A CASA DAS 7 MULHERES – (A História e a Fantasia)
Cláudio Moreira Bento, Associado Correspondente
Gaúcho natural da Serra dos Tapes onde se encontra a cidade de Piratini e Canguçu, o seu distrito de mais perigo e “mais farrapo” durante a Revolução Farroupilha 1835-45 e, além, autor do livro O Exército Farrapo e os seus Chefes em 1991 e outros sobre o assunto, cabe-me fazer algumas considerações históricas sobre o magnífica mini-série A Casa das 7 Mulheres da Globo que vem com traje de gala divulgando a Revolução Farroupilha, onde possui suas raízes a República Federativa do Brasil implantada há 114 anos.
A mini-série atende em seu miolo ou espinha dorsal, até agora, o desenvolvimento histórico da Revolução Farroupilha.
Mas como disse seu diretor Jaime Monjardin “ela possui 40 % de História e 60 % de fantasia”. E aproveitou um tema histórico e o vestiu de gala com toda a pompa e circunstância e de forma notável.
No tocante à Fantasia como elemento notável para atrair os tele- espectadores e passar-lhes o essencial da História, usou recursos inexistentes na época e tudo por conta da citada e louvável fantasia.
Exemplos: O uso de lenços vermelhos e brancos pelos farrapos e imperiais, um costume que remonta a Guerra Civil na Região do Sul 1893-95. O cenário lindíssimo dos Aparados da Serra onde a revolução não chegou. Luxo nas estâncias, casas e igrejas incompatível com aspecto espartano das mesmas, do que a estância de Bento Gonçalves em Cristal-RS, hoje Parque Histórico em sua memória, é um exemplo. Imperiais entrando a cavalo dentro de uma igreja quando os santos no Império eram mais respeitados que os próprios generais e a canção do Exército era a de N. S. da Conceição a sua padroeira. Era raro o uso de carroças e sim carretas. E não existiam carruagens que só aparecem em Pelotas por volta de 1865.
Os Farrapos não possuíam uniformes conforme abordamos no livro citado e nem usavam bigodes. As casas não possuíam vidraças o que só apareceria mais tarde. Tanto que o Ministro de Fazenda Domingos de José de Almeida, mineiro de Diamantina, levava em suas viagens em sua carretinha, uma pequena janela com vidraças para instalar nos locais onde montava o seu escritório itinerante.
Aliás ele não foi ainda citado bem como os cariocas João Manoel Lima e Silva e José Mariano de Matos, oficiais com curso na Escola Militar do Largo de São Francisco.
E aos três se deve a idéia depois da vitória de Seival da proclamação da República Rio Grandense em 11 de setembro de 1836 em Campo do Menezes pela Brigada Liberal de Antônio Netto e composta de 4 esquadrões mobilizados em Piratini, Canguçu, Cerrito e Bagé .
João Manoel foi o primeiro general farroupilha e foi assassinado pelos Imperiais em São Borja e de lá trasladado para Caçapava do Sul e ali espalhados seus ossos pelos campos por Imperiais. Era tio do futuro Duque de Caxias.
José Mariano de Matos foi Ministro da Guerra Farrapo, vice-presidente da República e seu presidente interino e autor do brasão farrapo e adotado desde 1891 pela Constituinte Gaúcha. Ao fim da Revolução foi Ajudante General de Caxias na Guerra contra Oribe e Rosas, 1851-52, e terminou como Ministro da Guerra do Império em 1864.
A mini-série exagerou nas tintas revolucionárias ao tratar do maior general do período, o sorocabano General Bento Manoel Ribeiro que assim foi defendido pelo grande Osvaldo Aranha.
” Bento Manoel, o grande farroupilha foi até certo ponto a figura mais caluniada da nossa história. Não lhe compreendiam as aparentes variações e transigências. Não lhe perdoavam o monarquismo destoante do espirito da Revolução. Investigações mais profundas permitiram resgatar a verdadeira figura moral do soldado. Bento Manoel é um dos maiores tipos do Rio Grande. Guerrilheiro e soldado, a sua fé de ofício não inveja a de ninguém. Lutou pelo Rio Grande sem nunca perder de vista a Integridade do Brasil.”
