ADMIRÁVEL NAIR DE TEFFÉ!

Joaquim Eloy Duarte dos Santos, Associado Titular, Cadeira n.º 14 – Patrono João Duarte da Silveira

No Brasil dos homens surgiu num espanto a mulher desafiadora, corajosa, inteligente, vivaz, nascida a 10 de junho de 1886, filha de um dos notáveis do Império, Antonio Luiz Von Hoonholtz, o Barão de Teffé e esposa Maria Luisa Dodsworth, de família de expressiva tradição. Nair de Teffé vinha ao mundo no crepúsculo do Império e, no ano seguinte, estava com os pais residindo em Paris; depois Bruxelas (Bélgica), Nice (França), novamente Rio de Janeiro, em seguida Roma, novamente na França, enquanto os anos passavam e Nair já era menina moça de 15 anos. Sua educação foi esmerada e sua cultura aprimorada nos melhores educandários da Europa. Em 1905 seu pai retornou definitivamente ao Brasil, após brilhante carreira diplomática, elegendo Petrópolis para residência, mantendo casa do Rio, porém extrapolando sua permanência sazonal na Cidade de Dom Pedro II, além do habitual de seus coevos. A carioca Nair apaixonou-se pela bela, bucólica e florida Petrópolis.

Além da educação formal recebida no lar e nos educandários para moças, a irrequieta jovem possuía predicados pessoais que espantavam os circunstantes sociais de seu tempo: cantava afinada e com bela voz, desenhava com apuro e criatividade, corria livre pelos caminhos em alegria diversa das moças de seu tempo, cavalgava com maestria, conversava nos salões com desenvoltura e, na ingenuidade feminina daqueles tempos, escandalizava o rubor das senhoras programadas de narizes empinados; escrevia, poetava, seu espírito era vivaz, arguto, aquilino, caricaturando a sociedade como “homem”.

Feminina, bela, recebia olhares, bilhetes, cartas que deliciavam sua verve buliçosa e inspiravam suas tiradas sibilinas e, às vezes, desconcertantes. Tudo com muita graça e particular encanto.

Nair alcançou enorme e merecido sucesso com suas caricaturas, publicadas e disputadas pela Imprensa das duas primeiras décadas do século. Alimentou especial dedicação à arte cênica, amava o teatro. Coelho Netto escreveu para ela “Miss Love”, peça que protagonizou e foi sucesso no Rio e tem Petrópolis. Trabalhou na companhia do grande ator-empresário Leopoldo Fróes na peça “Longe dos Olhos” apresentada em Petrópolis para encanto da sociedade local e veranistas o que levou Nair à organização da “Troupe Rian”, montando e encenando peças dos destacados autores daqueles dias, como Abadie Faria Rosa, Álvaro Moreira, Afrânio Peixoto, Cláudio de Souza e do petropolitano Reinaldo Chaves. A Imprensa local e do Rio de Janeiro acompanhavam a atividade cênica de Nair de Teffé, rasgando elogios ao trabalho artístico e à finalidade de sua “Troupe” que era angariar fundos para a construção da Catedral de Petrópolis e beneficiar algumas obras sociais.

No dia 8 de dezembro de 1913 casou, no Palácio Rio Negro, com o presidente da república, Marechal Hermes da Fonseca, tornando-se primeira dama do País aos 27 anos de idade. Imediatamente quebrou os protocolos, abriu os palácios, levou música alegria e cor para sisudez daqueles espaços burocráticos e ardilosos. Talvez o grande dramaturgo Bernard Shaw conhecesse Nair para escrever o seu “Pigmalião”, notadamente na fase do apuro da dama simples na convivência com os notáveis palacianos. Ficou famoso o fato de Nair levar Catulo da Paixão Cearense e Chiquinha Gonzaga para recitais no Palácio do Catete, no ano de 1914, ensejando críticas terríveis aos conservadores, à frente Ruy Barbosa. Apesar de Ruy, o “Corta-Jaca” foi um sucesso!

