquer perspectiva. A mamona não empolgou os contemporâneos do alvitre, nem como oleoginosa nem como chamariz do bicho da seda. A rigor, a industria sérica no Brasil foi um fracasso, desde a triste, custosa e desastrada experiência de Itaguaí.

Diretor da Colônia, Marcondes de Andrade dizia no seu relatório de 1857 que seria proveitoso o estabelecimento de uma fábrica de vidros em Petrópolis, a partir do “cristal do monte”, na Mosela. Para tanto seria suficiente o combustível fornecido pelas matas petropolitanas.

Lembrava, inclusive, que havia na colônia “um estrangeiro hábil”, lapidário em vidros, que também entendia de sua fabricação.

Falava certamente de Heinrich Sieber, estabelecido na rua do Imperador.

A Tribuna de Petrópolis em sua edição de 26 de janeiro de 1956, tratando das habilidades de Sieber, relatou:

“A Imperatriz D. Teresa Cristina muito apreciava esses trabalhos, fazendo repetidas encomendas, como atestam ofícios recebidos pelo Superintendente da Imperial Fazenda. E até nos livros de pagamento da Mordomia da Casa Imperial, em maio de 1868 consta a despesa de “quatro copos lapidados com vistas do Palácio de Petrópolis – 30$000″.
O gravador em cristais Sieber, alcançou grande sucesso e quase todos os veranistas do tempo do vovô, possuíam copos, ânforas, jarros e outro qualquer objeto de vidro, com os curiosos monogramas dos seus proprietários e os desenhos do Palácio, da velha Matriz ou outras mansões típicas da nossa paisagem”.

Naquela altura Petrópolis possuía 72 lojas e armazéns de molhados; 6 hotéis; 2 açougues; 2 botequins com bilhares; 13 bilhares; 6 cocheiras de alugar cavalos; 4 cocheiras de alugar carros; 12 oficinas de ferreiro; 13 de calçado; 7 correeiros; 6 padeiros; 4 marceneiros; 7 alfaiates; 5 fábricas de charutos; 3 modistas; 3 barbeiros; 3 relojoeiros; 3 fábricas de cerveja; 6 de licor; 2 moinhos de fazer fubá.

Havia 5 escolas regidas por professores alemães, das quais uma, já ensinava a língua nacional; 3 escolas públicas de língua portuguesa, sendo duas masculinas e uma feminina; havia 4 colégios particulares, sendo dois para meninos e dois para meninas.

A futura cidade, apesar de ser à época riquíssima em recursos hídricos, tinha modesto sistema de abastecimento d’água para consumo público. Havia um chafariz na Praça Municipal, hoje Visconde de Mauá, e uma caixa distribuidora de uso bastante restrito.

As obras de porte no setor viário comportavam duas frentes: a da Estrada União e Indústria, que empregava uma grande quantidade de colonos e de operários de várias procedências e a da Picada do Pati do Alferes, que faria a conexão da nascente Petrópolis com o vale do Paraíba e com o Caminho Novo de Garcia Rodrigues Paes.

A abertura da picada do Pati do Alferes estava sob a direção de Otto Reimarus. Na altura do relatório de Marcondes, já haviam sido construídas 14.530 braças lineares, num trecho compreendido entre a margem do rio Piabanha e o alto da serra da Viúva. Faltavam então até o Pati, 3.800 braças correntes, importando todo o trajeto em algo em torno de 6 léguas, ou seja, pouco menos de 40 kms.

Construíram-se 46 pontes de pau roliço e 19 estivas. Os trabalhos haviam sido iniciados em março de 1856, através de empreitada que se ajustou com os colonos de Petrópolis.

O hospital e casa de caridade, eram mantidos sob a orientação do Dr. Thomaz José da Porciúncula, médico humanitário, que depois seria vereador, lamentavelmente por pouco tempo, já que faleceu em 1861, aos 36 anos de idade.

Sustentavam a casa e o hospital, as verbas da colônia e uma consignação de 9:600$000, conforme portaria de 6 de fevereiro de 1854, depois reduzida para nove contos de réis, no segundo semestre de 1856.

O prédio ameaçava ruína e já se falava na construção de um novo hospital, que somente apareceria no cenário da urbe, vinte anos depois – o Hospital Santa Teresa, inaugurado em 1876.

