Oazinguito Ferreira da Silveira Filho, Associado Titular, Cadeira nº 13 –

“Em uma crônica da época, assinada pelo pseudônimo de Hudibras, nos fornece uma análise do requinte aristocrático, elitista e preconceituoso do carnaval local (O Paraíba, 1859). Em suas passagens podemos notar que no Hotel Bragança e nos passeios das ruas, era a elite que predominava. E quando ele assinala que seu criado estava com uma “alemasita gelada” ao braço, observa-se ainda o preconceito contra os colonos por parte da sociedade nacional, principalmente a aristocrática veranista.”

(Silveira Filho, Oazinguito Ferreira. “Contribuição à História Social Petropolitana: Subsídios para uma História do Carnaval Petropolitano no Século XIX”, Tribuna de Petrópolis, Caderno Especial, 04/03/1984)

 

Anos após a publicação deste ensaio pela Tribuna de Petrópolis, professores e pesquisadores, tendo por base os estudos sobre as “polacas” do Rio de Janeiro, procederam a um longo questionamento sobre o fato ocorrido no século XIX.

Ocorrera uma prostituição em Petrópolis, e especificamente de alemães quando da colonização, segundo o que poderia estar subentendido nas entrelinhas do ensaio?

Ao que foram comunicados de que as pesquisas não percorreram este trajeto quando da abordagem dos acontecimentos, mas de que o ensaio destinava-se exclusivamente a reproduzir fatos e acontecimentos do carnaval em Petrópolis na referida época e de que esta informação que constava da coluna do jornal ‘O Paraíba’ (1859) não poderia servir a uma proposta de pesquisa sobre a prostituição na História de Petrópolis no século XIX.

O objetivo maior do ensaio foi o de demonstrar na época a evidência do preconceito social presente na formação da sociedade local e que se reproduziu nas festas como as do Entrudo e Bailes de Salão, principalmente do período quando da elevação da região à condição de cidade, e comprovada pela leitura e pesquisa dos jornais do século XIX na cidade.

Com as leituras de ‘O Mercantil’ e de ‘O Paraíba’, não observamos qualquer menção a questões sobre prostituição, a não ser de algumas apreensões por parte da policia da época de algumas ex-escravas alugadas a todos os fins, o que permitiria abordagens especulativas. Nem mesmo os demais membros do IHP ou os historiadores conhecidos escreveram ou notificam algo a respeito do assunto. Não por se constituir em tabu presente na ordem social petropolitana, ou mesmo por questões religiosas, por mais que muitos indicassem esta proposta como condição básica para que as citações não se apresentassem de forma definida nos escritos.

Nem mesmo formulações de procedimentos comuns, como os registrados no universo europeu do século XIX, onde prostitutas residiam em bairros nos quais moravam os operários, foi registrado na Petrópolis no século XIX. Como ressaltado por Aranha (2009), “Operárias e trabalhadoras em geral complementavam seus baixos salários prestando serviços sexuais na rua; ademais, a prostituição se estabelecia como um refúgio para as jovens mais pobres, que geralmente a abandonavam por volta dos trinta anos”.

Mas historicamente a ocorrência do fato não pode ser descartado completamente, já que o universo literário acusava a presença de ‘senhoras’ subindo a serra para passar uma ‘estação de águas’ com distintos cavalheiros, e hospedando-se nos magníficos hotéis como o Hotel Bragança (O Paraíba, 1859).

A prostituição em Petrópolis só passa a ser registrada de forma oficial pelo jornal Gazeta de Petrópolis, em suas colunas policiais, ao final do século XIX, juntamente com o ‘falso surto de progresso’ que ocorre na cidade com a partir da transferência da maquina administrativa de governo, com a Capital do Estado.

Porém nosso estudo nos remete a população alemã e de seus descendentes na cidade quando da formação da sociedade local, e quanto a isto recorremos ao clássico trabalho de Emílio Willems (1946).

Willems frisa que as solicitações do novo meio social, como no caso do brasileiro pelos imigrantes, “…produziu efeitos muito diversos sobre os imigrantes que subtraídos ao controle de suas comunidades originárias e incapazes de reorganizarem-se, por falta de experiências adequadas, os imigrantes não podiam deixar de desenvolver novas atividades que lhes caracterizavam a desorganização social.”

