AURELIANO COUTINHO – PRÓS E CONTRAS

Francisco José Ribeiro de Vasconcellos, Associado Emérito, ex-Titular da Cadeira n.º 37 – Patrono Sílvio Júlio de Albuquerque Lima

Há duzentos anos, nascia em Itaipu, hoje atraente bairro de Niterói, Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, que mais tarde, quase in extremis, receberia do Imperador D. Pedro II o título de Visconde com Grandeza de Sepetiba.

Estudou em Coimbra; foi prócer do Império; Senador e Presidente de sua Província entre 1844 e 1848. Morreu na capital fluminense em 1855.

Tais os dados marcantes da vida de um incontestável estadista, com enorme folha de serviços prestados à pátria e especialmente à Província do Rio de Janeiro, tendo inclusive o seu nome ligado indelevelmente a Petrópolis.

Porém, Aureliano, à testa do governo fluminense, estudado à luz de seus relatórios presidenciais, revela por vezes uma personalidade um tanto contraditória, ora obrando com extrema simplicidade e clareza, demonstrando profundo conhecimento de seu torrão de origem e dos males que o afligiam, ora elaborando no sentido do fantasioso, do hiperbólico, como se estivesse cego diante da realidade palpável.

E como comemorar também é criticar, mormente quando a perspectiva temporal permite uma visão de corpo inteiro do homenageado, depuradas todas as paixões, impõe-se o estudo frio e sincero da personalidade de Aureliano Coutinho na condução do governo da Província do Rio de Janeiro, no aurorecer do segundo reinado.

Por carta imperial de 1º de abril de 1844, foi nomeado para conduzir os destinos de sua terra natal, tendo deixado a presidência a 3 de abril de 1848.

Uma de suas grandes iniciativas foi, através de uma circular enviada às várias câmaras municipais da Província, tentar aferir os anseios e carências das comunas fluminenses em meados dos anos quarenta do século passado.

E, as respostas a esse apêlo dão bem um diagnóstico do estado de estagnação e penúria em que viviam os nossos municípios naquela época.

No relatório apresentado à Assembléia Provincial em 1º de maio de 1846, o futuro Visconde de Sepetiba deu a conhecer àquela corporação o resultado de sua pesquisa e fê-lo, fazendo de antemão comentário judicioso que valia crítica ao sistema reinante por força da bitoladora de 1824, pouco abrandada, no que concernia às províncias e aos municípios, pelo Ato Adicional de dez anos depois.

Dizia ele:

“Ou seja pela pouca renda desses corpos meramente administrativos, ou pela dificuldade de se reunirem frequentemente os seus membros, ou por outras causas, o certo é que as câmaras municipais não têm podido fazer nos respectivos municípios todos os bens que a lei de 1º de outubro de 1828 prometia”.

Trocando em miúdos, a chamada lei das municipalidades de 1828, como inúmeras no Brasil de todos os tempos, era um modelo no papel, mas de uma total ineficiência na vida real. Feita ao arrepio da nossa realidade e não podendo contrariar a linha mestra da Carta de 1824, fez das câmaras municipais, como frisou com felicidade Aureliano Coutinho, “corpos meramente administrativos”, sem qualquer poder de decisão, já que dependiam visceralmente das assembléias provinciais e sem rendas próprias. Enfim, não havia qualquer tipo de autonomia municipal, de modo a permitir que as comunas caminhassem por seus próprios pés. Daí a estagnação, a penúria, a letargia que dominavam a rede municipal brasileira. Na província fluminense não seria diferente, mesmo a despeito da sua proximidade da Côrte e do progresso da cultura cafeeira, cujos frutos, ao fim e ao cabo, iam parar nos cofres do governo central, de onde, por uma difícil capilaridade, chegavam minguados e com atraso às unidades do Império. Vivíamos por conseguinte uma enorme cístole administrativa e econômico-financeira.

E como não havia também liberdade de ação para as províncias, as comunicações internas eram as piores possíveis, daí a alusão de Aureliano Coutinho à dificuldade que tinham os vereadores de se reunirem para tratar dos temas administrativos de suas respectivas comunas.

No município da capital fluminense, o quadro era aterrador, segundo a resposta à circular do Presidente da Província.

