IMPERIAL FÁBRICA DE S. PEDRO DE ALCÂNTARA E TIPOGRAFIA DE “O MERCANTIL”

Thomas Cameron

Imperial Fábrica de S. Pedro de Alcântara

Não há muitos anos tristes preocupações abalavam os que conhecendo bem a situação de Petrópolis viam como que agonizando a sua população à míngua de elementos de vida.

Colônia agrícola em seu comêço estava evidenciado que à lavoura se não prestava o terreno, e que o agricultor estrangeiro achava-se sem terras para lavrar, e portanto sem trabalho a que dedicar as suas fôrças.

Cidade puramente de recreio vivia apenas três ou quatro meses no ano, e o resto do tempo era de quase vegetação para os habitantes permanentes.

No entanto pequeno não era o número dos que tinham presos aqui os seus interêsses, o fruto de seu trabalho, a habitação de sua família com aquelas comodidades que lhes eram indispensáveis.

Na impossibilidade de se desapegarem completamente dêste lugar, onde como que tinham raízes, desmembravam-se as famílias, iam êstes ou aquêles em busca de trabalho longe de Petrópolis, e pois diminuindo o número de habitantes decrescia por conseqüência a fôrça vital da localidade.

Então clamava-se e a bom clamar contra a inércia dos capitais, contra o aferrolhamento da moeda; e dizia-se razoavelmente: – não pode medrar a lavoura, morre por isso o comércio, salve-nos da queda a indústria!

Reconhecia-se a necessidade das fábricas que proporcionassem trabalho aos braços válidos que se inutilizavam no ócio. Lamentava-se que morresse o que tinha tanta seiva e vida tanta.

Nessa época, quando o desânimo aumentava à proporção que a descrença avançava na invasão, houve uma espécie de grito de revolta; e dir-se-ia que essa população que anoitecera agonizante amanhecera animada de uma vida nova.

Eram braços novos e robustos que lançavam os alicerces de uma cidade em construção: não tinha sido o sono que alquebra, mas êsse outro sono que avigora, o que se havia apoderado dêsses homens.

Êles não haviam desanimado: cansados de uma luta prolongada repousaram um pouco para se erguerem mais fortalecidos.

E dêsse esfôrço supremo, dêsse despertar repentino, surgiu Petrópolis – a manufatureira.

Não mais era necessário buscar longe o que perto havia.

O trabalho sorria para todos, chamava a postos os seus filhos; e o suor do operário fazia reverdecer a árvore da felicidade que só a êsse benéfico orvalho pode dever o viço e o frescor.

Já não era o passo tardo do homem que treme pelo dia seguinte, lembrando-se das privações da véspera; era o andar acelerado do que vai com certeza buscar o bem-estar próprio e dos seus.

A primeira fábrica ia ser montada, as picaretas trabalhavam, o edifício subia.

Era bonito de ver-se como essa porção de gente laboriosa deixava transluzir-se-lhe no rosto a alegria que lhe ia na alma.

Depois de uma longa noite de decadência via ela despontar uma aurora de prosperidade, e reconhecia a verdade da sentença árabe – o contentamento é a maior riqueza e a pior pobreza o desalento.

Afinal soou a hora do labor e ali está uma fonte onde o sequioso de bem-estar vai saciar a sêde que o devorava, onde o trabalhador encontra o elemento necessário à sua vida.

E hoje vemos, situada à margem esquerda do Rio Quitandinha, na Rua Renânia, a Imperial Fábrica de S. Pedro de Alcântara, de fiação e tecidos de algodão, movida por água represada no mesmo rio logo acima dos prazos da fábrica.

É pois dêste importantíssimo estabelecimento que nos vamos ocupar, agradecendo à sua direção a benevolência que dispensou-nos ao ministrar-nos as informações que lhe pedimos.

Contém essa fábrica 3.500 fusos fiando até o número 20, consumindo uma fôrça de perto de 50 cavalos.

Tôdas as suas máquinas, tanto de fiação como de preparação, são das melhores fábricas inglêsas de Manchester e por isso dignas de um exame minucioso dos visitantes.

Os seus teares podem trabalhar desde o pano unido e liso até as mais lindas musselinas.

Os tecidos aí fabricados são sacos para café, lona para velas, fazendas brancas para roupa de trabalho e muitos outros que substituem com vantagem aos importados da Europa.

Tem uma tinturaria montada nas melhores condições higiênicas e que contém os principais aparelhos aplicados a esta arte.

Produz tôdas as côres tanto em fios como em tecidos e nas melhores condições de fixidez, não sendo excedida em nada nas tinturas do algodão pelas melhores tinturarias da Europa.

Esta fábrica produz diariamente 3.500 metros de tecidos e o seu pessoal é de 120 operários, entre meninos e meninas, mulheres e homens.

Os primeiros regulam ganhar 500 a 800 réis e os últimos até 4$000 diários, podendo-se estabelecer uma média diária de 1$700 por operário.

Anexas à fábrica há uma oficina de ferreiro, outra de carpinteiro e uma terceira de funileiro, tôdas preparadas com boas máquinas e prontas a satisfazer todos os consertos da fábrica.

