TURISMO HISTÓRICO

Aurea Maria de Freitas Carvalho, ex-Associada Titular, Cadeira n.º 4 – Patrono Arthur Alves Barbosa, falecida

A vocação de Petrópolis, como é geralmente proclamada, tende a ser o desenvolvimento do turismo e da tecnologia de ponta. Deixemos a tecnologia para quem entende do assunto. Quanto ao turismo movido pelo interesse na informação histórica, o desenvolvimento não pode depender de uma atuação que se limita simplesmente a enumerar e mostrar prédios que foram habitados por gente ilustre ou utilizados para funções importantes. Isto é o que não falta em Petrópolis, onde o mais importante é, naturalmente, o antigo palácio de verão do Imperador, atual Museu Imperial. Seguem-se casas de veranistas ilustres, embaixadores, políticos, artistas – existem ruas inteiras tombadas: rua do Imperador, avenidas Koeler e Ipiranga etc.

É necessário que as informações sobre tais prédios sejam seguras e bastante minuciosas para atender ao interesse e curiosidade dos turistas. É preciso também que tais prédios estejam em estado satisfatório quanto às suas características arquitetônicas, sua volumetria, seu entorno, seus ornamentos e tudo que foi sendo acrescentado durante a vida útil até a data de seu tombamento, preservando o que é importante para a sua história. Cada um desses prédios foi, e deve ser, estudado criteriosamente. Consegue-se, ou melhor, dever-se-ia conseguir estas informações nos documentos oficiais. Infelizmente tais documentos às vezes não existem, seja porque os responsáveis pela obra não deram entrada na repartição competente, ou porque conseguiram licença para retirar as plantas e documentos do arquivo por algum motivo (o que está erradíssimo mas infelizmente acontece) e não se deram ao trabalho de devolvê-los.

Aconteceu comigo um caso interessante. Contratada para pesquisar um prédio histórico, consegui a localização exata, com as primitivas plantas dos terrenos, pois compreendia dois prazos de terra quando ainda não havia construção: suas dimensões originais, os foreiros que os possuíram, seu desmembramento posterior. Tudo isso conservado num dos arquivos mais completos de Petrópolis, o da Companhia Imobiliária de Petrópolis, de propriedade da Família Imperial. Infelizmente a construção da casa e as sucessivas obras e modificações não foram notificadas. Consultei então o órgão competente da Prefeitura Municipal – onde deveria haver as plantas originais e toda a documentação sobre qualquer reforma externa e interna do prédio – e nada encontrei senão uma ficha com o nome da proprietária. Tive a esperança de conseguir as informações num outro tipo de documento: os requerimentos que se fazia à Câmara Municipal, antes de ser instalada a Prefeitura Municipal. Só que no caso, como não tenho a data em que foram feitas as modificações, as características apresentadas parecem-se com as introduzidas por certo arquiteto famoso que chegou ao Brasil em data bem posterior e fez obra semelhante em outra grande construção. Assim, seria necessário consultar a documentação de um vasto período. Como os documentos estão arrumados – ou “arranjados”, é o termo técnico – por data e não existe fichário por assunto, seria necessário consultá-los um a um – mais de dez mil por ano a pesquisar! Seriam mais de três meses de trabalho diário e o pesquisador teria todo o seu tempo tomado, sua vista forçada na leitura de uma caligrafia nem sempre das melhores, além de outros desconfortos, como iluminação artificial, contato com poeira, fungos etc. Naturalmente propus realizar a tarefa mediante pagamento normal para a pesquisa, sabendo que poderia ter sucesso ou não: achar informações satisfatórias ou simplesmente não encontrar nada. A proposta foi recusada.