A Câmara de Niterói reclamava o aumento da água potável, a construção de uma praça de mercado e de um cais; o calçamento das principais ruas; o melhoramento da estrada para Itaboraí e das vias de acesso a Maruí e Barreto, sempre invadidas pelo mar, o que dificultava o trânsito público, e a criação de uma casa de caridade para o atendimento aos doentes pobres do município.

A Câmara Municipal de Itaguaí pedia a construção de uma casa de Câmara e cadeia, de um chafariz que fornecesse água aos habitantes, que a pediam aos particulares que tinham poços; a criação de uma casa de caridade para atendimento à pobreza; o calçamento da rua do comércio, logradouro principal da Vila.

Paraíba do Sul, município desde 1833, ainda clamava pela casa da câmara e por uma cadeia.

A velha Parati, vinda do auge do movimento tropeiro dos séculos XVII e XVIII, na ligação litoral / Vale do Paraíba / Mantiqueira, era uma carência só, em 1846. Rogava a construção de um edifício que servisse para casa da câmara e cadeia, “por isso que o atual, construído há 130 e tantos anos, além de muito arruinado, não serve para prisão, não tendo acomodações, nem sendo ventilado”. Solicitava ainda um chafariz para a cidade, “porque os seus habitantes bebem a água insalubre dos dois rios: Piraqueaçu e Mateus Nunes; a construção de uma praça de mercado e de uma ponte junto dela. Pedia finalmente a continuação das obras da estrada nova da serra de Parati e os reparos na velha, das quais dependia o progresso do veterano burgo, pela ativa relação comercial que mantinha com Minas e São Paulo.

A Câmara de Iguaçu, reclamava um prédio para abrigá-la, bem como a cadeia e o júri, e a de Vassouras, fazendo o mesmo tipo de reclamação alegava que o edifício, que ali atendia por cadeia, não passava de “uma casa particular de pau a pique sem nenhuma segurança nem acomodações”.

E dizer-se que Vassouras, grande beneficiária das fortunas que o café multiplicava, ia se tornando o forte reduto dos barões fluminense. Mas o município estava com o bico nágua morrendo à sede.

As câmaras de Barra Mansa e Resende, dois municípios eminentemente agrícolas e povoados de cafeicultores, concentravam suas lamentações nas obras viárias, que promovessem a comunicação rápida, segura e confortável de seus núcleos com os mercados consumidores e com os portos de mar.

Angra dos Reis padecia, como de resto grande parte dos municípios fluminenses, de uma casa para sessões da câmara, do júri e para abrigar os presos. E especialmente reclamava das autoridades provinciais, reparos urgentes no convento de São Bernardino, onde funcionava o Liceu criado em 1839, que ameaçava ruir e podia causar a morte de muitos alunos.

Cantagalo, Valença e Cabo Frio tinham, entre outras reivindicações, a chapa batida que afinal embutia a vida burocrática do município e, bem assim, a judiciária do termo ou comarca. Era certamente o que poderia haver de mais comesinho, pois assim como ninguém pode viver sem um teto, também uma comuna não pode subsistir sem uma casa para as sessões da câmara e o termo ou comarca não pode funcionar sem o lugar das postulações e das audiências, à época, o júri, símbolo do agora, sala de espetáculos por excelência, antes de ser o tribunal onde se condenava ou se absolvia.

Na arrematação desta sua fala, Aureliano Coutinho pretendeu rearrumar a Província, propondo alguns arranjos político-administrativos, com a intenção de facilitar a vida dos povos. Nesse contexto, andou obrando aqui e ali com pouca acuidade, esquecendo-se dos condicionamentos geográficos e culturais que deveriam presidir a mini-reforma pretendida. Vamos ao tema.

Aureliano propôs a criação de duas novas vilas na Província: a do Porto da Estrela e a da Barra do Rio São João.

A primeira, aglutinaria as seguintes freguesias: Pilar, então pertencente ao município de Iguaçu, Guia de Pacopaíba, Suruí e Inhomirim, agregadas na altura à Magé. Criar-se-ia a freguesia de Petrópolis que passaria também a pertencer à nova Vila do Porto da Estrela.

No conceito do Presidente da Província, a freguesia de São José do Rio Preto deveria ser desanexada do município de Paraíba do Sul, vindo a integrar o município de Magé e a de Pati do Alferes poderia sair do território de Vassouras, para incorporar-se ao de Paraíba do Sul.