Deixando a presidência, o casal Hermes da Fonseca refugiou-se em Petrópolis para descansar das atribuições políticas enervantes e desgastantes. Nem bem haviam passados 90 dias de recuperação, um acidente atingiu Nair de Teffé. Foi no dia 16 de fevereiro de 1915 que o cavalo puxador de charrete que levava Nair e seu pai para Correas, onde passariam o dia com o Dr. Edwiges de Queiroz, assustou-se, disparou e arremessou a condução a um barranco. Em consequência, a bela Nair sofreu contusão séria, sendo recomendado tratamento especializado na Europa, para onde seguiu no dia 3 de agosto de 1916. No Velho Mundo cumpriu à risca as determinações médicas, os exercícios fisioterápicos e sua recuperação foi quase total.

Muitos fatos marcaram a vida dessa extraordinária mulher. Ela viveu com intensidade seus dias de juventude até o falecimento de seus pais e, já viúva do esposo, Marechal Hermes da Fonseca. Na década de 1940, transferiu sua residência para Niterói e não mais foi vista em Petrópolis. Cerca de 40 anos depois, no dia 27 de fevereiro de 1975, a Academia Petropolitana de Letras, por mim presidida, trouxe Nair de Teffé a Petrópolis, para lançar o livro, “A verdade sobre a Revolução de 1922”. Numa bela noite, ela autografou a obra deitando especial carinho para cada qual, de todos lembrando o nome, conversando sobre o passado, recordando passagens de sua vida petropolitana. Em 1979 retornaria para receber o título de Cidadã Petropolitana, atrasado, porém, nunca tardio. A proposta foi do vereador Nilson Plat Filho.

Sobre Nair de Teffé, foi lembrada, sua atuação na área cultural, principalmente na arte cênica, em contribuição para os historiadores que escreveram a História do Teatro em Petrópolis. Nair de Teffé foi um grande nome da cultura teatral petropolitana como o foi das letras e artes plásticas.

Na revista “Fon-Fon”, de 1909 a 1910, uma coluna denominada “Esbocetos”, assinada por Fiorelli, retratava perfis das personalidades notáveis da vida social carioca. Sobre Nair de Teffé disse: “Miúda, miudinha, mimosa, frágil, delicada, uma figurinha de biscuit, digna de luxuosa etagére envidraçada e de pelúcia forrada. Uma tetéia, um fetiche, que compensa a exiguidade corporal por uma exuberância de vida e de graça. Fala com calor, sibilando muito levemente as palavras, num arroubo constante, das suas predileções. Pontua as frases lapidadas na sua excelente cultura intelectual. Adora a música, o teatro, a agitada existência mundana e o… Fon-Fon! É uma amadora muito disputada, e em quase todos os programas de festas de beneficência, no Rio e em Petrópolis, aparece o seu nome gentil e mingnon como a sua possuidora, curtinho, pequenino, leve como uma mariposa, melodioso como um gorjeio”.

A frágil e vivaz Nair era assim mesmo. O retrato de Fiorelli era perfeito. Enquanto as mulheres falavam de futilidades nos salões, a irrequieta filha do Barão de Teffé caricaturava; enquanto as moças dedilhavam estudos nos pianos, nas reuniões de família, a pequenina e bela Nair era emérita e talentosa pianista e cantava com argentina e afiada voz. Adorava o teatro não apenas como espectadora de nariz empinado nos camarotes, mas, acima de tudo, nele atuava com talento e invejosa graça.