Em outro caso, aconteceu que um dos proprietários do terreno era homônimo de um tio. Cada um deles, a seu tempo, foi gerente de importante firma, a qual durante mais de trinta anos prestou relevantes serviços a Petrópolis. Ao procurar fazer uma síntese biográfica, ficou patente que havia confusão entre eles, mesmo nas fontes consideradas as mais seguras. Fui procurar dados na hemeroteca do Arquivo Histórico Municipal e, graças à competência da chefe Mariza e à eficiência dos funcionários, consegui estabelecer a distinção entre as duas pessoas, ter a noção exata das suas gestões, mas constatei que houvera uma questão entre a referida firma e o governo municipal que se estendeu por muito tempo, obrigando-me a consultar anos inteiros de jornais antigos, além de outras fontes, arquivos e obras. Achei pouca coisa e meu relatório foi tachado de inconsistente!

O Turismo Histórico tem interesse também nas atividades que já foram exercidas no município de Petrópolis e lhe deram notoriedade nacional e até internacional. É o caso da produção industrial de tecidos, que o fez fornecedor até de países europeus, concorrendo ao lado de São Paulo e outros centros industriais do Brasil. Ainda existem provas e vestígios dessas atividades: o complexo da fábrica de Cascatinha, que embora bastante danificado, ainda é testemunho daquela época, se for devidamente restaurado; o edifício da fábrica São Pedro de Alcântara, que está sendo depredado mas também é representante da época áurea da industria têxtil. Até bem pouco tempo tinha em seu interior uma escada em ferro trabalhado, produto da Revolução Industrial; a fábrica Werner, ainda em funcionamento e modernizada, mas que guarda o edifício e outros vestígios das atividades e do modo de vida no passado.

Além desses edifícios e pertences, há elementos elucidativos e comprobatórios que é preciso resgatar. Trata-se dos documentos manuscritos, datilografados ou reproduzidos, sem os quais é quase impossível fazer história. Não me refiro a documentos produzidos em solenidades, assinados por altas personalidades, mas àqueles gerados no dia-a-dia, tais como fichas de operários, faturas, cadernos de rascunho de correspondência (chamados ‘borrões’) e tantos outros. que esclarecem sobre as atividades e o modo de vida num passado relativamente próximo, mas que já é parte da história de Petrópolis.

Além disso há vestígios de certas atividades que, embora exercidas apenas por artesãos, tornaram-se famosas e mundialmente conhecidas, como as bengalas confeccionadas por Carlos Spangenberg (citadas até pelo grande romancista português Camilo Castelo Branco) e os cristais trabalhados por Sieber.

Também na área das artes há nomes e produções que precisam e devem ter sua origem lembrada e exaltada, como Madalena Tagliaferro, Guerra Peixe e tantos outros.

Houve também inventores e invenções de origem petropolitana, antigos e modernos (ex.: Sterilair) e que precisam ser resgatados.

Em geral temos idéia errônea de que a história é passado, ‘coisas de antigamente’, velharias, que foram valorizadas por nossos antepassados por algum motivo ou feito heróico. No entanto, quem vive está fazendo história. Devemos ter a noção de que os fatos de hoje vão constituir a história de amanhã.

A Petrotur tem o programa de inventariar os atrativos históricos e culturais da cidade, com a finalidade de atrair turistas.

Nós petropolitanos, de nascimento ou adoção, precisamos conhecer e resgatar este lado da história, para nossa própria ilustração e para podermos divulgar e/ou elucidar as pessoas de fora, a fim de que não se percam fatos importantes ou pitorescos da nossa vivência, da de nossos avós ou bisavós.

Em Petrópolis é muito importante o período da monarquia e da colônia, os primórdios de sua existência. A cidade nasceu predestinada a abrigar principalmente dois tipos de gente bem definidos: a nobreza, representada pela família imperial e sua entourage, que aqui passavam os meses de verão, trazendo progresso e aumentando os recursos financeiros de Petrópolis, e os colonos, seus habitantes propriamente ditos, que aqui se estabeleceram, aqui trabalharam e constituíram as famílias, cujos descendentes formam a maioria do povo petropolitano.

Destruir os vestígios do passado, ou danificá-los, seria um crime contra a cidade. Pelo contrário devemos acentuá-lo. Se há alguma coisa capaz de chamar turistas, tanto nacionais como estrangeiros, é essa característica de Petrópolis: a sua história.