Justificando seu projeto, argumentava Aureliano:

“As relações dos habitantes da freguesia do Pilar, por exemplo, são todas para o Porto da Estrela, donde ficam mais perto do que de Iguaçu; as de Petrópolis, hoje tão aumentada com a colônia, são todas para o mesmo porto e não para a Paraíba do Sul, muito distante; as de São José do Rio Preto são todas para Magé, para onde exportam diariamente os seus produtos e donde ficam muito mais perto do que a dita vila do Paraíba do Sul, etc.”

Aureliano só tinha em mente o problema da comunicação, aliás discutível, já que a mesma nunca era das melhores na Província, fosse em que latitude ou região fosse. Ocorre que tanto Petrópolis como São José do Rio Preto estavam na região serrana fluminense, pertencendo ambas ao Vale do Paraíba. Portanto integravam a mesma região geográfica de Paraíba do Sul, tendo com a sede do município imensas afinidades econômicas, sociais e culturais.

Daí ter sido um erro clamoroso, ao ser criada a freguesia de São Pedro de Alcântara, atrelá-la ao município da Estrela, situada na baixada quente e úmida, como foi também burrice jungir Teresópolis a Magé, quando o normal era que aquele burgo serrano, outrora freguesia de Santo Antonio do Paquequer, pertencesse a Friburgo ou a Cantagalo.

E já no fim do seu discurso, Aureliano, defendendo a criação da vila de Barra do Rio São João, terra do poeta Casemiro de Abreu, frisou:

“O arraial de São João está tão aumentado, tem tanto comércio e população que já exige ser elevado à vila; sua posição junto à barra de um grande rio navegável, pelo qual entram todos os anos muitas sumacas a fazer o comércio de madeiras e de outros produtos de que abundam os sertões e margens do mesmo rio, hoje tão povoados, reclama também essa elevação.”

No seu relatório de 1º de maio de 1846, o Presidente Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho, abordando a instrução pública na província fluminense, houve-se desta maneira:

“Sinto concordar com este ilustrado funcionário em asseverar que há na província um verdadeiro luxo de instrução; que as leis que a regulam são defeituosas; e que a despesa com este tão importante ramo do serviço público, não corresponde à vantagem que se podia e que se deve dela tirar.”

Vale frisar antes de qualquer comentário, que naquele tempo, não se confundia instrução com educação, como passou a ser comum e corrente no Brasil a partir dos anos trinta deste século.

Dizia-se Instrução Pública e o Ministério que se criou já na era getuliana, deveria ser da Instrução e não da Educação.

Tinha Aureliano Coutinho um incontestável conhecimento das coisas de sua província, ao contrário de muitos de seus antecessores e sucessores, que passaram pela administração dela como Pilatos no credo, cumprindo tabela, fazendo jogos políticos, ou desempenhando papel meramente burocrático.

A critério de Aureliano, a instrução na terra fluminense era um verdadeiro luxo mercê do contexto legal em que se inseria, dissociado da realidade e dos verdadeiros reclamos do meio estudantil.

É preciso não perder de vista que a legislação pertinente, fosse na província fosse no Brasil em geral, era toda ela calcada em modelos alienígenas e concebida ao arrepio das necessidades dos pais, dos alunos e dos professores.

Enfatizava Aureliano Coutinho que, por exemplo, os inspetores de ensino, nada fiscalizavam, ou o faziam de forma suspeita e parcial, principalmente no interior, onde eles, “muitas vezes nascidos e quase sempre estabelecidos no lugar de sua inspeção, rodeados de afeições e de amizades, são constrangidos a não obrar convenientemente por força das dificuldades, que dessas afeições se originam.”

Era o compadrio velho de guerra que impedia uma boa e eficiente inspeção, dando lugar muitas vezes à aplicação daquela máxima:

Para os amigos, tudo; para os inimigos a lei.