Lastimamos que o motor dêste importante estabelecimento não forneça em tôdas as estações do ano uma fôrça suficiente para mover tôdas as suas máquinas e se não fôra a reprêsa – onde os proprietários consumiram para mais de 40:000$000 – certa seria a crise.

E tanto mais fôra para lamentar a cessação de trabalho nos tempos de sêca, quanto perigariam os interêsses do estabelecimento e também os de dezenas de famílias que nêle encontram certos o trabalho e a alimentação.

Felizmente até hoje êsse fato não foi observado e a Imperial Fábrica de S. Pedro de Alcântara tem prosperado e servido de baluarte a quantos, lhe dando suas fôrças, nela encontram o trabalho que buscavam.

Ela vai ganhando terreno em interêsse e em crédito e mau grado a dificuldade com que luta a indústria em nosso país, pela proteção que se dispensa à estrangeira, a sua manufatura está sendo otimamente aceita no mercado e fácil por conseqüência é a sua extração.

Luta com a concorrência, luta com a indiferença, mas na luta cabe-lhe o triunfo, porque os seus produtos são perfeitos, porque a sua direção visa mais de um fim; e ao lado do interêsse pecuniário, ou melhor diremos – acima dêsse interêsse, coloca ela os créditos da indústria nacional.

A Imperial Fábrica de S. Pedro de Alcântara leva de vencida tôdas as dificuldades, e prossegue na sua marcha progressiva, filha como é de uma idéia generosa – qual a de ocupar braços que se perdiam, de um espírito de independência – qual o de estabelecer a indústria em nosso país.

Saibamos nós brasileiros auxiliar êsses cometimentos e animar os que os empreendem, e pouco a pouco nos livraremos de pesadas tutelas emancipando-nos pelo trabalho.

NOTA: Da Imperial Fábrica de Tecidos S. Pedro de Alcântara existe, no arquivo do Museu, um importante documento, infelizmente com data ilegível. É a minuta de um ofício dirigido a José Antônio Rodrigues, a respeito da construção do prédio dessa indústria – levantado “contra as posturas municipais”, “em terreno destinado a logradouro público”. Protesta, ainda, o signatário contra a muralha “erigida sobre o leito do rio, que ficou, por isso, três metros mais estreito”.

Tipografia de “O Mercantil”

Era Petrópolis simples colônia, povoação em princípio, com poucas casas, más ruas – não calçadas e tortuosas ainda, quando para aqui veio um homem, que era acompanhado por um poderoso elemento do progresso.

Trazia um prélo e o material necessário para um jornal: vinha fundar aqui o primeiro estabelecimento útil – a tipografia, vinha oferecer aos habitantes da nova colônia um advogado que defendesse a sua causa.

Dêsse estabelecimento devia sair essa luz que ilumina a grande obra do futuro da humanidade – a imprensa: uma fôlha de papel impressa constituída em grandioso símbolo de vitalidade e impulsão.

Sem rodear-se de promessas, sem lançar tributo que a ninguém onerasse, mas só confiando em seu trabalho e em sua persistência – o apóstolo do progresso vinha arriscar-se ou à perda de seus esforços, se mal acolhido fôsse, ou, no caso contrário, a beneficiar a todos com os melhoramentos de que havia então carência.

Patriótico sentimento o animava e a sua aspiração única era tornar-se útil sem ser pesado, dar muito – embora pouco recebesse, preencher essa obrigação que todo o homem bem intencionado contrai com a sua consciência – empregar as suas fôrças e os elementos de que dispõe em bem servir a causa pública.

Não havia duvidar do bom acolhimento que lhe foi dispensado, e no dia 3 de março de 1857 entrava Petrópolis na relação dos lugares que sustentavam o advogado que pugnasse pelos seus interêsses e engrandecimento.

Nesse dia apareceu o primeiro número do Mercantil.

Eis o modo por que êle se apresentou: “O Mercantil ao encetar a sua tarefa, prescindindo de vãs promessas de engrandecimento e de prodígios, que só com o tempo poderão verificar-se, não pode deixar de consignar em seu artigo de prospecto o programa de sua carreira, o qual é o seguinte:

“Pugnar pelo desenvolvimento do comércio, da indústria e da agricultura;
“Pelo engrandecimento material de Petrópolis;
“Cuidar dos verdadeiros interêsses da sociedade;
“Reclamar os direitos do povo, quando julgar que êles são atacados;
“Respeitar e fazer respeitar o cidadão honesto e a família;
“Sustentar a autoridade quando ela disso se tornar dignamente credora;
“Fazer difundir por tôdas as classes a ilustração e todos os conhecimentos úteis, por ser êsse o fim essencial da grandiosa missão que foi pela Providência assinalada à imprensa;
“Nunca o veneno da calúnia, nem a peçonha execranda da maledicência será admitida em nossas colunas, por isso que censurar, criticar, dois vocábulos já em si distintos por sua significação etimológica, não importam o descrédito e o adultério dos atos mais ingênuos do homem de bem, nem supõe a inteligência de colocar em odioso transparente os fatos ocorridos no santuário da vida doméstica.”