Uma fase comum e presente no cotidiano da grande maioria das colônias onde os imigrantes oriundos de regiões humildes e campesinas tomavam contato com um ‘modus vivendi’ que não era o original e os condenava por vezes uma triste adaptação na região em que se estabeleceram. “…percorreu foi muitas vezes descrita em termos de imoralidade, barbárie, alcoolismo, mobilidade espacial e profissional, etc. A julgar pela conduta de não poucos imigrantes é de se supor que tenha sofrido um processo de desintegração emocional que, sob a pressão da nova situação, os fazia perder o hábito de reagir de uma maneira determinada.”

Segundo os relatos de Willems acerca de suas leituras das viagens de Tschudi (1) (Tschudi, apud Willems) que no século XIX percorrera as colônias brasileiras, as novas experiências foram para os colonos, ao que parece tão dolorosa em muitos casos que se pode falar da formação traumática de certas atitudes e condições com que os imigrantes tentavam responder aos estímulos do próprio meio que procuravam se ambientar.

(1) Tschudi, Johann Jakob Von. Viajante naturalista suíço, nascido em 1818, estudou ciências naturais e medicina em Helfchatel, Leyden e Paris. Em 1838, viajou ao Peru, explorando o país, voltou para Viena e posteriormente em 1843, visitou o Brasil, tendo estado em Petrópolis, e outros países da América do Sul. Foi em 1860 nomeado Embaixador da República da Suíça no Brasil por oito anos, foi promovido em 1868 a Ministro em Viena. Publicou inúmeras obras científicas. Sendo “Die Brasilianische Provinz Minas-Geraes” (1863) a que citava sua estada em Petrópolis, e foi utilizada por Willems em suas pesquisas antropológicas.

Segundo Willems, Johann Jakob von Tschudi afirmou que no Espírito Santo “…onde a fome entra pela porta, o pudor foge pela janela. Mulheres e filhas de colonos prostituíam-se por uma ou por poucas patacas (…) inclusive arrastando mais tarde um corpo carcomido pela sífilis (p.114).

Na Petrópolis de 1858, por sua descrição, a situação parece ter sido semelhante: “A população alemã perderá, sob a administração municipal, muito mais depressa o seu tipo primitivo do que sob a direção da repartição colonial. A geração nova já aceitou, na maior parte, língua e costumes brasileiros, mormente a parte feminina, cuja moral, do lado dos nativos merece poucos elogios. Fome e miséria nos primeiros tempos da vida colonial afrouxaram os vínculos da vida familiar, embotando enormemente o sentimento moral; jamais faltaram tentações contínuas e ocasiões propositalmente arranjadas para praticar imoralidades. Os veranistas do Rio de Janeiro são visitas bem-vindas em muitas casinhas dos vales da colônia. Também essa situação dificilmente sofrerá uma modificação para o melhor. Nome grego, população alemã, língua portuguesa e leis brasileiras encontramos em Petrópolis como também em outras colônias brasileiras. Uma mistura singular de elementos heterogêneos.” (p.114)

Porém o mesmo Willems afirmava que não havia comunidade rural ou mesmo semi-rural que tolerasse qualquer forma de prostituição, faltam registros pois as ocorrências eram externas, e que também a todos os casos de infidelidade aplicam-se sanções relativamente severas (p.304). Esta descrição por si justificaria a forte preocupação de pastores protestantes como Robert Ave Lalemant, com relação à religiosidade e moral na região colonial petropolitana.

Willems ainda afirma que estas atitudes só mudavam quando as relações sexuais eram pré-nupciais, seguidas ou não de nascimentos ilegítimos, segundo o costume. Pois este, o nascimento ilegítimo, era considerado vergonhoso para a moça e sua família (p.306). Não destoa da informação a presença nas colunas policiais tanto da Gazeta como de outros jornais de “infanticídios” ocorridos sem designação dos autores, principalmente quando se registravam fetos ou recém-nascidos boiando nas águas do Rio Piabanha ou do Quitandinha na transição dos séculos.