Dizia o Presidente da Província fluminense, no seu lúcido e verdadeiro discurso, que o diretor da instrução era “uma entidade sem força e sem ação, colocada na capital da província para receber e transmitir ao presidente dela os orçamentos das despesas das escolas e as informações não poucas vezes incompletas, que de lugares remotos lhe enviam os inspetores de tais escolas…”

A lei provincial, por seu turno, indiscriminadamente, sem atentar para as peculiaridades de cada região ou de cada comunidade fluminense, determinava que em todas as escolas públicas se ensinasse a ler, escrever, contar, religião, gramática, aritmética, geometria, geografia e astronomia. O professor tinha que ter sido aluno da escola normal e aprovado num exame público. Isto valia tanto para Niterói, capital da província, como para São José da Boa Morte, nos confins da então vila de Santo Antonio de Sá.

Frisava Aureliano:

“Por consequência, tanto nas cidades populosas, como nas vilas, arraiais e freguesias, são as escolas montadas do mesmo modo e sob as mesmas bases; isto é, nos lugares menos populosos e habitados pela maioria de pessoas pouco abastadas, e, mesmo indigentes, quer a lei uma escola regida como nos grandes povoados, por um professor com maiores habilitações, vencendo o ordenado de 600$000 e percebendo além disso o quantitativo necessário para o pagamento do aluguel da casa, onde tem a escola, e a importância de sempre em avultados orçamentos para utensílios, papel, livro, etc.”

Esse professor, ao fim e ao cabo, num povoado qualquer do interior da província, não teria a quem ensinar, “porque o pai do menino pobre, que o manda a escola, desde que por si o considera capaz de ajudá-lo, na acanhada lavoura, no tráfego da pescaria ou da taverna, o retira sem se embaraçar com o complemento da educação primária de seu filho; e o mesmo acontece a respeito das escolas do sexo feminino.”

Volvidos tantos anos esse mesmo problema segue afligindo as populações não só do interior fluminense mas do Brasil em geral. Não mudou nada, apesar de tantos avanços tecnológicos, de tantas teorias e doutrinas educacionais, de tantas leis e de todas as secretarias e do próprio Ministério da Educação.

E Aureliano Coutinho fazia esta gravíssima denúncia:

“Por outro lado, se em alguns lugares há dignos professores, em outros, os mestres não só não fazem esforços para aumentar o número dos discípulos, como conduzem-se de modo que os pais preferem ter os seus filhos em escolas particulares, sendo a pública uma verdadeira sine-cura; chegando o escândalo a ponto de pedirem discípulos a escolas particulares ou meninos a seus pais, para com eles encher a escola pública em alguma ocasião, em que os presidentes, passando pelo lugar as vão visitar…”

Assim como havia leis para inglês ver, também havia escolas para presidente de província ver. Mania da farsa, do faz-de-conta do tapa miséria; apostolado do embuste.

Tal a radiografia da instrução pública na província, no início do Segundo Reinado, feita por um homem que demonstrava conhecer de perto as maselas e as malandragens do ensino nos vários quadrantes provinciais.

Aureliano Coutinho também não se conformava com o fato de não poder o presidente da província criar, sem antes ter a aprovação da assembléia, escolas, nos lugares em que elas se fizessem necessárias, ou que tivessem sido solicitadas pelas respectivas municipalidades.

Essa falta de autonomia criava entraves à administração provincial, à agilização das realizações de interesse público, fazendo do presidente refém de uma corporação que nem sempre obrava no sentido das necessidades palpáveis do povo.

Passando da crítica às soluções, Aureliano Coutinho apresentava à Assembléia suas idéias, para que a instrução deixasse de ser um luxo e uma farsa na província, para tornar-se um serviço ao alcance de todos, respeitadas as peculiaridades de cada região: geográficas, climáticas, socio-culturais.

O Presidente criaria nos lugares menos populosos, escolas, onde se ensinasse a ler, escrever, contar e os princípios básicos da religião oficial do Império.

Aos professores desses estabelecimentos, seriam exigidos apenas os condicionamentos básicos para que bem desempenhassem as suas funções de simplesmente mestres de primeiras letras. Alfabetizadores, seriam eles.

Para atrair esse professores, Aureliano aconselhava, que lhes fossem pagos um salário compatível com grupo de 20 ou 30 alunos e mais uma quota suplementar por um certo número de discípulos que excedesse aquele. E justificava esse alvitre, dizendo que “o interesse de maiores vantagens o tornaria (referia-se ao professor) solícito em cumprir seus deveres e em chamar à escola o maior número possível de alunos…”

Motivados pelo ganho, os professores iriam pegar alunos a laço nos desvãos da terra fluminense e em pouco tempo, excluídos alguns setores fora do alcance das escolas, os escravos, por exemplo, praticamente não haveria mais analfabetos na província.