O relatório de Sérgio Marcondes de Andrade revelava que havia 70 africanos livres em Petrópolis, entre os quais, 3 negras que trabalhavam no hospital com mais 4 homens. Na picada do Pati do Alferes estavam lotados 36 desses africanos livres; no conserto e conservação dos caminhos coloniais, 26 deles. Um estava afastado por cegueira.

Coincidentemente, o Presidente da Província do Rio de Janeiro, Antonio Nicolau Tolentino, em seu relatório de 1º de agosto de 1856, trouxe no apenso nº 30, a relação dos africanos livres confiados à província.

Ao serviço da Colônia de Petrópolis, estavam 36 desses africanos, todos de origem banto, oriundos de Angola e de Moçambique.

Só para exemplificar, havia 13 benguelas, 3 cabindas, 3 angolas, 2 congos, 3 moçambiques, sendo os representantes de outras etnias menos expressivos em termos de quantidade.

O relatório em estudo afirmava que, nos 22 quarteirões em que se dividia a colônia, a superfície cultivada era de 600.000 braças quadradas, pouco mais ou menos 1.320.000,00 m², o que não era muito se considerada a área útil dos prazos de terras em que se dividiam esses quarteirões.

Como o terreno era muito acidentado, espremido em vales estreitos e como o colono desconhecia as peculiaridades do trópico e em especial da região serrana fluminense, a terra, sem a proteção natural das matas, em pouco tempo se exauriu, tornando-se imprestável aos empreendimentos agrícolas possíveis de serem intentados numa região tão difícil.

E não foram poucos os casos de colonos vocacionados para a agricultura que migraram para o interior do município, Piabanha abaixo, para Bemposta, São José do Rio Preto e para os vastos domínios rurais de Paraíba do Sul.

Portanto, tinha razão o Diretor da Colônia para dizer que esta não tinha as condições necessárias para ser somente agrícola.

Pensava de modo diverso Jean Baptiste Binot que, pelas páginas de “O Parahyba”, órgão de imprensa que se publicou aqui a partir de 2 de dezembro de 1857, divulgou com muito ardor suas idéias a respeito da agricultura na Petrópolis colonial.

Na edição de 6 de janeiro de 1859 do periódico em tela, verberava Binot:
“Petrópolis verá estabelecerem-se em seu meio muitas sociedades de agricultura e horticultura e também uma escola agrícola; fábricas agrícolas e manufatoras aparecerão como por encanto, visto como não há em toda a província do Rio, um lugar mais próprio que Petrópolis para trabalhos desse gênero”.

Exageros de um verdadeiro lírico, que fez da sua chácara no Retiro um autêntico paraíso tropical e um baluarte contra a destruição de nossas essências cativantes.

A Diretoria da Imperial Colônia de Petrópolis, nesse seu relatório de 1857, procurou divulgar também o seu desempenho no concernente às obras executadas, naquilo que viria a ser o 1º distrito da nova unidade fluminense. E o exame desse volume de realizações revela que a Diretoria da Colônia foi muito mais eficiente, enquanto existiu, que todas as câmaras municipais que atuaram sob o regime monárquico. É que a Diretoria, sobre ter orçamento próprio, gozava de condições especiais no âmbito de suas atribuições e, as câmaras municipais, atreladas à Assembléia Provincial, e por esta cerceadas nos seus mínimos passos, não tinham a autonomia suficiente nem as rendas necessárias para implementar o progresso municipal. Este foi o preço que Petrópolis teve que pagar pela insistência de Amaro Emílio da Veiga. Mas também é certo que, precipitada ou não a passagem desta urbe para o regime comum das comunas fluminenses, tal não demoraria a acontecer, conforme sucedeu com algumas das prósperas colônias do sul do Brasil. Os exemplos falam por si, bastando que se compulsem os volumes da legislação geral do Império e das leis provinciais.

Vitorioso o movimento do Coronel Amaro Emílio da Veiga com a criação do município de Petrópolis e a elevação do núcleo populacional à categoria de cidade, em 29 de setembro de 1857, não desapareceu de imediato a Diretoria da Colônia. Isto só aconteceria depois da eleição e posse da primeira Câmara Municipal. Para tanto algumas renhidas batalhas tiveram que ser travadas e elas serão objeto de outros artigos.