Embora fosse tolerado segundo Willems, o fator da existência da prostituição na maioria das cidades onde havia colonos alemães era geralmente considerada vergonhosa pela comunidade, mas constatava-se que a prostituição oferecia ao homem solteiro oportunidades sexuais quando do relacionamento fora das uniões consentidas (p.307).

Segundo Willems, geralmente as visitas dos homens ao bordel eram nas comunidades alemães silenciadas, pois o fato não contribuía para melhorar a fama do indivíduo e que de modo geral os afastaria de pretendentes por recusa de sua família (p.307).

Porém ele duvidava que no interior das comunidades semelhante processo ocorresse, pois “Numa comunidade em que a moral sexual é regulada por princípios tão firmes, naturalmente não há prostituição” (p.317).

Porém o próprio constatava que não havia dúvida de que, na sociedade urbana, a moça teuto-brasileira gozava de liberdades que geralmente não eram dadas às filhas solteiras das famílias luso-brasileiras – as mães não lhes vigiavam todos os passos (p.320).

Seus estudos afirmam inclusive que as relações pré-matrimoniais não eram consideradas como imorais nestas comunidades segundo suas pesquisas. O autor ainda afirma (p.321) que em uma cidade do vale do Itajaí, algumas mulheres haviam aberto um bordel e começaram a contaminar os rapazes da cidade. Não tardou, porém, a reação que sobreveio violentamente, os colonos ameaçaram as prostitutas de expulsão à força, “…desde então a ‘cidade esta limpa’ afirmou um cidadão”.

O que nos remete a um acontecimento registrado pela Tribuna de Petrópolis em 1902, em uma das comunidades de quarteirão, a mais conservadora e alemã de Petrópolis: “Em virtude das queixas de vários moradores do Bingen foram recolhidos aos xis (2) quatro mulheres da vida de residência naqueles lugar”.

(2) Xadrez, delegacia.

Já em uma época onde a prostituição se consolidava na cidade principalmente a partir da transferência da capital, com a presença deste cenário de prostíbulos e de jogos de azar como os relatados pela própria Tribuna de Petrópolis em suas crônicas com relação a moradias e estabelecimentos antigos das áreas próximas à estação ferroviária e para a qual a força pública sempre direcionava um policiamento particular.

A transição do século XIX para o XX, apresenta este quadro de prostituição definida na cidade segundo os relatos jornalísticos, principalmente de negras nas áreas da Estação como de brancas como portuguesas (Silveira Filho, ). O próprio bispo de Niterói, à qual diocese a região encontrava-se subordinada, ao se transferir temporariamente para Petrópolis iniciou um programa extensivo de programas religiosos que procurassem reverter o quadro de moralidade que se apresentava.

Willems constatava segundo seus estudos, que a prostituição difusa e incidental parecia difundir-se cada vez mais na classe operária, do que na rural ou comunitária alemã já no século XIX (p.321).

Como último registro, consta ainda que os alemães já aburguesados no Brasil, comerciantes, industriais, procuravam não raro, as esposas na Alemanha, indo para lá em viagem de estudo e sempre solteiros. Já para as moças alemãs nas colônias brasileiras, casar com um brasileiro teria “um sabor exótico” (p.322). O que poderia justificar os relacionamentos internacionais em épocas de festas longe dos centros urbanos como o do Rio de Janeiro, mas não que semelhante procedimento comprovasse a presença de uma prostituição das moças alemães na colônia de Petrópolis.

Referência Bibliográfica:

Aranha, Patrícia Marinho. “A Prostituição e o Contexto do Século XIX”, NEC/UFF, 2009, in, http://www.historia.uff.br/nec/materia/grandes-processos/prostitui%C3%A7%C3%A3o-e-o-contexto-do-s%C3%A9culo-xix><Acessado em 25/11/2009;

Willems, Emílio. “A Aculturação dos Alemães no Brasil”, coleção Brasiliana, CEN/MEC, 1946;

Silveira Filho, Oazinguito Ferreira. “Contribuição à História Social Petropolitana: Subsídios para uma História do Carnaval Petropolitano no Século XIX”, Tribuna de Petrópolis, Caderno Especial, 04/03/1984;

Silveira Filho, Oazinguito Ferreira. “Memorial De Maria Comprida: Ou Seria O “Saci Pererê Da Maria Comprida” Uma Prostituta?”, 15/11/2007.