Já nos centros populosos e nas cabeças das comarcas, Aureliano criaria escolas “com o caráter de colégios”, onde se ensinassem todas as matérias curriculares e onde se abrigassem alunos internos, “que tivessem provado a sua indigência”.

Os frequentadores de tais colégios deveriam “trajar um vestuário simples e uniforme”. Fossem abastados ou não, os alunos teriam que usar o mesmo traje, para não causar traumas e complexos nos menos afortunados.

Arrematando magistralmente o seu discurso, alvitrou Aureliano Coutinho:

“E seria de imensa vantagem que nesses colégios se ensinassem as artes mecânicas, pois da falta de uma semelhante providência, seguem-se muitos males e a perda de muitos talentos.”

Era o embrião dos futuros liceus de artes e ofícios e, em última análise do ensino profissionalizante.

Não obstante tanta clareza, simplicidade e objetividade, Aureliano Coutinho cometeu um pecado que merece registro e que por um dever de honestidade não pode deixar de ser consignado aqui, dado que esta comunicação não tem o caráter panegirista.

Já o seu antecessor, João Caldas Vianna, em relatório de 1844, ao falar do já existente Liceu de Angra dos Reis e ao preconizar a criação de estabelecimento congênere em Campos dos Goitacazes, havia descartado a hipótese da implantação de um liceu em Niterói, dado que a juventude da capital fluminense, pela proximidade da Côrte, ia ali estudar ao invés de buscar as luzes do saber no caput de sua província.

Aureliano, entretanto, fechando os olhos à realidade deu curso ao seu desejo de criar um liceu em Niterói e, pelo decreto de nº 425 de 1º de junho de 1847, ficou autorizado pela Assembléia a substituir a escola normal, a de arquitetura e o colégio de artes mecânicas (estes últimos existentes apenas no papel), por uma escola ou liceu central, cujo ensino fosse também profissional ou utilitário.

No mesmo ano, o regulamento da instrução pública na província, firmado em 1º de setembro pelo Vice-Presidente José Maria da Silva Paranhos, no capítulo VIII, artigo 57, determinou o estabelecimento na capital de um liceu destinado ao estudo das letras e com particularidade das ciências físico-matemáticas. Seriam ao todo onze cadeiras.

O plano geral do liceu era fantástico, valendo a pena lê-lo em todos os seus detalhes no indigitado regulamento. Mas faltava o elemento fundamental para que a nova instituição desse certo e deslanchasse: o aluno, e a história demonstra que esta falta em prazo curto levaria o sonho de Aureliano para o desastre total.

João Pereira Darrigue Faro, em seu relatório de 1º de março de 1850, afirmava que o Liceu de Niterói distinguia-se somente por sua irregularidade e que nenhum serviço havia prestado à capital da província. E mais: que em fins de 1848, não apresentava o liceu um aluno siquer que o houvesse aproveitado e que depois de dois anos de existência, os exames finais de 1849 aprovaram apenas 3 alunos em gramática nacional e matemáticas e 2 em latim.

Como resultado de todo esse insucesso, não teve outra alternativa o governo provincial em extinguir o Liceu de Niterói.

Aureliano Coutinho foi um dos grandes entusiastas e incentivadores da criação de colônias de migrantes europeus na província fluminense.

No seu relatório de 1º de maio de 1846, fez justiça à legislatura de 1840, que havia obrado naquela direção.

Com efeito, a lei de nº 226 de 30 de maio de 1840 dizia no seu artigo 1º:

O Presidente da Província é autorizado para contratar com empresários ou companhias que se organizarem, o estabelecimento de colônias agrícolas ou industriosas na Província, segundo os planos que forem propostos pelos ditos empresários ou companhias e aprovados pelo mesmo Presidente, tomando por bases essenciais do contrato as condições seguintes:

a) estabelecimento do sistema de enfiteuse;
b) proibição da presença de escravos nas colônias;
c) obrigação do estabelecimento efetivo das colônias dentro do prazo de dois anos da assinatura do contrato, sob pena de caducidade deste.

O artigo 5º da lei em estudo prescrevia em síntese:

Na falta de empresários, o governo provincial poderá promover a introdução de colonos nas terras devolutas e, na falta destas, haver por compra terras que se prestarem à colonização.