Concordamos com Osvaldo Aranha e na História da 2ª Brigada de Cavalaria Mecanizada estamos abordando os argumentos em que ele justificou suas atitudes e que nunca foram ouvidos e considerados e sim abafados por esta quadra popular no folclore gaúcho.
” Pode um altivo humilhar-se,
pode um teimoso ceder,
pode um pobre enriquecer,
pode um pagão batizar-se,
pode um avaro emprestar,
um lascivo confessar-se,
tudo pode ter perdão!
Só Bento Manoel não. “
Lamento a abordagem exagerada da figura de Bento Manoel pela mini-série, que se reflete negativamente em seus descendentes que por ai se encontram, merecendo destaque o General Bento Ribeiro, hoje nome de um bairro no Rio e que como Chefe do Estado-Maior do Exército criou a celebre Missão Indígena da Escola Militar do Realengo ( 1919-1921 ).
Não sabemos em que fontes a mini-série buscou apoio, pois não vi ela referir-se a nenhuma delas o que me parece seria ético e justo que o fizesse, como homenagem a todos aqueles que com suas pesquisas possibilitaram os argumentos para Jaime Monjardin. Isto fortaleceria a democracia e o direito à propiedade intelectual. Fica o registro! Não chego ao ponto de alguns escritores classificarem esta ausência de referência a seu trabalhos de pirataria intelectual. Talvez a autora do romance A Casa das 7 Mulheres tenha feito em seu livro.
Em 1971 produzimos o livro A Grande Festa lanceiros focalizando a inauguração do Parque Histórico Osório em Tramandai e nele, em razão de réplica do barco Seival ali colocado, resgatamos o feito épico do transporte dos barcos Seival e Farroupilha, da Lagoa dos Patos ao Atlântico. E junto as histórias de Garibaldi, Anita, e do norte-americano John Crigs, esquecido na mini-série em sua grandeza e que atuou como construtor e comandante do barco Seival, em cujo comando encontrou a morte na batalha naval de Laguna. E mais os esquecidos lanceiros negros farrapos e seu líder o Cel. Joaquim Teixeira Nunes, natural de Canguçu e considerado pelo General Tasso Fragoso como “a maior lança farrapa.”
Isto nos fez sugerir neste livro, então pela presença de Garibaldi, John Grigs e Anita, um consórcio cinematográfico Brasil, EUA e Itália para fazer um filme que hoje a mini-série esta fazendo com grande brilho que nos enche de orgulho .
A novela é magnífica. Os reparos correm por conta do tratamento injusto de Bento Manoel na mini-série e ela em seu excelente trabalho não mencionar os historiadores que ajudaram a fazer o seu trabalho preservando a memória desta revolução.
E o que a Globo realizou é do agrado geral, menos para o descendentes do General Bento Manoel apresentado como um homem diabólico sem levarem em conta o quanto lhe devem a Unidade, a Soberania e a Integridade do Brasil e mesmo a expansão do Brasil no Sul de 1801 a 1828. Confirmar é obra de simples raciocínio e verificação!
E por último: A Revolução Farroupilha conforme demonstramos no livro citado foi feita pela guarnição do Exército do Rio Grande a maior da época, em apoio aos fazendeiros e charqueadores que integravam a Guarda Nacional que era comandada por Bento Gonçalves.
As 6 unidades do Exército que guarneciam a Província se revoltaram: 1 de Infantaria, 1 de Artilharia e 4 de Cavalaria.
Bento Manoel e Bento Gonçalves eram oficiais de Estado Maior do Exército e vinham de comandar a Cavalaria de Rio Pardo e Jaguarão. Só o comandante do 2º RC de Bagé não se revoltou e o Ten. Osório, hoje patrono da Cavalaria, aderiu à revolução e conduziu seu comandante até a fronteira.
Sintetizando, a mini-série satisfaz a História em sua espinha dorsal e a fantasia no esplendor de suas imagens onde ressaltam gravuras da época de Porto Alegre e Rio Grande que conseguiram movimentar dando uma impressão de realismo, acredito que por conta do gênio de Hans Donner. Vamos aguardar o que vem por ai e como Caxias, o seu pacificador, será tratado historicamente na mini-série em seu bicentenário de nascimento em 2003, ocasião em que lancaremos um livro Caxias e a Unidade Nacional o reverenciado como patrono da Academia de História Militar Terrestre do Brasil