Nair de Teffé, a Rian das caricaturas, era mordaz, crítica, satírica, de traços vibrantes, bem no estilo do desenho francês. Ela retratou muitas personalidades: o pai Barão de Teffé, as senhoras e moças da sociedade, os políticos, personalidades internacionais e criou deliciosas charges para o livro “Petrópolis, a Encantada”, de Otto Prazeres, no ano de 1922, com destaque para “o trem dos maridos”, “a chegada de um “Diário”, “as elegantes”, “melindrosas e almofadinhas”, “Deves-se bater nas mulheres?”, “Petrópolis, Estação de Águas”, “o emprego de genro”, “Petrópolis… que não ri”, “Petrópolis, o flirt”. No fim da vida Nair ainda pegava canetas, lápis e tintas para retratar personalidade contemporâneas, que guardava nas gavetas: Café Filho, Jânio Quadros, Carlos Lacerda, Costa e Silva, Paulo Gracindo, Grande Otelo, Aracy de Almeida, Sílvio Santos e outros.

Nair de Teffé, a pianista e cantora, encantava os saraus e reuniões com seu talento. Apreciava a música erudita e, acima de tudo, a música popular brasileira. Notável o seu feito pioneiro de prestigiar a música popular nos sizudos salões palacianos do poder, quando promoveu apresentação de Chiquinha Gonzaga no Palácio do Catete, irritando profundamente o conservador Rui Barbosa, que não poupou críticas à esposa do Presidente da República, sendo por ela, imediatamente caricaturado com irreverência e – em termo de hoje – notável gozação. Como pianista, sua formação foi clássica, como todas as moças da sociedade de seu tempo. Foi aluna de Jules Nicate, diretor do Conservatório de Lausanne, Suíça, e, no Brasil, dos maestros Arthur Napoleão e Oscar Guanabarino. Estudou violino, por volta de 1920.

Uma das grandes emoções de sua vida, que recordou com saudade até a morte, foi ter cantado em Londres trechos do “Guarani”, de Carlos Gomes, no Winter Palace, num festival em benefício dos feridos da Primeira Guerra Mundial, em 1918.

Nair de Teffé, atriz de teatro, era vocação nata. Seu pai, o Barão de Teffé, era um amante da arte cênica tendo escrito uma peça para o palco: “Justiça de Deus”. Nair interpretou, em 1912, a peça escrita especialmente para ela por Coelho Netto “Miss Love”, no papel título; formou uma companhia de teatro “Troupe Rian”, que ensaiou e encenou muitas peças com destinação filantrópica. O grande ator-diretor produtor Leopoldo Fróes deu-lhe uma ponta em “Longe do Olhos”. Nair não teve condições de prosseguir na carreira teatral por haver casado com o Marechal Hermes da Fonseca, então político de prestígio e naquele instante presidente da República. Quando este faleceu e depois perdeu o pai, Nair já não desfrutava do viço da juventude. Os recursos financeiros deixados pelo pai foram absorvidos em despesas necessárias e muito no “jogo-do-bicho” de que gostava a irriquieta senhora. Ao partir de Petrópolis, com as últimas economias, construiu e abriu o Cinema Rian, na Avenida Atlântica, nº 2965, em prédio com 4 andares, que explorou pessoalmente por algum tempo até ser envolvida numa sociedade com o exibidor e distribuidor Luiz Severino Ribeiro que, afinal, ficou com o cinema e o prédio em 1946. Condenado pela expansão imobiliária de Copacabana, o prédio “pegou fogo” em março de 1975. “Foi castigo”. – disse Nair em entrevista a “O Fluminense”, edição de 29 de março de 1975.

Nair ficou sem nada. Foi viver em Niterói com seus filhos adotivos e seus animais domésticos. Ali, no ostracismo, escreveu o livro “A Verdade sobre a Revolução de 1922”. Lançado com sucesso em vários pontos do país, e, em Petrópolis, em 27 de fevereiro de 1975, em promoção da Academia Petropolitana de Letras, com apoio da Prefeitura Municipal e da Imprensa Petropolitana.

A grande dama partiu no exato dia em que completou 95 anos de idade: 10 de junho de 1981. Foi sepultada na campa do esposo Marechal Hermes da Fonseca, no Cemitério de Petrópolis, próxima ao túmulo de seus pais na Petrópolis que amou e dignificou tanto.