O artigo 8º consignava:

Enquanto as mencionadas colônias agrícolas e industriosas ou depósitos de colonização não estiverem estabelecidos, na forma dita, fica o Presidente autorizado, desde já, a mandar engajar diretamente por agentes, ou a haver por contrato, da Sociedade Promotora da Colonização do Rio de Janeiro, até o número de cem famílias de colonos operários, mormente canteiros, pedreiros e ferreiros, a fim de empregá-los convenientemente nas obras públicas da província.

E o artigo 10 falava do principal, ou seja, da dotação de meios suficientes para que a província pudesse bancar os eventuais empreendimentos. O Presidente ficava assim autorizado a despender até 60 contos de reis por ano, pelo prazo de apenas cinco anos, no transporte e engajamento de colonos, emitindo apólices a proporção que fosse fazendo a despesa, escriturando na epígrafe Empréstimo para a colonização na Província do Rio de Janeiro.

A bem da verdade, muitos dos postulados contidos no diploma legal em epígrafe, já estavam incluídos no decreto geral de nº 58, de 9 de outubro de 1835, que autorizava o governo a conceder à companhia que João Henrique Freese organizasse, com base no decreto da Assembléia Legislativa da Província do Rio de Janeiro, de 14 de abril de 1835, quatro sesmarias de légua quadrada cada uma, sendo parte delas nas imediações das estradas que a companhia se propunha a abrir para fazer a comunicação de Friburgo e Cantagalo com Macaé e parte às margens dos rios Macaé e Imbé.

Entre as condições a serem cumpridas pela companhia, estavam: proibição de empregar escravos nas colônias; obrigação de medir e demarcar as terras e dar início à sua cultura, dentro do prazo de dois anos contados da data da concessão, sob pena de cair em comissso; obrigação de no prazo de cinco anos fazer habitar as terras concedidas aos colonos europeus em número superior a 60 casais por légua quadrada em sua totalidade.

E o decreto trazia esta cláusula importantíssima, a curto prazo, que não foi repetida na legislação, fosse geral, fosse provincial, o que acabou trazendo enormes entraves à atração de migrantes para o território brasileiro: “os colonos, findo o primeiro ano de residência, seriam considerados brasileiros naturalizados.”

Apesar do decreto geral em tela e do provincial de 14 de abril de 1835, o que assoalhou o discurso dos presidentes da província no aurorecer da quarta década do século passado, foi a lei de 30 de maio de 1840 tida como marco inicial da colonização européia em terras fluminenses.

O Conde de Baependi, no seu relatório de 1º de março de 1842, teceu lôas à legislatura de 1840 e à lei nº 226, concluindo: “Ela me parece suficiente e assaz providente”.

Caldas Vianna, na sua fala de 5 de março de 1843, chamou a lei de 30 de maio de 1840 de sábia e previdente.

E Aureliano Coutinho ao debulhar os aspectos fundamentais de tão auspicioso e decantado diploma legal, mostrando todas as suas facetas positivas, não se esqueceu, como aliás já o fizera Caldas Vianna, de louvar o ato do Imperador, chamado de decreto, mas não constante da legislação ordinária, com data de 21 de janeiro de 1842, pelo qual eram concedidas 12 léguas de terras em quadro, ou o seu equivalente, juntas ou separadas “no lugar em que as houvessem devolutas na província”.

Daí nasceu o primeiro projeto colonial fluminense, no chamado sertão da Pedra Lisa, no município de Campos dos Goytacazes.

Raiou, ainda na gestão Baependi, quando o governo da província contratou em 20 de outubro de 1842, com Ludgero José Nellis, de nacionalidade belga, o estabelecimento de vinte colonos e com o governo geral a introdução de outros vinte, nos chamados sertões da Pedra Lisa, os quais ficavam entre os fundos do sertão do Nogueira e as margens do rio Itabapoana, estendendo-se para o centro, pelo Carangola, sertões do Puri e da Pomba, até as divisas do município de Cantagalo e da Província de Minas Gerais.

Nesta região ainda inculta e inóspita, Nellis contando com o ovo ainda no fiofó da galinha, enfrentando inclusive sérias brigas com os posseiros da região, obteve o aforamento perpétuo, de meia légua de terras, onde pretendia estabelecer os mencionados colonos, vindos da Bélgica ou da Alsácia. Ali esperava ele cultivar o linho.