Começada a luta pelo engrandecimento de Petrópolis sustentou sempre êsse jornal o seu pôsto.

Outros vieram – lutaram e caíram: e o Mercantil seguiu na romagem.

Logo em princípio teve de pugnar pela autonomia da localidade, sujeita então à Estrêla.

A população revoltava-se contra a madrasta, queria trabalhar para o seu aumento, precisava de melhoras, e o dinheiro remetido para a Estrêla fazia falta a Petrópolis.

O Mercantil na estacada sustentou o direito do queixoso e – Petrópolis afinal foi elevada a cidade.

Não havia iluminação, os desastres repetiam-se, as vítimas sucumbiam afogadas no rio: ei-lo reclamando contra essa falta e – a iluminação veio repará-la.

A cidade carecia de embelezamentos, as antigas pontes arruinavam-se, as chuvas produziam esboroamentos que estreitavam as ruas; ei-lo aconselhando a arborização, a reedificação das pontes, o levantamento de cais e – a diretoria de obras públicas atendendo à reclamação corria a satisfazer a justa exigência.

Sempre que se tratou de melhorar, de engrandecer, a sua redação advogou a causa de Petrópolis, e fê-lo de modo a merecer o apoio que em vinte e três anos lhe tem sido concedido.

Não mercadejando, não se deixando levar pelas proporções da paga, mas sim desinteressada e espontâneamente o jornal cedeu suas colunas sempre às inteligências que se quiseram consagrar à causa pública.

Se algumas vêzes as tem recusado é para as torpes questões que aviltam aos que escrevem e aos que publicam o escrito.

Assim – nunca se viu a sós na luta: a seu lado teve sempre a população sensata como baluarte, assim como por escudos tinha a razão e o direito.

Muito do que Petrópolis mostra hoje ao Mercantil o deve, porque faltas há que não são reparadas quando não conhecidas, e que fazê-las conhecer é um serviço prestado.

A missão do jornal está preenchida desde que êle diz – deve-se fazer: porque êle representa a opinião – que é a maior soberana, a opinião – que é a melhor diretora.

Na sua tarefa gloriosa tem o Mercantil se mostrado afanoso e infatigável, e enquanto prosseguir na vereda que há trilhado de certo lhe não faltarão o apoio e a estima geral.

Deixando o jornal em si e voltando-nos agora para a casa de trabalho – a oficina tipográfica, vemos aí um dêsses estabelecimentos úteis quer o encaremos pelo lado moral, quer pelo material.

É daí que têm saído muitos homens serviçais à sociedade, que se dedicam a um trabalho do qual provém o bem-estar geral.

É da tipografia que sai o livro e é o livro o melhor guia a seguir.

O estabelecimento tipográfico tem sido e é sempre olhado com a maior atenção por quantos se consagram à árdua tarefa de apostolar o bem e propugnar pela prosperidade do gênero humano.

E aquêle onde se imprime o Mercantil, dirigido por um dêsses artistas da velha escola, escola que não admitia o charlatanismo e onde os preceitos da arte eram observados sem discrepância de um ponto, tem-se constituído dos que mais no caso estão de merecer apoio e respeito.

O nosso bom amigo o sr. Bartolomeu Pereira Sudré, que resume em si a direção do jornal e a administração das oficinas, o infatigável filho do trabalho, que se tem elevado por seus merecimentos e esforços, não se poupando sacrifícios tem levado o seu estabelecimento a êsse grau de aumento em que hoje o vemos.

Acompanhando os progressos da arte, na renovação de seu material e na aquisição do que aparece de moderno em gôsto e perfeição, alcança o sr. Sudré o poder encarregar-se de trabalhos delicados e de luxo.

E não poucos trabalhos têm daí saído dignos de séria atenção e merecidos encômios.

Dir-se-á talvez que laços de simpatia e estima nos tornam suspeito neste juízo: destruímos êsse mau conceito desde que é sabido que a não merecer-nos louvor calar-nos-íamos quando não quiséssemos proferir a censura.

Conhecer a tipografia do Mercantil, visitá-la e não endereçar ao seu proprietário um cumprimento fôra injustiça imperdoável.

Antes de o saudar não escreveríamos a palavra.

NOTA 1: O Mercantil foi o primeiro jornal de Petrópolis, fundado em 03 de março de 1857. Foi seu fundador Bartolomeu Pereira Sudré, que mantinha uma tipografia, a primeira de Petrópolis. O negócio girava sob a firma Sudré & Nunes, constituído pelo já citado e José Marcelino Nunes, e foi instalado, inicialmente, a Rua Tereza nº 29, mudando-se depois para o nº 21 da mesma rua, e daí transferindo-se para a Rua Aureliano nº 5. Aí, em 1892 foi transformado o jornal em “Gazeta de Petrópolis”.

NOTA 2: Os textos foram transcritos da obra rara “Os estabelecimentos úteis de Petrópolis”, de Thomas CAMERON, editada em Petrópolis, em 1870.

Raul Ferreira da Silva Lopes, ex-Associado Titular, Cadeira n.º 32, Patrono – Oscar Weinschenck, falecido