Embora Caldas Vianna, no seu citado relatório, tenha feito os melhores prognósticos para esse ensaio de colonização na província, os fatos que se seguiram provaram exatamente o contrário.

Aureliano Coutinho, sucessor de Caldas Vianna, na sua fala de 1º de maio de 1846, conta que o empresário belga queria introduzir na Pedra Lisa 125 colonos, casados e solteiros, lavradores e morigerados. O governo da província deu-lhe um empréstimo, para que pudesse pagar as passagens dos migrantes e as primeiras despesas destes no seu novo habitat. Tal adeantamento deveria ser pago em dois anos, contados da efetiva fundação da colônia.

Afinal, chegaram à Pedra Lisa em 14 de fevereiro de 1844 apenas 95 imigrantes. Explica então Aureliano:

“… mas, ou fosse porque se acharam mal acomodados, por não estarem ainda então prontas as casas ligeiras, que se lhes tinham mandado preparar, ou pela falta que experimentaram de mantimentos, ou porque se achassem iludidos nas esperanças, que o empresário lhes fez conceber, o certo é que no mês de abril desse ano os colonos haviam desertado quase todos, e, o empresário procurava o governo, ora para lhe mandar adiantar alguma soma e dar outras providências para que ele pudesse conter o resto e ora para contratar novamente, de ir ele à Europa, mediante uma quantia que se lhe avançasse, por empréstimo, engajar novos colonos.”

Enfim, a colônia da Pedra Lisa foi um rotundo desastre.

Nessa quadra de pioneirismo no concernente ao estabelecimento de colonias de migrantes europeus na província fluminense, Petrópolis seria o empreendimento que daria certo. Para isso concorreram vários fatores num momento de rara felicidade.

Tudo convergiu para o sucesso da empresa e Aureliano Coutinho, na esfera de suas atribuições, teve participação efetiva na prestigiosa parceria que desabrochou vitoriosa a 29 de junho de 1845.

Ele, com sua pronta atuação, fez a ponte entre o que lhe permitia o artigo 8º da lei de 30 de maio de 1840, norma aplicável na altura, à construção da Estrada Normal da Estrela, e, a promessa da instalação de um núcleo colonial na Fazenda do Córrego Seco, beneficiária direta da referida estrada, por força do arrendamento da mesma fazenda ao Major Júlio Frederico Koeler e das expressas determinações contidas no ato imperial de 16 de março de 1843.

Petrópolis é por conseguinte filha de um joint venture em que se engajaram, com seus respectivos quinhões, o Imperador D. Pedro II, o mordono Paulo Barbosa da Silva, o Major Júlio Frederico Koeler e o Presidente da Província Aureliano de Souza e Oliveira Coutinho.

No seu já tão citado relatório de 1º de maio de 1846, Aureliano Coutinho, num depoimento autêntico, equilibrado e veraz, traçou as linhas mestras desse auspicioso cometimento, o que confirma o que acima ficou explicado.

Disse ele que, considerando o malogro das empresas que até então haviam tentado a aventura de estabelecer colônias agrícolas na província; considerando que o aumento da população livre impunha a vinda de casais e não somente de cidadãos solteiros; considerando que a província dispendia grandes somas com o engajamento de escravos nas obras públicas, quando eles seriam muito mais úteis na lavoura; “considerando mais, que alguns casais de colonos, empregados na importante obra na serra normal da Estrela, podiam melhor aclimatar-se ali e ir formando o núcleo de uma colônia na povoação denominada Petrópolis”; decidiu contratar com a Casa Carlos Delrue de Dunquerque, França, a introdução de 600 casais de colonos alemães, sob as condições lançadas no instrumento de 17 de junho de 1844.

É justamente sobre essa transação que pairam dúvidas, até hoje, não suficiente esclarecidas. Por que Delrue, que acabou forçando a barra, transgredindo algumas condições contratuais, sob as vistas complacentes do governo da província? Por que o embarque em Dunquerque, quando o mais lógico seria que ele se desse ou em Roterdam ou em Hamburgo?

Estaria aí o lado negativo de Aureliano nesse aurorecer da colonização na província?